Projeto inédito: Eduardo Borges finaliza releitura dos corredores de um prédio de 1943
Foi no número 413 da Rua Comendador Araújo que o designer de interiores Eduardo Borges, prestes a conquistar também seu diploma de arquiteto, desenvolveu mais um notável projeto de releitura de seu portfólio, o Apartamento 23. Agora, dois anos mais tarde, o prédio no qual está o imóvel, datado de 1943 e no coração de uma das ruas mais privilegiadas de Curitiba, a Rua Comendador Araújo, ganha a releitura de Eduardo em sua área comum. O projeto, chamado Corredores, mais uma vez parte da ideia de interpretar algo que já existe, acrescentando algo novo e original, e ganha a exclusividade de uma assinatura (o design assinado e ímpar em todos os detalhes é a marca do trabalho de Eduardo).
“Na arquitetura, costumo dizer que a releitura é a prima da reforma e a irmã do restauro”, coloca Eduardo. Assim como em uma reforma simplificada, esse processo também visa adequar o espaço às tecnologias e comodidades do momento atual. Contudo, sempre trazendo uma preocupação com a identidade arquitetônica ali expressa. “Na releitura a preservação das linhas da arquitetura original é uma regra. O processo requer um estudo aprofundado do histórico da construção, aliado a uma boa dose de poesia”, continua o designer.
O projeto
O projeto de releitura dos corredores do prédio nasceu da necessidade de uma adequação técnica de todo o sistema elétrico do edifício, original dos anos 1940. Também foi identificada a necessidade de modernização do sistema de interfones instalado nos anos 1970, além da instalação de um sistema de segurança e da implantação de uma grade frontal para a criação de um pequeno hall de entrada externo. A partir daí foi desenvolvido o projeto de releitura de toda a área comum do edifício (corredores, patamares e hall interno), evidenciando os traços arquitetônicos originais, que apresentavam influência art déco.
Um novo olhar para velhos problemas
Para acomodar o novo sistema elétrico foi necessária a criação de um shaft por onde sobem os dutos individualizados para o novo sistema elétrico. Após a análise do edifício constatou-se que, por ter tipologia construtiva em alvenaria estrutural, seriam permitidas poucas mudanças e aberturas. Portanto, optou-se pela localização do shaft na porção central das janelas dos patamares, uma vez que a laje do piso nessa porção da escada se encontrava recuada cerca de 30 centímetros. Assim, foi criado um espaço para a passagem dos cabos até o vão do telhado, onde seriam distribuídos para os apartamentos.
No shaft foi alocada ainda a nova tubulação de interfones e cabos para mídia, que também seguiram até o vão do telhado para posterior distribuição. “Esse tipo de organização permitiu ao edifício uma maior comodidade e segurança no manuseio dos sistemas. Com a criação de uma área técnica superior, localizada no vão do telhado, com dutos separados e hierarquia de cores pela função, os sistemas se encontram hoje compatíveis com os edifícios mais modernos da cidade”, explica Eduardo.
Soluções individualizadas
Durante a obra para instalação dos novos sistemas, percebeu-se que alguns itens originais do edifício se encontravam desgastados. Sua reposição ou substituição foram cuidadosamente estudadas. Para reposição das esquadrias das janelas, por exemplo, foi desenhado um novo modelo, com abertura das bandeiras em vidro em sistema pivotante, aumentando a área de entrada de ar e auxiliando na manutenção.
Enfim, a releitura
Um novo olhar sobre o que fazer e como fazer. Assim é possível começar a definir o que representou a realização do projeto Corredores. “O processo de restauro (ou releitura) de um espaço que se impõe há décadas, por sua própria personalidade já representa um grande desafio. Junta-se a isso o fato de o projeto ter sido elaborado e executado com os apartamentos ocupados, em um momento de pandemia e isolamento social que assolou o mundo em todos os sentidos no ano de 2020”, comenta o designer.
Os corredores
“Corredores são espaços de ligação entre ambientes. Mas, nesse projeto, o sentido de ligação é ampliado pela necessidade de harmonizar demandas por mais conforto, segurança e comodidade, em um espaço com identidade consolidada há décadas”, avalia Eduardo. A ligação entre passado e presente, segundo ele, se dá de forma harmônica, com elementos de ontem e de hoje se acomodando de forma respeitosa e funcional. Como vias de saídas e de chegadas, corredores representam uma área nas quais as relações sociais têm seu lugar de fala, especialmente, quando não se pode ir além deles. “De meros espectadores passam a ser o palco de outras histórias”, analisa o designer.
No edifício do projeto, toda a área dos corredores possui, na porção inferior de suas paredes, uma espécie de relevo que foi feito em forma de carimbo pressionado sobre a massa ainda mole. Por toda a área comum, corredores e patamares, quadro a quadro foram se juntando formando pequenos mosaicos de textura. É a personificação, em pedra, da sofisticação que os italianos gostam de chamar “fatto a mano”.
O resgate da história, por meio da pesquisa realizada de como havia sido feito o piso original de granilha, confirmou o caráter nobre do desenho destes corredores. Como naquele tempo não havia, no Brasil, as atuais máquinas que lixam e aplainam a granilha bruta, o processo era executado à mão. Assim foi feito, em 1943, metros e metros de granilha polida à mão – um processo que trouxe a nobreza de suavizar o caminho alheio. “São essas obras de arte produzidas, literalmente, pelas mãos de artesãos de outros tempos, que guardam as histórias mais incríveis que esse edifício tem para nos contar”, diz Eduardo.
As portas sociais ganharam um restauro que deixou exposta a madeira original (imbuia). Para as entradas de serviço, a opção foi a manutenção do branco. A instalação de um sistema novo de iluminação em toda área comum, com funcionamento hibrido (sensores e teclas) possibilitou, além do efeito luminotécnico, uma maior economia no uso de energia elétrica. Outro ponto relevante observado foi em relação à porção inferior das paredes que apresentam uma textura original. Pesquisas criteriosas identificaram que o método usado para realização do relevo foi um trabalho artesanal de valor inestimável.
“Corredores guardam histórias de generosidade durante tempos difíceis. É um pedaço de bolo trazido com um sorriso. A solidariedade que chega com o aroma de uma sopa quentinha, emolduradas pelas vistas de imbuia maciça. As conversas aconteciam em um tempo diferente e com uma essência diferenciada. Era um tempo de cuidado, uns com os outros e com o próprio espaço. Este, por sua vez, retribuiu o respeito com o qual estava sendo tratado, se revelando, de novo, belo, elegante e cheio de personalidade para abrigar novas vivências. São essas histórias que escolhemos ouvir e emoldurar nessa releitura”, finaliza Eduardo.