Uma alquimista das palavras
Assionara Souza era escritora. Natural de Caicó-RN, adotou Curitiba para sobre ela escrever – apesar da própria cidade. Nossa conexão começa aí. É triste não contar mais com quem colocava Adorno e Madonna no mesmo conto. Devota de Osman Lins, Nara, como gostava de ser chamada, nos deixou em 2018, por conta de um câncer.
Ela, que estreou em 2005 com um livro de contos, mas já era da literatura faz tempo, começou a frequentar a minha escola em 2015 e foi ali que pude acompanhar de perto sua trajetória. E é importante dizer: lésbica, nordestina e ativista dos direitos LGBTI.
Lembro de, depois de já ter ouvido falar da melhor contista de Curitiba, topar com, em uma feira de livros na casa de amigos, um exemplar de Cecília Não é Um Cachimbo, seu primeiro livro de contos e também o título que dava nome ao seu blog. O livro estava entregue, não precisei pagar um real por ele, que, hoje, é uma das preciosidades da minha estante. Devorei na mesma noite, perguntando-me como é que ela fazia aquilo.
Levei os contos para a sala de aula, apresentei o livro a todos os alunos que não a conheciam e a todos os amigos de fora que me pediam indicações de escritores de Curitiba. Nos conhecemos em 2015, quando, depois de um café, ela comentou um texto meu de estreia em um periódico literário. Depois de elogiar meu café, me disse que não sabia se eu podia fazer aquilo – ela se referia ao personagem – em um texto. O incômodo que ela sentiu talvez tenha sido o melhor elogio que ela poderia ter me feito. Foi o primeiro comentário de uma escritora, pra mim, já consolidada.
Para a crítica, no entanto, faltou muito para ela colher, em vida, as flores do seu trabalho. Palestras sobre narrativas breves, conversas sobre autoria feminina, bate-papos literários. Foram muitas as oportunidades em que, profissionalmente, falamos sobre literatura e adjacências – até ela me contar sobre o câncer que a acometia.
Em 2017, lançamos livros juntas, eu assinando o prefácio de Alquimista na Chuva e ela, generosamente, pedindo um autógrafo para o seu exemplar. Depois disso, pouco falamos. Ela disse que logo voltava, mas se afastou dos holofotes off-line. Produzia poemas como nunca no Facebook, no Instagram. Com muito pouco, mudou minha prosa pra sempre. Em maio de 2018, acordei com uma mensagem da Luci que todos esperávamos. Sua narrativa terminou ali, mais breve do que gostaríamos. Nos deixou Cecílias, personagens de circo e a mais poderosa das alquimias.