ESTILO

O obstáculo do retrocesso

Confira a segunda parte da matéria principal publicada na edição #246 da revista

Traduzir a banda curitibana Tuyo não é uma tarefa fácil, já que ela é muito plural para ser minimizada em meia dúzia de palavras. O som folk futurista do trio curitibano formado pelas irmãs Lio e Lay Soares e Jean Machado é uma fusão entre o orgânico e o eletrônico, com letras que trazem à tona vivências e reflexões sobre a louca jornada de viver, provando que a arte é uma consequência da existência e parte da rotina.

O EP de estreia da banda, Pra Doer (2017), usa justamente a dor como elo entre as suas quatro canções, o que consolidou o trio e preparou o público para o primeiro álbum, intitulado Pra Curar, que chegou em 2018 e manteve a continuidade narrativa de uma forma mais sólida, trazendo reflexões sobre autoconhecimento, consciência e proteção. A banda é regida pelos sentimentos – e isso ficou ainda mais claro após a conversa que a TOPVIEW teve com eles. Confira:

O que é a Tuyo como expressão artística?
Lio: A Tuyo enquanto expressão artística é aquele momento em que soltamos o choro da garganta! Sabe quando você está no ônibus e quer chorar, mas não pode, aí chega em casa e desaba? Tuyo é um “desabamento” enquanto expressão artística.

Quais são as suas maiores inspirações na hora de criar?
Lio: A nossa própria vida, as coisas que vamos vivendo no dia a dia. Acorda, dorme, interage, briga e “desbriga”, lembra e esquece, etc. Acho que, enquanto artistas, nós olhamos muito para os nossos contemporâneos, como o BK, a Tássia Reis e a Iza, por exemplo. Mas a gente também olha para o nosso passado, como Milton Nascimento, Martinho da Vila e para o pessoal do Originais do Samba. São muitas as coisas que nos atingem. Se fôssemos artistas solo, já ia ser um “catatau”, imagina três. Então, acho que essas questões das influências passam por muitos lugares, mas, hoje, as mais latentes são essas contemporâneas.

A arte é algo supérfluo?
Machado: Eu acho que a arte é a consequência ou o diagnóstico de todos os movimentos que acontecem na sociedade. É também subjugada porque não se assume que ela é a primeira – ou a mais importante – arma para se manter o controle sob um grupo. A gente aprende na escola que a música, antigamente, era ferramenta para levantar o moral de uma população pós-guerra, consequência de um movimento – quando não há mais palavras, a arte denuncia, entrega, resolve.

“Do lado de fora você vê meus olhos, meu nariz, minha boca e minha pele. E, do lado de dentro, tudo o que há aqui foi constituído e formado pela arte.” – Lio Soares

Como é ser artista no Brasil?
Lio: É paradoxal. Ao mesmo tempo em que somos muito livres para dizer o que pensamos, o que queremos, onde e quando queremos, não se compreende a arte como trabalho, como organização, como qualquer outra atividade. Estamos, ainda, discutindo se arte é ou não é importante. Mas notamos alguns avanços muito legais com a chegada desse novo jeito de colocar sua arte para rodar o mundo. A internet está aí para também horizontalizar esses acessos e popularizar a arte enquanto trabalho e atividade vital para o funcionamento da sociedade.

O que a arte representa para vocês?
Lio: O que tem dentro da carcaça de cada um é muito determinado pelo quão sensível a pessoa é. E sensibilidade a gente provoca e estimula com arte. Do lado de fora, você vê meus olhos, meu nariz, minha boca e minha pele. E, do lado de dentro, tudo o que há aqui foi constituído e formado pela arte. Em todo ser aí sobre a terra.

Como vocês conseguiram extrapolar os limites e conquistar espaço no cenário nacional?
Lio: A única certeza é a ausência de fórmulas para que isso aconteça. Acesso à internet, vontade de entender como funciona a profissão do músico, muitos amigos e sorte. A gente imagina que todo artista aqui de Curitiba e em outros lugares tem a vontade de atravessar as paredes da própria casa e chegar a todos os lugares possíveis. Queremos nos comunicar, trocar, sentir junto com o outro.

(Foto: divulgação)

Como vocês acham que o trabalho de vocês impacta a sociedade?
Lio: Toda pessoa, quando se depara com uma obra artística, seja um filme, uma música ou um quadro, está se deparando com ela mesma. Tudo o que ela observar naquela obra criada por um artista será feito a partir do que ela entende do mundo. Então, eu acredito que o nosso trabalho causa impacto na sociedade provocando as pessoas a fazer isso que a gente faz de menos, que é se observar, prestar atenção em si mesmo, no que o seu corpo lhe diz. Sem Mentir foi lançada no meio do ano passado, mas foi escrita antes de nós sequer sonharmos com o apocalipse que estamos vivendo. Aí foi interessante observar as associações, as pessoas usando a música como amuleto para não se sentirem sozinhas, para não desistirem dos seus processos. É a coisa mais bonita sobre o que a gente faz: o que as pessoas fazem com o que a gente entrega para elas.

Como está sendo esse momento de isolamento para vocês? Isso reflete no processo criativo?
Lio: Está sendo doloroso e complicado – e não só para nós. Então, a interferência é inevitável. A nossa maneira de criar os processos de um disco está sofrendo modificações toda semana. Um bom exemplo é o de lançarmos partes de um disco preparando o nosso público para receber a pancada do que vem por aí. Ano passado, lançamos Sem Mentir e, logo em seguida, Sonho da Lay, dando alguns spoilers para segurar a nossa ansiedade e a dos que acompanham a Tuyo também nessa jornada rumo ao segundo disco. O trabalho está para chegar ainda neste primeiro semestre. É engraçado pensar que ele nasceu antes de existir uma quarentena – e, de alguma forma, a gente consegue se comunicar com essa realidade. Acho que é um pouco do que conversamos sobre olhar para arte e enxergar um espelho.

Confira a terceira parte da matéria principal: O reflexo da vida nas ruas

*Matéria originalmente publicada na edição #246 da revista TOPVIEW.

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