SELF COMPORTAMENTO

Alphonse Voigt: é preciso ser um pouco “artista” para empreender

CEO e co-fundador da startup curitibana Ebanx fala sobre apoio da empresa a projetos culturais e sobre como um acidente foi transformador para sua carreira

A startup curitibana Ebanx já nasceu voltada para o mundo. A ideia dos fundadores era permitir que brasileiros pudessem comprar em sites de fora sem precisar de cartão de crédito internacional — uma oportunidade para empresas estrangeiras aumentarem suas vendas por aqui.

Foi desbravando este campo que a startup saltou de um pequeno escritório com quatro pessoas na Praça da Espanha, em 2012, para uma empresa com 430 funcionários em dois andares do Centro Comercial Itália, na Rua Marechal Deodoro — região agora apelidada de Vale do Guadalupe pelo pessoal do Ebanx e seus vizinhos das também startups MadeiraMadeira e Olist, entre outras. A ideia é chegar a mil funcionários em 2019 e atingir R$ 5 bilhões em pagamentos processados. Cerca de 30 milhões de brasileiros já usaram o Ebanx para pagar um site internacional — se você já assinou Spotify, comprou no AliExpress ou reservou um quarto no Airbnb, pode estar entre eles mesmo sem ter se dado conta.

A vocação internacional, no entanto, convive com uma forte conexão da empresa com Curitiba — segundo Alphonse Voigt, CEO e fundador do Ebanx ao lado de Wagner Ruiz e João Del Valle, uma ligação natural e até vantajosa para eles.

A promoção da cidade, aliás, é um dos princípios da política de patrocínios de projetos culturais da empresa, que esteve entre as principais patrocinadoras do Festival de Teatro e, recentemente, inaugurou uma parceria com o Teatro Regina Vogue (agora, Teatro Ebanx Regina Vogue).

Na entrevista a seguir, concedida na sede da startup no último dia 10, Alphonse Voigt explica como a relação da fintech com a cultura tem tudo a ver com o espírito da empresa e com seu estilo como empreendedor. O empresário de 44 anos, fã de esportes de ação, também conta como sua experiência com um grave acidente de paraquedas em 2005 mudou seu comportamento e o preparou para empreender melhor depois de várias tentativas de negócios.

Qual o lugar da cultura na filosofia do Ebanx?
A gente se acha um pouco artista aqui — eu me acho um pouco artista. O primeiro trabalho que tive foi como produtor de eventos, de shows. Então, isso sempre esteve dentro de mim. Sempre fui um cara muito criativo também. Até para construir um negócio desse você tem que ser criativo, pensar fora da caixa, oferecer soluções inovadoras. Tem que ser um pouco mágico e saber tirar um coelho da cartola. Não é porque a gente trabalha com serviço financeiro que é tudo preto no branco, “dois mais dois igual a quatro”. A magia faz parte do nosso trabalho e da nossa cultura. A empresa cresceu, e o nosso envolvimento com a cultura local se deu de forma natural.

“Não é porque a gente trabalha com serviço financeiro que é tudo preto no branco. A magia faz parte do nosso trabalho e da nossa cultura.”

Como surgiu o apoio a projetos culturais?
Com o crescimento, a gente acabou tendo impostos para pagar. Há incentivos fiscais de leis municipais e federais que abatem o seu imposto devido. E você pode aplicar em cultura. Muita gente nem usa isso, acaba deixando passar. A gente viu nisso uma forma de apoiar a cena local. Vimos que tinha uma boa grana para investir em projetos culturais. Hoje, acho que conseguimos financiar, inteiramente com dedução de impostos, em torno de 10 a 20 projetos anuais. A gente se organizou para recebê-los. Eles têm que ter alguma coisa a ver com a cultura da empresa. Criamos algumas regras básicas: [devem] impactar muita gente; levar Curitiba para fora; e reforçar a ideia de que Curitiba é um lugar forte.

Por que associar o nome da empresa ao Regina Vogue?
[Sou] fã do trabalho deles, fã da Regina Vogue, em específico. A gente tinha uma aliança com outra companhia de teatro, Delírio, de Edson Bueno. São peças maravilhosas. A gente já os apoiava. Esse nosso envolvimento nos trouxe a Regina, que a gente já conhecia. Eles precisavam, de alguma forma, revitalizar o teatro. E foi uma aliança excelente para os dois lados. Para o nosso nome, por estar ao lado de uma pessoa em que a gente acredita, e para o nome deles, por estarem conosco. A gente troca muita informação sobre como fazer crescer o negócio, como dar escala, como aumentar o público do teatro. É muito gratificante ter o nosso nome estampado lá.

