FASHION MODA

Um banquete para o rei

A moda e a gastronomia têm uma relação milenar e, ao longo dos anos, relacionam-se de formas distintas - mas nunca sozinhas

O ano era 1671 e o rei Luís XIV vivia em Versailles, na França. No norte do país, o Príncipe de Condé planejava uma solução para que ele e toda a província conseguissem se recuperar das dívidas: convidar o rei para passar um final de semana regado a iguarias e entretenimento, fazendo com que o príncipe caísse nas graças da realeza.

A sinopse acima se refere ao filme Vatel – Um Banquete para o Rei, de 2000, dirigido por Roland Joffé. Com belos exemplos de como era a gastronomia da realeza no século XVII, o longa também é uma ótima referência de como a moda começa a se relacionar com a gastronomia.

Vatel é um retrato cinematográfico histórico do nascimento da moda, mas esse momento também pode ser observado quase 100 anos antes do reinado de Luís XIV, com Catarina de Médici, uma nobre italiana que foi rainha consorte da França de 1547 a 1559.

Apesar de sua conhecida crueldade durante o reinado – responsável pelo assassinato de milhares de protestantes durante as guerras –, Catarina teve um papel importante para a gastronomia, perfumaria e moda francesa.Durante sua mudança da Itália para a França, ela levou suas roupas, suas joias, seus cozinheiros e seu perfumista para o país, que influenciaram os costumes e a cultura francesa.

Catarina introduziu o uso do garfo à mesa, já que os franceses ainda comiam com as mãos. Seus cozinheiros também surgiram com as receitas – que, hoje, são francesas –, como o molho bechamel. Outro grande feito dela foi a introdução do perfume no território. Ela levou ao país seu mestre perfumista Renato Bianco, que ensinou jovens aprendizes a manipulação de ervas e flores para produção de perfumes.

Segundo a professora de História da Moda e colunista da TOPVIEW, Dani Nogueira, o século XVII foi muito importante nessa relação entre o sabor e a vestimenta. “O dinheiro ia chegando às cortes e elas iam ficando abastadas. Com isso, ficavam displicentes, com muita abundância de sabores. Nesse mesmo momento, surge o jabot, que é uma espécie de ‘babador’ masculino. Essa peça, mais tarde, inspirou o uso de lenços femininos no pescoço”, explica.

No século XIX, com o surgimento do manual da etiqueta, a moda também se tornou mais elegante. As pessoas precisavam consumir alimentos com mais sofisticação e, por isso, vestiam-se com mais cuidado para esses momentos.

Já na década de 1920, a moda era reflexo de um acontecimento social, o pós-guerra. Por isso, as roupas femininas deixaram a silhueta de lado, dando lugar a peças que traziam mais liberdade e conforto.

10 anos mais tarde, o estilo mudou e passou a ser mais sóbrio e elegante. Aquele, no entanto, não estava no caderno de ideias da estilista Elsa Schiaparelli. Em 1937, ela não usou apenas a gastronomia como um de seus temas, mas, também, a arte do pintor Salvador Dalí. A artista desenhou um vestido branco que contava com um grande desenho de uma lagosta – inspirado no Telefone Lagosta de Dalí. A criação ficou conhecida como The Lobster Dress (“O Vestido Lagosta”).

 Vestido de Lagosta, de Elsa Schiaparelli
Vestido de Lagosta, de Elsa Schiaparelli (Foto: divulgação)

Conforme Nogueira, nos anos 1950, houve uma recessão no pós-guerra e, com isso, surgiu a geração baby boomer. “Havia um movimento antifeminista que fazia com que as mulheres permanecessem em suas casas, mas todas arrumadas. Era comum ver, nessa época, propagandas em que elas estavam na cozinha, extremamente arrumadas e segurando uma batedeira, por exemplo”, relembra Dani.

Telefone Lagosta criado por Salvador Dalí, em 1936
Telefone Lagosta criado por Salvador Dalí, em 1936 (Foto: divulgação)

A especialista explica que a moda e a gastronomia se relacionam de diferentes formas ao longo da história. Na década de 1980, por exemplo, a sociedade vivia uma incerteza em relação ao futuro, devido ao surgimento da internet. Por isso, as pessoas passaram a se apegar muito ao que era vital, ou seja, ao alimento – e isso refletiu nas roupas da época.

Em 1989, o grande maison Margiela revolucionou a alta-costura trazendo um colete feito de cacos de um prato de porcelana amarrados em um arame. A criação inusitada abriu portas para diversos estilistas, anos mais tarde, desfilarem roupas que se conectem com a gastronomia.

Foi o caso de Jeremy Scott em sua primeira coleção como diretor criativo da Moschino, no outono/inverno 2014/2015. Ele ironizou o McDonald’s com peças tão clássicas que lembram os designs icônicos da Chanel.

Propagando de Travis Scott para o McDonald’s
Propagando de Travis Scott para o McDonald’s (Foto: divulgação)

Hoje, ainda é possível acompanhar essas relações, como a colaboração entre o rapper estadunidense Travis Scott também com a rede de fast-food, que criou peças que atingiram diretamente o público jovem. Outro exemplo dessa relação, só que nas marcas de luxo, é, novamente, um design da maison Margiela. Dirigida por John Galliano, a marca – pioneira no assunto – voltou a produzir peças marcantes: criou uma pantufa no formato de um pão.

Garrafas de Coca-Cola assinadas por Jean Paul Gaultier (Foto: divulgação)
Garrafas de Coca-Cola assinadas por Jean Paul Gaultier (Foto: divulgação)

O QUE A MODA APRENDEU COM A GASTRONOMIA

A moda e a gastronomia sempre foram aliadas. Quase sempre, o alimento e o comportamento social em relação a isso definiram as vestimentas necessárias. Anos mais tarde, isso não se tornou apenas funcional, mas muito criativo.

Coleção de Jeremy Scott para a Moschino, no outono/inverno 2014/2015
(Foto: divulgação)

Dani explica que, durante toda a história da humanidade, é possível ver esses dois temas se relacionarem de formas diferentes, mas nunca sozinhos. Por fim, a professora destaca que a moda, ao longo de todos esses anos, aprendeu, principalmente, a ser mais sensorial com a gastronomia. “A moda tem muito a ganhar com a gastronomia”, finaliza.

*Matéria publicada na edição #266 da TOPVIEW

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