Saudosa gasosa
Doce na Confeitaria das Famílias ou pastel da feira, não importa. A bebida era Wimi, na garrafinha de vidro marrom. Depois de um dia de brincadeiras, piás e gurias compartilhavam no balcão da venda do bairro aquela gasosa dentro de uma garrafa que parecia a de cerveja. A galerinha às vezes fazia de conta que era adulta, apesar da língua manchada com a cor do gasosão vermelho Cini Framboesa.
Essas eram cenas comuns em Curitiba até o final dos anos 1980. O tempo passou e as grandes marcas multinacionais de refrigerantes tomaram conta desses momentos feitos à base da gasosa local Cini, marca que hoje tem 111 anos – o que a faz mais antiga que a chegada da Coca-Cola no Brasil!
Gengibirra, Wimi, gasosa de framboesa, limão, laranja ou de abacaxi foram dando lugar às colas e guaranás do mainstream. Nos anos 90, a saudosa gasosa ainda aparecia em festinhas de empresa em garrafonas PET e na mesa das famílias, mas o encanto havia se perdido. Sem a fidelização característica das garrafas de vidro retornáveis e a invasão das multinacionais, a Cini entrou numa crise de quase uma década e por pouco não foi esquecida.
Foi um imigrante italiano, Egízio Cini (um dos fundadores no século 19 da anarquista Colônia Cecília, perto de Palmeira, há 80km de Curitiba) que começou a história da marca. Junto com o amigo Carlos Chelli, o italiano iniciou em 1904 a fabricação artesanal de cerveja e de água com gás. Mais tarde, o filho de Egízio, Hugo, traria as gasosas com sabor (algumas feitas com receitas que perduram até hoje) que cruzariam o século para se tornar um ícone curitibano nas mãos das gerações seguintes de uma mesma família.
Quando as onipresentes multinacionais começaram a desmanchar os laços da Cini com seus consumidores, a fatia de mercado da marca de refris familiar já chegara a 25% em Curitiba e região (hoje é perto de 10%) e foi encolhendo. Os Cini, que ao longo das gerações foram sendo treinados para a liderança industrial, até trouxeram consultores externos para a gestão, mas a tentativa não teve sucesso e lá se foram passando até 30 anos sem investimentos em marketing e mídia.
O RESGATE
Mas o mundo dá voltas e em tempos em que muita gente torce o nariz para o que é extremamente industrializado e globalizado, os donos do refrigerante da infância curitibana perceberam que a salvação estava bem embaixo dos seus narizes: era aquela relação emocional com o público local e o estilo artesanal de fazer bebida – forjados em simplicidades como as receitinhas ainda seguidas de Hugo e gengibre vindo há décadas ali de Morretes.
Com as fórmulas da família em mãos – e mais R$ 5 milhões –, os irmãos Cini reentraram no mercado devidamente armados. Trouxeram dois executivos vindos de, quem diria, multinacionais (Rodrigo Marcon, ex-Volvo e Costão do Santinho, como novo diretor executivo; e Henrique Domenico, ex-Coca-Cola Femsa, como gerente de marketing e vendas) e uma agência curitibana (só curitibanos poderiam entender essa história) com a missão de resgatar um relacionamento enfraquecido.
A mãe revelando à filha pequena o conteúdo de sua caixinha de memórias, entre elas uma garrafa de vidro de Cini, marcou a volta da gasosa curitibana na mídia. “Conectar gerações é a ordem agora”, explica Domenico, ao comentar a campanha assinada este ano pela agência Bronx. Se para os mais velhos a relação emocional com a Cini é o que toca, para os mais novos ela, a gasosa, tem que estar na mão na hora certa.
E quanto mais descolada, melhor. Então surgiu a latinha, a porção única. E com ela as vending machines, inéditas. “Isso é criar novas ocasiões para beber Cini”, diz Domenico, visando colocar a porção individual na mão da nova geração, indo além das garrafonas na festinha de criança, na festança da empresa, no almoço da família… No dia da inauguração das vending machines nos shoppings Estação e Curitiba, latinhas Cini circulavam em mãos pelos corredores, apareciam nas mesas da praça de alimentação. Era o cenário que os executivos da marca queriam.