Por que o foco em Curitiba?
Isso também é muito natural. Dois dos três fundadores são de Curitiba. A gente está aqui. É também uma forma de devolver o que a cidade nos deu. Todo mundo pergunta por que não estamos em São Paulo. Nós, que começamos a empresa, não queríamos sair daqui. A gente queria continuar aqui, em casa. É muito melhor morar aqui do que morar lá. E, depois, a gente tem tudo o que precisa em Curitiba. E há vários benefícios. É uma cidade mais fácil de se viver. Essa questão de Curitiba é uma coisa muito forte na [empresa]. E você não tem  necessariamente que estar dentro de um grande centro para fazer alguma coisa de impacto. Veja o Alibaba, na China. Está em uma cidade chamada Hangzhou — que, inclusive, é uma cidade irmã de Curitiba. E Hangzhou está a uma hora de voo ou de trem bala de Xangai. Então é supernatural estar aqui. Superlegal e supergratificante.

“O mercado financeiro tem essa máxima: se você não é grande, você não perdura. Não é como um outro negócio em que você pode se permitir ficar de um certo tamanho até quando quiser.”

O que mudou quando o Ebanx cresceu? Como é competir com as grandes?
É bem diferente. Eu costumo comparar com estar num mar cercado de tubarões. É uma coisa para a qual a gente sempre se preparou. Para você estar no mercado financeiro — isso serve para quem está começando nesta onda de fintechs —, você [precisa] ser grande. Não é nem uma forma de ganhar relevância no mercado, mas uma forma de sobrevivência mesmo. Se você não pensar em ser grande, e rápido, sua sobrevivência enquanto empresa está em perigo. O mercado financeiro tem essa máxima: se você não é grande, você não perdura. Não é como um outro negócio em que você pode se permitir ficar de um certo tamanho até quando quiser. No mercado financeiro é bem diferente. Ou você ganha relevância ou passa a ser notado — não tem aquela história de ficar abaixo do radar por muito tempo.

Um acidente saltando de paraquedas foi transformador para Voigt: “É para frente que se vive. Não esperava me acidentar, mas foi supernatural. Me veio uma coisa de ir em frente e fazer disso uma lição.”
Um acidente saltando de paraquedas foi transformador para Voigt: “É para frente que se vive. Não esperava me acidentar, mas foi supernatural. Me veio uma coisa de ir em frente e fazer disso uma lição.”

Quais são os próximos passos do Ebanx?
É dar escala ao que a gente já vem fazendo. Por exemplo, aumentar os países em que a gente oferece meios de pagamento para os sites internacionais. Não só aumentar o número, mas melhorar a qualidade do nosso serviço em toda a América do Sul. Isso é uma coisa muito complexa.

“No mundo de hoje, não basta mais você fazer só o seu trabalho — aquele trabalho das oito às seis já era.”

O Ebanx fala sobre promover uma revolução. De que mudanças estão falando?
Uma grande mudança que eu percebo, olhando para dentro, é a revolução na relação de trabalho. E isso não é só no Ebanx. Curitiba tem a sorte de contar com várias empresas com o mesmo mindset do Ebanx — a forma de se relacionar, de trabalhar. Os ebankers fazem muito além do seu trabalho. É o que a gente espera das pessoas. Acho que esse é um grande diferencial. É uma mudança de paradigma. No mundo de hoje, não basta mais você fazer só o seu trabalho — aquele trabalho das oito às seis já era. Hoje, não basta você [dizer]: “Tenho meu trabalhinho, vou fazer aquilo e vou para casa”. Você tem que fazer o seu trabalho e tem que fazer o trabalho do seu cliente. Se você quer conquistar uma grande conta, tem que usar várias estratégias e armas. Acho que essa é a grande diferença dessas empresas de crescimento exponencial das empresas que são os “incumbentes”, que representam o status quo.

“Antigamente, eu não tinha paciência. Sempre buscava algo grande num curto espaço de tempo. Levei muitos anos para aprender que a paciência é parte integrante do processo de empreender.”

Como você vê sua própria trajetória como empreendedor?
Eu sempre busquei algo grande. Antigamente eu não tinha paciência. Eu sempre buscava algo grande num curto espaço de tempo. Levei muitos anos para aprender que a paciência é parte integrante do processo de empreender. Tudo tem seu tempo e tudo leva tempo. Em uma das palestras que vi fora do Brasil recentemente, um cara disse que, da concepção de um negócio até ele dar dinheiro e você se realizar financeiramente não pode levar menos de oito anos. A galera jovem quer começar a empreender e ficar rica amanhã. Não vai. A questão da paciência, eu só fui adquirir, aprender, quando tive meu acidente.

