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Paraná-Paris: o mais nobre dos fios é produzido por mãos paranaenses

Nem China, nem Índia. A melhor seda do mundo é produzida por mãos paranaenses. Há 75 anos exportamos o mais nobre dos fios para a francesa Hermès

Os franceses se orgulham de seus queijos, museus e marcas de luxo, como Louis Vuitton, Chanel e Cartier. Mas é aqui no Paraná que eles encontram a matéria-prima usada pela Hermès, a icônica marca francesa de lenços e gravatas de seda. O próprio Patrick Thomas, presidente da marca em 2009, revelou: “a seda brasileira é a melhor do mundo”. A declaração foi feita em 2009, quando ele veio ao país inaugurar a loja da grife em São Paulo, e é confirmada pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Desde 2006, 100% da seda que a Hermès usa sai daqui. Reconhecida pelo brilho intenso e toque suave, a seda é o mais nobre dos tecidos – e também o mais imitado. Assim como a lã, é uma fibra têxtil de origem animal, ou seja, completamente natural. Mas ao contrário da primeira, o fio de seda é único e longo – cada casulo possui mais de um quilômetro de filamento. Extremamente fino, porém resistente, absorve bem a umidade e o suor. “É praticamente um tecido vivo, pois interage muito com o corpo”, esclarece a professora do curso de Design de Moda da PUCPR, Taísa Vieira. Reza a lenda que uma imperatriz chinesa teria descoberto a seda durante um piquenique. Enquanto tomava chá sob uma amoreira, um casulo caiu dentro do líquido quente. Amolecido pelo calor, o fio se desenrolou. A imperatriz, então, teria levado a delicada linha até o castelo e tecido um manto para o imperador. Verdade ou não, fato é que o bicho-da-seda é originário da China e vem sendo criado pelo homem há mais de cinco mil anos. Descoberta valiosa, tornou-se um dos sigilos industriais mais cobiçados no Mundo Antigo, a ponto de batizar de Rota da Seda o mítico conjunto de caminhos que promoveu por milênios o intercâmbio entre o Oriente e o Ocidente.

Seda que vale ouro

A produção se manteve em segredo por muito tempo no Oriente, até que, estima-se, tenha sido descoberta na Índia no ano 300 e expandida mundo afora. No Brasil, a sericicultura, como é chamada a criação de bicho-da-seda, surgiu nos anos 30 trazida pelos orientais e hoje se concentra no norte do Paraná – na região batizada de Vale da Seda –, e no interior de São Paulo. O fio da Hermès, no entanto, é exclusividade paranaense. A responsável é a Fiação de Seda Bratac, única no Brasil, fundada por imigrantes japoneses em 1940. Só em 2014, a empresa produziu 432,5 toneladas de fio de seda. Das 413 toneladas comercializadas, 54,7% foram exportados para a Europa e 45,2% para a Ásia. Menos de 1% vai para os Estados Unidos. “A exportação para grifes como Hermès está impulsionando a produção brasileira”, declara Shigueru Taniguti Junior, diretor presidente da Bratac. 

As armações de madeira suspensas sobre as larvas descem quando elas estão prontas para encasular, substituindo as árvores, onde os bichos naturalmente criariam seus casulos.

A empresa tem mais de 900 colaboradores e conta com cerca de 2 mil famílias que produzem o bicho-da-seda em suas propriedades rurais, em um regime de parceria. Em Rolândia, a 21 quilômetros de Londrina, o casal de produtores Maria Antônia e João Farias acorda todos os dias às 4h30 para alimentar as larvas do bicho. Na ocasião da visita da TOP VIEW, eles cuidavam de 132 mil larvas. As folhas da amoreira são o único alimento do bicho. “Elas comem cerca de seis vezes por dia. Acordamos cedo para conseguir as folhas mais frescas”, explica João. É de responsabilidade do sericicultor a plantação e a poda das amoreiras e o cuidado com o terreno – que não usa agrotóxicos. O problema, no entanto, é que eles dividem espaço com soja, milho e outros grãos de lavouras vizinhas, que recebem aditivos químicos. “Contra isso construímos barreiras naturais com capim-napiê”, explica Sidney Pereira, técnico em sericicultura da Bratac. Ao entregar as larvas para o produtor, a empresa coloca à disposição técnicos como Sidney, responsáveis por orientar e acompanhar o desenvolvimento dos bichos. “Quanto mais bem cuidado o bichinho, mais fio de qualidade ele vai produzir e maior será o pagamento do produtor”, destaca o técnico. A cada criada, que dura 28 dias, o casal recebe cerca de R$ 4.400. E são oito criados ao ano.

