FASHION

“Estamos moldando a maneira de ser sustentável na moda”

Ex-modelo que se tornou referência em sustentabilidade, Chiara Gadaleta avalia novas estéticas do movimento e a volta do estilista criativo

O sonho de Chiara Gadaleta é que seu projeto EcoEra não precise mais existir. Nem otimista ou pessimista, mas pragmática, a ex-modelo e estilista da Tarantula fundou a plataforma de disseminação e consultoria de práticas sustentáveis nos mercados de moda e beleza em 2008, quando, lembra, ninguém queria ouvir falar de sustentabilidade.

Desde então, o projeto invadiu as páginas de uma das mais influentes publicações de moda no país, lançou um prêmio anual e vem atuando em parceria com pequenas e grandes empresas, orientando desde a fabricação de matéria-prima ao descarte do produto final, passando pela capacitação de comunidades e integração de técnicas artesanais. O objetivo: diminuir o impacto ambiental, trabalhando ainda os pilares econômico, cultural e social.

Mas num mercado que prega o consumo consciente ao mesmo tempo em que promove o see now, buy now, pode haver equilíbrio? “Precisa haver”, enfatiza Chiara. “Dá para continuar poluindo rios e oceanos, desse jeito, matando o ecossistema local? Não é querer ou não querer, você vai ter que fazer.” Dois personagens se destacam nesse movimento: o consumidor, com seu poder de decisão sobre o que comprar, e o designer de moda, que precisa recuperar sua criatividade para perseguir a sustentabilidade.

De passagem por Curitiba, onde participou da inauguração do corner ecossustentável da multimarcas Namix, Chiara Gadaleta conversou com a Top View sobre os avanços da sustentabilidade na moda, as novas estéticas que esse movimento traz e o retorno do estilista como um criativo.

Você comentava que a “humanidade não está dando certo”. Mas nesses oito anos de projeto, o que você notou que deu certo?
Primeiro que a gente colocou o assunto em pauta, e hoje a sustentabilidade faz parte das pequenas, grandes e médias empresas nos mercados de moda, beleza e design. Há oito anos, não fazia. Os empresários não tinham o mínimo interesse em falar sobre questões sociais e ambientais. E hoje faz parte da agenda. Isso é um grande avanço. OK, é muito tempo, oito anos, para começar a conversar sobre o assunto. Mas é um processo. Aqui no Brasil a gente tem um imediatismo absoluto. Não é agora, nada é para agora. Há um tempo de maturação. A sustentabilidade é local, então o que se faz em Curitiba não se faz em São Paulo, no Nordeste – muito menos em Paris ou na Califórnia. Cases de sucesso fora do Brasil – o clima é diferente, a educação das pessoas é diferente, toda a parte social, cultural é diferente. Na sustentabilidade, a gente fala de quatro pilares: social, ambiental, cultural e econômico – isso é local.

Por que temos, ainda assim, tanta dificuldade de mudar? Mesmo o consumidor?
Primeiro porque é uma resposta que precisa ser construída através de uma força-tarefa de todos – poder público, privado, academia. Não é uma pessoa que vai responder. Não há uma cartilha para resolver o problema. Tem que se conectar. E essa conexão é em prol de relações humanas mais saudáveis, de uma cidade mais inclusiva… A gente está falando de outras esferas quando fala de meio ambiente, de sustentabilidade. A academia está educando pessoas, profissionais, então tem um papel fundamental nessa história. Costumo dizer que o consumidor tem a bola no pé porque ele vai escolher consumir ou não consumir uma peça. Ele não precisa dela. Já que a gente não precisa de mais uma camiseta, o ato de consumir é um ato político.

Colares da Tarantula, marca de Chiara Gadaleta, na Namix.
Colares da Tarantula, marca de Chiara Gadaleta, na Namix.

A própria indústria da moda pode tirar esse poder de decisão, de escolha do consumidor, à medida que ela determina tendências, induz ao consumo.
Eu tenho a coluna EcoEra há dois anos na Vogue, que é a marca mais poderosa do mercado editorial. No site uma vez por semana, na revista uma vez por mês, sem contar as redes sociais – é bastante impacto. Isso é um sinal. É muito confortável falar hoje sobre sustentabilidade.

Você comentou sobre quatro pilares da sustentabilidade. Pelo que observa, qual deles representa a maior dificuldade para os empresários brasileiros?
O pilar social – colaboradores, comércio justo, etc. – chama bastante atenção dos empresários. É fácil empresário e consumidor falarem “eu não quero sapato feito por uma criança na Bolívia”, porque tem um humano envolvido. No impacto ambiental, a dificuldade talvez seja medi-lo. O consumidor não consegue entender que o corante da calça ou a quantidade de água envolvida vai impactar. Não é palpável. E existe a parte cultural. Por que a gente promove peças ou marcas da Europa, Estados Unidos, se tem um Brasil enorme aqui? Não faz sentido nenhum. A parte cultural é importantíssima porque dá um pertencimento e faz com que você cuide. As pessoas não conhecem a cidade onde moram, então como vão conseguir preservar essa cidade? Isso se reverte em descaso ambiental e social também. E o business faz com que isso vire escala. Quando uma grande empresa começa a ter práticas conectadas de melhoria, isso tem grande impacto. E o projeto sustentável precisa ser lucrativo, senão vira uma ONG.

