ESTILO

Rosane, chef vencedora, fez história com o Pão no Bafo

A chef assumiu o comando do restaurante da família quando seu pai, o fundador, faleceu há 20 anos

Quem passa pela BR-277, preocupado em chegar logo ao seu destino ou em não ser pego por nenhum radar, pode nem reparar em uma construção amarela que fica na altura do quilômetro 168,4, já perto da cidade de Palmeira, a cerca de uma hora de Curitiba. A fachada do Restaurante Girassol pode ser discreta, mas o trabalho da chef que comanda o local não tem nada de modesto.

Por ali circulam cerca de mil pessoas por dia e, por ser literalmente na beira da estrada, o local funciona das 6 às 23 horas (aos domingos, a partir das 8 horas) servindo cafés, lanches e refeições principalmente a viajantes. Muitos dos produtos do empório, como pães e geleias, são produzidos ali. O empreendimento fecha só no Natal, no Ano Novo e na Sexta-feira Santa.

Rosane Radecki, hoje com 45 anos, já ajudava, mas assumiu o comando do restaurante da família (fundado em 1982) quando seu pai, um dos fundadores ao lado da mãe e do avô, faleceu, cerca de 20 anos atrás. Começou tocando a parte administrativa enquanto a mãe, Gabriela, cozinhava.

Fez um curso de pós-graduação em gestão e, em 1998, decidiu que era hora de profissionalizar seu gosto pelas panelas e fez um curso de chef no Centro Europeu. Formada em Educação Física, Rosane admite que o casamento (já desfeito) é que a fez gostar de cozinhar. “Cozinhava para filho e marido; meu sogro era libanês e era muito ligado em culinária”, conta.

Com o conhecimento formal e a intuição de quem cresceu dentro de um restaurante – desde os 3 anos de idade seus pais já tinham negócio na área – Rosane mexeu um pouco no cardápio do Girassol. A polenta na chapa e as carnes sempre foram os carros-chefes da casa, mas aos poucos ela acrescentou mais opções de salada, polenta com ragú de linguiça com queijo de Palmeira, alguns lanches diferentes.

“Aqui a comida é caseira, as pessoas estão muito acostumadas, por isso a gente não muda muito”, explica a chef. Para trabalhar com um cardápio um pouco mais ousado, há quatro anos Rosane abriu o Alecrim, que fica na cidade de Palmeira. O restaurante, que trabalha com o sistema de quilo, tem o cardápio desenvolvido semanalmente, a partir de itens frescos que os produtores locais avisam que terão disponíveis. Somando as duas casas, Rosane emprega 62 funcionários, a maioria gente da cidade. E dois haitianos.

O resgate do passado

Há três anos, Rosane foi convidada a dar uma aula de culinária no litoral, dentro do projeto Gastronomia Paraná. Desenvolvido pela Paraná Turismo, a ideia do projeto é ajudar na formação de novos chefs e divulgar o trabalho dos chefs paranaenses, com foco também no uso de produtos locais. Desafiada a apresentar um prato significativo de Palmeira, Rosane se recordou do Pão no Bafo.

“Lembrava que era uma coisa diferente, que eu comia quando era criança na casa de amigos descendentes de alemães e eu nunca mais vi”, lembra. Pesquisou a receita e a apresentou. Logo depois, foi convidada pelo chef Celso Freire a servir o prato em um Gastronomix. E o apresentou em outros eventos de Curitiba e até em Fortaleza. Este ano, vai com ele a um evento em São Paulo. A visibilidade que o prato ganhou fez com que ele se tornasse patrimônio imaterial da cidade em 2015. “Para o turismo, é importante que a gastronomia seja forte”, resume.

Ao se tornar de fato a embaixadora gastronômica de Palmeira com o resgate do Pão no Bafo, Rosane passou a conhecer muita gente. Ela, que já fazia questão de comprar produtos locais e orgânicos, percebeu que podia ajudar a incentivar a agricultura familiar, como opção ao cultivo de fumo, muito comum na região.

O porco, usado como carne no famoso prato, mereceu o resgate de uma raça que é criada solta. “Esse projeto deu a primeira leva agora e em longo prazo vai transformar a cidade, com mais pessoas produzindo”, explica. Rosane admite que seu trabalho passou a ter uma função social e econômica. “A responsabilidade aumentou muito nos últimos anos, os pequenos produtores passaram a ter uma dependência”, reconhece. E para ajudar a dar vazão ao que é produzido na cidade, passou a apresentar os produtores a chefs amigos, como Gabriela Carvalho, do Quintana, Rodrigo Martins e Lênin Palhano, do Nomade – que escolheu Rosane como a melhor chef do ano, assim como fez a chef Joy Perine.

Mudar sem sair do lugar

O Pão no Bafo mudou a rotina de Rosane, que agora viaja muito em função de eventos de gastronomia. “Foi tudo acontecendo, não foi nada programado”, admite a chef. Apesar de os limites de sua gastronomia terem extrapolado a cidade, Rosane é enfática ao afirmar que seu foco sempre vai ser Palmeira. “Meus olhos  sempre vão estar para o meu município, para o desenvolvimento daqui”, afirma a curitibana de nascença (mas que foi ainda muito pequena para a atual cidade). Sua vontade é que as pessoas saiam dos grandes centros para provar os sabores do interior. “E para a população do interior, é importante saber que podem ter algo de qualidade, com identidade”, acredita.

O Pão no Bafo é hoje servido por mais dois restaurantes de Palmeira, além do Girassol. “Mas se queremos criar uma identidade da cidade, mais gente tem que servir”, reforça Rosane. Ela cita o caso de Morretes, em que quase todos os restaurantes servem barreado. Alguém duvida que ela não vai conseguir fazer isso em sua cidade do coração?

*Matéria publicada originalmente na edição 189 da revista TOPVIEW. 

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