Gerações estavam se conectando por meio da bebida e a Cini reentrava no mercado definitivamente. Movimento que se espera ver confirmado com a chegada do energético Volts! Quem diria… a fabriqueta do italiano quase anarquista produzindo energético, uma das bebidas mais emblemáticas do mundo atual.
DESAFIOS
Em 2006, a Cini se mudou para uma nova fábrica em São José dos Pinhais com capacidade para aceitar um crescimento esperado, inclusive mantendo máquinas e espaço para continuar engarrafando os atuais 5% da produção em vidro.
“Isso foi um acerto da família, que tem bastante experiência e, apesar de não estar no dia a dia da fábrica, mantém-se no conselho e participa ativamente de reuniões semanais”, diz Marcon. A garrafa de vidro pode não ser mais a principal embalagem, mas possibilita e sofistica a presença da Cini em restaurantes – onde, aliás, ela nunca esteve presente.
No dia da visita da TOP VIEW à Cini, a fábrica estava agitada. Lá dentro se reuniam pequenos empresários de refrigerante para a assembleia estadual da Afebras – Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil.
A portas fechadas, debatiam os atuais desafios do setor, entre os quais a questão da justiça concorrencial, que toca no recolhimento de impostos de acordo com a capacidade produtiva das fábricas de refrigerantes – o que hoje não acontece.
A crise econômica também aparece como um complicador para produtores regionais como a Cini, uma vez que só nos últimos doze meses os custos em energia se elevaram em 126% e em água subiram 60%, segundo Marcon.
Agora, outro dos desafios da marca, além dos impostos e dos altos custos, é manter a ligação afetiva com o público, que está sendo recuperada, e o crescimento de 22% observado com relação ao ano anterior – considerando o início da nova gestão em julho. E se hoje são 19 mil pontos de venda de Cini em Curitiba e região, Marcon não se intimida e diz que vai elevar esse número em 50%.
São metas ambiciosas em tempos de crise. Metas que se erguem sobre carisma, uma lista de sabores exclusivos, novas embalagens, um energético e uma série de bebidas não carbonatadas (sucos, chás e água) para conquistar até quem não bebe refri.
Volume de produção
6 milhões de litros/mês. De 5 a 10% são bebidas não carbonatadas.
Crescimento em relação ao ano anterior: 22%.
Market Share em Curitiba e Região Metropolitana: 9,8%.
Passado e presente: as famosas garrafas de vidro deram lugar ao PET, mas continuam a ser produzidas.
Rodrigo Marcon, novo CEO que
trouxe as latinhas, entre os irmãos Cini: Nilo Junior, Maria Elisa, Vera Lúcia e Orlando Junior, que continuam
a participar do destino da marca.
Pontos de venda
no Paraná: 19 mil, com expectativa
de aumento
de 50%.
Faturamento:
R$ 60
milhões/ano.
Linha do tempo
1904 – Egízio Cini e Carlos Chelli, da Colônia Cecília, começam a fabricar artesanalmente cerveja, bebidas tipo Fernet e água gaseificada. Em seguida fundou a cervejaria Esperança.
1928 – A fábrica Hugo Cini e Cia. se instala em Curitiba e em seguida começa a fabricação de refrigerante. Hugo era filho de Egízio.
1939 – Começa a Segunda Guerra Mundial e a Cini para de fabricar cerveja devido ao alto custo dos ingredientes.
1941 – A Coca-Cola chega ao Brasil.
1945 – A Cini é transformada em Hugo Cini e Filhos Ltda.
1953 – A Pepsi-Cola chega ao Brasil.
1963 – A Cini é transformada em Hugo Cini S.A. – Indústria de Bebidas e Conexos.
1965 – A Cini para de produzir o refrigerante Colinha devido à grande concorrência com a Coca-Cola.
1968 – A Wimi é comprada pela Cini.
1970 – Começa a grande modernização do parque fabril da Cini. Falece Hugo Cini, conhecido como empresário inovador. Seu filho, Orlando, assume a liderança.
1988 – A Cini começa o engarrafamento em PET.
1996 – A fábrica da Cini é transferida para Pinhais. A Cini muda-se para o novo parque fabril de 10 mil m² em São José dos Pinhais.
2003 – Falece Orlando Cini, neto de Egízio.
2014 – A Cini volta a engarrafar parte da produção em vidro retornável.
2015 – Começa o reposicionamento da marca Cini com nova gestão.