ESTILO

Orlando Azevedo apresenta a divercidade e diversidade

Marcos Bertoldi convida o fotógrafo Orlando Azevedo para falar de seu novo livro

No seu mais recente livro, Mestiço — Retrato do Brasil, o fotógrafo Orlando Azevedo nos coloca diante de mil espelhos de nós mesmos, apontando suas lentes para a nossa heterogênea existência de origens, tão diversas quanto planetárias. Um livro com belíssimas imagens, rigorosamente selecionadas ao longo de uma vida, em perfeita associação com esta edição, dedicada à diversidade. Boa leitura!

Orlando Azevedo apresenta a divercidade e diversidade 

O destino me trouxe a Curitiba, que tem sido meu casulo de tecer sonhos e realizações. Jamais poderia imaginar isso quando meu pai veio em uma missão especial da FAO (ONU) para a implantação da primeira escola e curso superior de florestas para um período de quatro anos. Uma vida e missão regidas pela vocação. Uma cidade tão diversa e múltipla onde emigrantes europeus chegaram em busca de novos horizontes e possibilidades. Curitiba de seus parques e praças, memoriais das etnias onde o Bosque de Portugal é, sem dúvida, o mais distante e confinado em sua origem e saga.

Acabo de lançar agora, no MON, meu décimo-quarto livro de uma carreira dedicada à criação: Mestiço-Retrato do Brasil. São 340 retratos em preto e branco de brasileiros anônimos. Terra de Vera Cruz, distante paraíso banhado de verde e águas cristalinas onde habitavam centenas de tribos indígenas em plena comunhão com a natureza e que veio a ser chamado de Brasil. Terra Brasilis. Pedro Álvares Cabral e a pedra fundamental entre zarabatanas e grilhões. Com a chegada evasiva e invasiva do intrépido navegador lusitano branco, movido pela conquista e pelo poder de valia, vem a língua portuguesa. Essa língua América Latina.

Essa América-chacina sob o manto da sina e da religião. Reduções jesuítas, batinas e botinas bandeirantes botando pra quebrar e mandar. As ordenações. As sesmarias de Ave Maria. Plantar e erguer uma cruz esculpida em sabres, dor e sangue. As grandes revelações. Que mistura mais doida e maluca a do mameluco.

O encontro genético dos corpos em gênese. Após a chegada dos escravos afro, de um vigor, uma sensualidade, uma beleza e uma energia invulgar, novas relações se estabelecem do encontro dos corpos e do desejo. Em 1999, iniciei e idealizei o projeto Expedição Coração do Brasil, quando vim a percorrer 90 mil quilômetros em um jipe 4×4 todo o território brasileiro, do Chuí ao Oiapoque. Três temas integravam meu roteiro de interesses: “Homem”, “Terra” e “Mito”. Patrimônio humano e natural.

Desse modo, “Coração do Brasil” sempre teve como intuito revelar o outro, o Brasil oculto e à margem. Dar voz ao grito contido. Mestiço – Retrato do Brasil é o resultado dessa interminável peregrinação ao pulsar desse intenso e imenso coração, no qual o ser humano se funde em veias e veios. Totalmente em preto e branco, são 340 retratos de brasileiros anônimos cuja grandeza e beleza estão na sua mestiçagem, unidos pela grande diáspora da língua portuguesa. O brasileiro é, por natureza, terno e visceral, mesmo na contradição de sua ilegítima desigualdade. Curitiba tem em seu pulsar essa diversidade. Divercidade. O grande encontro com o outro em um espelho de profundos reflexos e reflexões. Síntese do corpo e da alma do Brasil. Brasil brasileiro. 

*Coluna originalmente publicada na edição 231 da revista TOPVIEW.

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