Reflexos da Quarta Revolução Industrial
Durante uma visita à Universidade do Texas, nos Estados Unidos, o professor de Engenharia Mecatrônica e Engenharia de Controle e Automação Ricardo Alexandre Diogo quis mostrar a um colega como funcionam as tecnologias que ensina aos alunos. Para exemplificar, deu um comando de voz simples ao celular: “Ei, Google! Tocar mix de músicas no YouTube da TV.” Seu aparelho, em sua casa em Curitiba, começou a tocar. “Alguns instantes depois, minha esposa me enviou uma mensagem dizendo: ‘pare de conversar com a casa! Eu estava escutando as minhas músicas, agora começaram as suas'”, relembra Ricardo.
Isso porque ele automatizou diversos processos em sua residência, que agora “responde” de qualquer lugar do mundo. Esse processo é conhecido como “Internet das Coisas” (“IoT”, do inglês Internet of Things), que se caracteriza pela conexão de dispositivos à rede mundial de computadores para integrar os sistemas e comandá-los a distância, por meio de smartphones ou computadores. Os itens que podem ser conectados vão de eletrodomésticos e meios de transporte a portas e interruptores.
“Cada ação que você faz de maneira manual pode ser substituída por um processo automatizado, sem intervenção humana”, resume José Roberto Muratori, diretor executivo da Associação Brasileira de Automação Residencial. Essa tecnologia pretende facilitar o cotidiano ao automatizar funções recorrentes, como ligar a TV, abrir o portão, acender as luzes, entre outras.
A expectativa é que o mercado de IoT cresça 4,8% em 2020 no país. É o que sugere a International Data
Corporation (IDC) Brasil. Outro estudo, do McKinsey Global Institute, apoiado pelo BNDES, indica que os impactos do desenvolvimento de aplicações de IoT no Brasil podem chegar a US$ 132 bilhões, considerando as quatro áreas com maior potencial: cidades, saúde, rural e indústria.
No ano passado, o governo federal instituiu o Plano Nacional de Internet das Coisas, com o objetivo de regular e incentivar o setor. Ainda assim, o índice de casas automatizadas por aqui é baixo, se comparado ao de países como os Estados Unidos. “As pessoas ainda acham que é futurista, que é o neto que vai usar a tecnologia”, analisa Muratori. “O último ano foi bastante vibrante. Acreditamos que, em quatro, cinco anos, estaremos no nível de países mais desenvolvidos.”
Ainda, com o auxílio da inteligência artificial, a casa pode ir além. Ao fornecer dados constantes de rotina e preferências, os dispositivos começam a entender os hábitos dos moradores e podem escolher a iluminação, selecionar músicas ou até sugerir um programa de TV.
+ comando de voz, – touch
A pandemia pode colaborar com essa expectativa. Na contramão das tendências touch que vivíamos, o comando de voz é uma opção para evitar o contato com superfícies que podem estar contaminadas. “A maior parte das tecnologias de que falamos agora já estava disponível, mas o pessoal começou a perceber que é possível usá-las. Elas já existiam, mas agora estão sendo justificadas [por conta da disseminação do vírus]. Isso potencializa, com projetos adicionais”, analisa Muratori.
É o que buscou a farmacêutica Rossana Calegari dos Santos. Para ela, a grande vantagem da automação está em facilitar a desinfecção dos ambientes. “Sou muito cuidadosa com a higienização. Isso [a automação] tem ajudado bastante a evitar contaminações por meio de superfícies, como maçanetas de portas, equipamentos da casa e controles do portão”, pontua. “Não contamino nada ao retirar o lixo, cozinhar ou receber encomendas em casa.” Há vantagens, também, para pessoas idosas. “Aquelas que não têm um acompanhante, agora, podem usar comando de voz, que é mais fácil de utilizar do que um celular ou algum outro dispositivo”, aponta Muratori. Empresas como o Google tentam diminuir cada vez mais a complexidade da instalação dos dispositivos para popularizar o movimento das casas inteligentes.
Essas soluções tecnológicas de automação e trocas de dados fazem parte do que é conhecido como Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial. O futurista Will Hara vê isso como uma tendência não apenas para as casas, mas para outras construções. “Dois cenários futuros da construção civil são as smartcities e os smart places. Teremos um forte híbrido com automação dos espaços coletivos e comuns e assistente virtual para diminuir a nossa interação de toque com as interfaces. Então, elevador, no futuro desejável, terá assistente virtual, para que eu possa chamar o andar ao invés de apertar o botão”, acredita.
A segurança dos dados
O que não se pode esquecer quando falamos em casas inteligentes é da Computação Ubíqua. O termo designa a onipresença da informática no cotidiano das pessoas. “Os dispositivos inteligentes trabalham para a gente sem percebermos. A tecnologia está ali para termos melhor qualidade de vida – mas isso vai gerar dados que vão para a nuvem e que serão utilizados pelos players para vender outros produtos”, explica Ricardo Alexandre Diogo.
Entra em cena a importância da cibersegurança e de políticas de privacidade. Para Diogo, é preciso acreditar nos contratos com cada empresa – Google, Amazon, Apple –, mas também investir em uma rede segura. “É necessário ter uma infraestrutura de rede que seja segura, mas também uma mentalidade de segurança e comportamento seguro quando você está utilizando esses equipamentos”, pondera. “[Indico] evitar clicar naqueles links que recebemos por e-mail ou por WhatsApp, não ser muito curioso e não agir por impulso.”
“(…) elevador, no futuro desejável, terá assistente virtual, para que eu possa chamar o andar ao invés de apertar o botão.” – William Hara
*Matéria originalmente publicada na edição #238 da revista TOPVIEW.