Como essa experiência ajudou a mudar isso?
Eu quebrei a coluna saltando de paraquedas, e tinha um processo longo de recuperação pela frente, muito cansativo — ainda bem que tive a oportunidade de ter um processo de recuperação, porque às vezes você não tem. Naquele momento, aprendi a ter paciência. Resiliência eu sempre tive, mas ali eu vi que era uma questão de tempo, mesmo. De muita persistência e tempo. Acho que isso me preparou melhor.

De que outras formas o acidente o transformou?
Além da paciência, o acidente me ensinou a ter foco. Antes disso, eu me envolvi em muitos projetos simultâneos. Essa é uma outra coisa para quem quer começar a empreender ou intra-empreender. Eu aprendi a ter foco. Fiquei praticamente dois anos focado na recuperação, com paciência. Então, essas foram as principais lições. E aprendi também a fazer da dificuldade uma oportunidade.

Como?
Primeiro, você olha para o lado. Vai ver que tem gente muito pior do que você, sempre. Por mais quebrado que você esteja — sem grana, deprimido, machucado, no hospital, triste —, se você olhar para o lado vai ter um cara que está pior do que você. Então, na verdade, você não tem que estar triste; você tem que estar feliz, porque tem um caminho pela frente. Então, ao invés de chorar, eu sorri: “É isso que tenho para hoje. Vamos enfrentar”. E enfrentei, levei adiante. É para frente que se vive. Não esperava me acidentar, mas foi supernatural. Me veio uma coisa de ir em frente e fazer disso uma lição.

O paraquedismo era importante para você. Teve como continuar?
Eu troquei. Não tive como continuar. Meus esportes prediletos eram e ainda são o surfe e o paraquedismo. Tentei o bodyboarding e não me adaptei. Para surfar, ficou difícil, porque fiquei com um déficit de equilíbrio que realmente me prejudicou. No paraquedismo, eu até fiz um salto, em 2016, dez anos depois do acidente. Fiz um salto sozinho. Acho que foi para ter a primeira sensação da queda livre, pousar o paraquedas sozinho. Foi muito marcante. Foi quase que uma libertação daquele trauma. Aquilo ali foi incrível. Mas, em virtude dos compromissos, da família, decidi não retomar a carreira no paraquedismo. Mas aí me reencontrei em um esporte também de ação, que é a pesca submarina.

Os três fundadores da Ebanx: Wagner Ruiz, Alphonse Voigt e João Del Valle. (Foto: Brunno Covello/Ebanx).
Os três fundadores da Ebanx: Wagner Ruiz, Alphonse Voigt e João Del Valle. (Foto: Brunno Covello/Ebanx).

Como a pesca pode ser um esporte de ação?
É uma combinação de pesca com apneia, que é mergulho livre, sem auxílio de equipamento. Há até uma comparação engraçada. Quando você salta do avião, às vezes chega a ficar um minuto em queda livre até abrir o paraquedas — é um minuto de quase nirvana: você está voando até o seu paraquedas abrir e você vir para o chão. Na pesca submarina é um minuto também, mais ou menos. Tem gente que consegue ficar mais, mas a média é um minuto segurando tua própria respiração e indo para o fundo para ter a oportunidade de encontrar os peixes. Esse foi o esporte que encontrei recentemente, há dois anos e meio. E agora, finalmente, estou plenamente completo. Achei o esporte que vou levar comigo para sempre.

Essa parte ainda não estava resolvida para você?
Era uma parte que não tinha resolvido ainda. Comecei a trabalhar, várias coisas aconteceram. Claro, o trabalho intenso junto com meus sócios no início do Ebanx conseguiu suprir a adrenalina do surf em onda grande, das viagens e dos saltos de paraquedas que eu fazia. Era uma coisa muito intensa, muito legal, de muitos desafios. Era quase a mesma coisa. Porém, o tempo passou, tentei voltar a surfar, não me adaptei. Aí ficava faltando aquela coisa, apesar de sempre ter me exercitado cinco vezes por semana — natação, treino funcional, bicicleta. Sou muito ativo. Mas faltava aquele lance da adrenalina através do esporte. Aí um amigo comum me convidou, comecei e hoje estou dentro desse novo mundo. E estou completo comigo mesmo. Claro, o desafio, agora, é me aperfeiçoar no esporte e saber balancear com a atividade profissional e a família.

A família foi outra mudança?
Casei há quatro anos e tivemos uma filha chamada Laura, que tem dois anos. Acabei virando um cara recluso depois disso. Minha vida é o Ebanx, minha família e o meu esporte. E é isso aí. Não tenho muito essa de sair. O foco é nestas três coisas.

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