Designers apontam para a dificuldade de achar matéria-prima sustentável, implementar processos de menor impacto e outras dificuldades nessa cadeia. Isso está mais fácil hoje em dia?
Está mais fácil, mas no Brasil não vai ser fácil nunca. O estilista, hoje, vai ter que voltar a ser o que era em Paris, nos anos 1990, quando eu me formei no Studio Berçot. Naquela época, o estilista tinha que resolver uma questão. Infelizmente, essa virada do consumo e o made in China e Índia fizeram com que o profissional criativo do design perdesse muito espaço. Eu quero pagar R$ 0,30 e vender a R$ 3 mil. Para que um criativo? Não precisava. Agora, justamente, para ir atrás de material de baixo impacto, para encontrar alternativas para descartar adequadamente ou aproveitar, você vai ter que ser criativo. Vai ter que arregaçar as mangas. Porque nada é fácil, não é para ser fácil. É difícil mão de obra? É. É difícil ter algodão orgânico? É, a gente não tem a tecnologia. Pega tudo o que está descartado em brechós, Exército da Salvação e o caramba e faz coleções novas! Tem muita coisa para fazer. É muito divertido.

Você diria então que o perfil do designer de moda mudou, até no nível de ambição?O modelo de negócios está mudando. Provavelmente esses booms, esses ganhos absurdos dos anos 1980, 1990, 2000…. Hoje a gente trabalha em coletivos, com economia compartilhada. Tudo isso diminui a margem de lucro, só que potencializa outros lucros que não são moeda, mas são muito mais valiosos.

É possível projetar um próximo passo ou estágio para a sustentabilidade na moda, sendo que ela ainda está se acomodando no mercado?
Ela está se acomodando primeiro porque ficou na moda – ok, todo mundo está olhando para isso. Então, o que cada um vai fazer? Provavelmente cada marca, cada estilista vá se especializar em alguma coisa. O Alexandre [Herchcovitch], em À La Garçonne, customiza, porque o Fábio [Souza], marido dele, tem um brechó. A Reserva, que é um dos ganhadores do prêmio EcoEra do ano passado, começa a fazer muito projeto social. Agora a Damyller tem um maquinário que consegue não desperdiçar 80% da água. Estamos realmente moldando essa maneira de ser sustentável na moda no Brasil. Eu sinto muita falta de marcas que consigam integrar esses seis biomas, para conservá-los. Mas pouco a pouco tem projetos que usam uma palha dali, um tingimento daqui… Mas em pequeníssima escala.

A multimarcas Namix inaugurou um corner ecossustentável que surpreende pela variedade estética.
A multimarcas Namix inaugurou um corner ecossustentável que surpreende pela variedade estética.

A sustentabilidade na moda intriga porque parece um movimento contrário à essência dessa indústria, ao consumo desenfreado, tendências que mudam a cada semestre – menos, até, agora.
Mas é uma essência que veio do final dos anos 1990, não era assim.

Pode haver equilíbrio?
Não, precisa haver um equilíbrio. Dá para continuar poluindo rios e oceanos, desse jeito, matando o ecossistema local? Não é querer ou não querer, você vai ter que fazer. Por isso que eu acho que vai ser muito gostoso. Tem uma competição sustentável que vai ser deliciosa. A gente quer que as boas práticas sejam copiadas. A gente vai ver muita gente fazendo como o Alexandre [Herchcovitch]. Aí tem o EcoEra, tem o Alexandre, tem o prêmio – isso vai potencializando o mercado de economia de menor impacto, baseado em outros tipos de indicadores e práticas, não exclusivamente no lucro. Isso que mudou radicalmente. Ser 100% sustentável não existe. Até quando você morre você vai gerar impacto. Mas ter atributo sustentáveis, diminuir cada vez mais seu impacto negativo… Aí, sim. Criar uma pequena empresa, uma linha, uma marca do zero com atributos sustentáveis, é muito mais fácil do que de repente lidar com oito grupos, 40 mil colaboradores e fazer um planejamento para reduzir impacto. Nascer de forma sustentável já é meio caminho andado.

Esses conceitos, práticas e processos estão dando origem a uma estética?
É o que a gente espera. Se você pensar que ela é mais brasileira, mais natural – tudo isso instiga… Agora, imageticamente, a gente acabou de começar a falar sobre isso.

Eu pensava na durabilidade de design, por exemplo, que evita se ater a tendências buscando sobreviver às estações…
É um dos caminhos: a conexão com o trabalho artesanal e os biomas, a parte da qualidade superior de design atemporal é outra, tecidos de baixo impacto, reaproveitamento, reuso, upcycling, o feito a mão, o customizado… Aí entra o designer para resolver uma questão estética.

Qual diria que é o maior desafio que enfrentou nesses oito anos?
Eu tenho enfrentado hoje. Acho que é econômico mesmo, como você convence empresários de que precisa reservar um investimento substancial para que as práticas conectadas tenham um impacto mesmo.

E eles hesitam porque não veem um retorno…
Palpável e rápido. Mas está mudando. Eu procuro não ser otimista, porque acho essa palavra banal, mas o cenário é esse. Não são apenas ideias ou um projeto – está acontecendo. O mercado, a cadeia de valor inteira, que vai desde a produção de matéria-prima ao consumidor e descarte, eles estão reagindo a isso tudo. É quase como daqui a pouco o EcoEra nem precisar existir mais. Eu ficaria supercontente… Isso já está en route.

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