A viagem que (não) existe
Se uma pessoa visita um país que não existe, significa que ela também não existe? Não é o que diz o curitibano Guilherme Canever, viajante sênior que já conheceu aproximadamente 130 países.
A palavra “aproximadamente” é importante, pois muitos dos lugares pelos quais ele passou não são reconhecidos como “países de verdade”. Para a ONU, a Transnístria, a Ossétia do Sul, a Abecásia, a Somalilândia e a República de Nagorno-Karabakh são exemplos de lugares que não foram oficializados. Guilherme é autor de quatro livros, entre os quais a obra “Uma Viagem Pelos Países que Não Existem”. Apesar desse título e do que defende as Nações Unidas, o viajante jura que é de carne e osso e que cada um dos lugares que visitou estão lá, só que, muitas vezes, não são reconhecidos por questões geopolíticas.
Em entrevista à TOPVIEW, Guilherme relata suas viagens por 10 lugares transformados – e criados – pela História e pelos mais variados desdobramentos da política contemporânea. Leia na íntegra!
De onde vem a sua paixão por viagens?
Fui apresentado ao mundo das viagens quando era bem pequeno. Eu mal sabia falar e minha mãe já colocava eu e a minha irmã no carro para conhecer os lugares. Foi algo bem natural. Além disso, meu avô era geólogo e ele nos mostrava as expedições que fazia para a África. Sempre vi o mundo como um quintal de casa.
Como você começou a conhecer países que “não existem”?
Foi por acaso. Em uma viagem, eu atravessei a África por terra e descobri a região da Somalilândia, que fica na porção norte da Somália. Porém, lá tem bandeira, visto, exército, moeda, jornal… eu estava no lugar, vi as instituições funcionando… como dizer que esse lugar não existe? Fiquei fascinado.
Como foi a sua preparação para visitar esses locais?
Sempre que viajo, faço um estudo da situação geopolítica, mesmo não sabendo onde vou dormir quando chegar. Mas, para os países que “não existem”, eu precisei me planejar um pouco mais, justamente pela questão dos conflitos. O curioso é que, na maioria dos locais, não existiam guerras de fato, mas eu sabia que a situação poderia mudar em um piscar de olhos. É muito difícil saber as fronteiras, até onde você pode ir – literalmente.
Um lugar para o qual precisei me preparar foi a República da Abecásia, que fica entre a Geórgia e a Rússia. Ela fazia parte da Geórgia e venceu uma guerra de independência. Como a Geórgia não reconhece a Abecásia como país, se eu entrasse lá pela Rússia e saísse pela Geórgia, eu poderia ser preso, pois atravessaria uma “fronteira ilegal”. O mesmo acontece com a região de Nagorno-Karabakh, que fica entre o Azerbaijão e a Armênia – inclusive, estou listado como persona non grata no Azerbaijão por causa do meu livro.
Como você foi recebido pela população local?
Muitas vezes, por causa dos conflitos, as populações acabam ficando esquecidas. Mas eles têm uma vida normal, trabalham, levam os filhos à escola e tudo mais. Muita gente fica curiosa em ver um estrangeiro. Muitos lugares nem têm um roteiro turístico de massa. Na Somalilândia, só de eu andar na rua, uma multidão se reuniu para falar comigo! Como eles têm esse isolamento, até pela questão do passaporte não ser aceito em outros lugares, é a forma deles se relacionarem com o mundo. Eles tinham comigo a mesma curiosidade que eu tinha com eles.
Consegue contar uma história inusitada que você vivenciou viajando?
O maior perrengue que tive foi com a imigração – sobretudo porque muitos desses países não têm embaixada brasileira. Na Abecásia, havia uma grande placa na fronteira dizendo “Bem-vindo à República da Abecásia”. Eu estava impressionado, era algo totalmente diferente. Foi aí que decidi tirar uma foto, pedi para um amigo meu fazer o clique. Só que o pessoal da imigração percebeu. Como nos países que são da ex-União Soviética o inglês ajuda muito pouco, até explicarmos que eu era um turista, demorou [risos]. Só escutei um “stupid tourist” e tive as fotos apagadas.
*Matéria originalmente publicada na edição #263 da revista TOPVIEW.