O segredo da qualidade

A anafaia (sobras de seda do casulo) é usada para fazer tecidos de cortinas e almofadas de seda pura.
Até os bichos são aproveitados. Uma vez assados, servem como petisco ou ração animal.
Com os retratos de Akira Taniguti e Kenji Amano, fundadores da Bratac, a diretoria da sede de Londrina: Hélio Mizokoshi, Shigueru Taniguti Junior, Renata Amano, Naoyuki Suzuki e Chuichi Yakushijin.

Se a produção de seda no Brasil ainda é pequena comparada à da Ásia, a reputação do produto é boa até mesmo quando se trata do casulo nomeado ‘de segunda’, com o qual se produz, por exemplo, o chantum de seda, tecido fino usado em vestidos de festas. O controle de todo o processo talvez seja o segredo da qualidade. “Toda a cadeia de produção está sob nosso controle”, explica o presidente da Bratac. Com 32 anos na sericicultura, seu João e dona Maria criaram os três filhos, mas nenhum deles seguiu com o trabalho dos pais. Por isso, conforme explica Renata Amano, diretora membro do Conselho de Administração da Bratac, a empresa estuda formas de atrair para a sericicultura os jovens, não mais habituados a uma atividade tão artesanal. Além disso, a Bratac também atua para que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento reconheça a sericicultura como agricultura familiar e assim conceda aos produtores benefícios que os protejam e o incentivem a se manter na atividade. “O Ministério ainda entende que a atividade lida apenas com o bicho e não se encaixa nessa categoria”, completa Renata.

Processo de fiação

SELEÇÃO Quando chegam à fábrica, os casulos são selecionados em quatro categorias: Premium Extra, Premium Bom, Premium e Kaiten .

SECAGEM Em seguida, eles passam pela secagem, onde as máquinas controlam a quantidade de umidade retirada, o que garante a qualidade do fio.

SELEÇÃO Com a ajuda de um painel de luz, as colaboradoras identificam possíveis anomalias internas nos casulos.

COZIMENTO Os casulos são cozidos entre 60 e 70 °C para que o fio se solte mais facilmente e ganhe mais firmeza.
ACHAR A PONTA Pequenas “vassouras” de palha de arroz ajudam a encontrar a ponta do fio. A empresa testou algumas soluções mais modernas para substituir a palha, mas nada se mostrou tão eficiente quanto o produto vegetal.
FIAÇÃO Cada carretel fia um tipo de fio – a espessura depende do que o cliente quer. E cada funcionária cuida de 110 carretéis.
ENROLAMENTO Uma vez fiados, eles seguem para o enrolamento onde também são secos.
ACABAMENTO Separados em meadas de 300 gramas, os fios são organizados e embalados para a exportação.

LES CARRÉS

Uma bolsa Chanel, um trench coat da Burberry e um carré da Hermès. Tão venerados quanto artigos clássicos da moda, os lenços de seda – ou carrés, como são conhecidos – da Hermès carregam tradição, luxo e criatividade em apenas 70 gramas. Desde 1937, os carrés da marca francesa acumulam mais de 2,5 mil modelos, assinados por centenas de designers, nas mais variadas estampas e formatos. O equilíbrio entre inovação e tradição, aliás, é que faz com que essas peças desafiem modas e se tornem icônicas. O processo de fabricação na França é exemplo dessa relação: após o recebimento do fio brasileiro, são necessários quase três meses para tecer e finalizar a seda. Enquanto isso, a tinta é fabricada ali mesmo, e cada estampa é gravada à mão: as cores são separadas, cada qual correspondendo a uma camada de papel especial. Têm origem aí as telas estampadas, que na mesa de impressão conferem, uma a uma, determinada camada de cor ao tecido, até formar a estampa final. Assim, há um tanto de matemática e de arte, tecnologia (modelos à prova d’água ou perfumados estão entre as experimentações) e artesanato nos mais de um milhão de carrés produzidos por ano. Seja nos tradicionais 90 cm² ou 45 cm² do modelo Gavroche, o tesouro da Hermès permanece um artigo de desejo pela profusão de designs e cores e pela minúcia de fabricação. 

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