ESTILO

Claude Troisgros: o gene das panelas

É indisfarçável a corujice com que Claude Troisgros mostra o vídeo em que o neto Joaquim, com um ano e três meses de idade, aparece “brincando” de cozinhar. Caso se confirme tão precoce vocação, estará garantida a quinta geração de cozinheiros da família. Claude faz parte da terceira geração e a quarta já está garantida com os filhos, Thomas, que é um jovem, mas já renomado chef, e Caroline, que trabalha na área de administração e eventos dos restaurantes da família.

Do avô Jean Baptiste ao abrir um restaurante em Rouen, na Normandia – que seria um dos berços da nouvelle cuisine francesa e conquistaria as cobiçadas três estrelas do Guia Michelin – ao neto Joaquim “experimentando” incessantemente o prato imaginário que prepara, há quase um século de gastronomia. “Tudo já começa no nome Troisgros que significa ‘muito gordo’ em francês. Somente na minha geração, a terceira, são 11 cozinheiros entre irmãos e primos”, explica o chef do Olympe e do trio CT Boucherie, Brasserie e Trattorie, no Rio de Janeiro.

E se parece haver uma clara influência de algum gene gastronômico, o ambiente em que passou a vida inteira também foi fundamental para a vocação de Claude. “Cresci dentro da cozinha”, diz. Quando era criança, tomava o café da manhã com os funcionários que eram encarregados de acender o fogão a lenha. Depois, via o pai fazendo o mise-en-place (organização dos ingredientes e utensílios necessários para cozinhar) e os fornecedores chegando com carnes, queijos, bebidas e verduras. “Em nenhum momento, eu pensei em fazer qualquer outra coisa da vida que não fosse cozinhar”, relembra.

Botafoguense, mangueirense e muito bem-humorado, Claude é um carioca da gema – só que nasceu na França e tem sotaque. A exposição trazida pelos programas de televisão que ele apresenta no canal GNT – Menu Confiance, Que Marravilha!, Que Marravilha! Chato pra comer, Que Marravilha! Revanche e The Taste Brasil – só fez reforçar esse jeito de ser. “Quando a TV apareceu na minha vida, por volta de 2004, ela me tirou daquele lugar do chef francês inatingível, que as pessoas pensavam ser pretensioso e que vendia uma comida cara, apenas acessível a alguns poucos”, conta. “A TV permitiu que me conhecessem como uma pessoa que se emociona, que chora e que conversa com todo mundo”, diz ele, parando de vez em quando para cumprimentar os clientes, vizinhos e até concorrentes do CT Boucherie, seu novo restaurante no Shopping Rio Design Barra. Por todo esse carisma nas telinhas o Que Marravilha! acaba de ganhar o prêmio de Melhor Programa de Gastronomia da TV Brasileira, pelo Melhores do Ano Prazeres da Mesa/Cacau Show, um dos mais importantes prêmios do setor no país.

Claude tem esse jeito meio bonachão, mas não hesita em mostrar quando está contrariado. Perguntado sobre sua reação quando os participantes do Que Marravilha! Chato pra Comer rejeitam os pratos que ele prepara, exatamente com o objetivo de vencer as resistências, ele não pensa duas vezes: “Fico p… da vida. A gente já sabe que o cara é chato, mas a gente se esforça para fazer algo que quebre isso. Isso leva um tempo, a gente se esforça e foge um pouco das técnicas para fazer um prato que agrade. Dá vontade de mandar ir comer batata!”

O chef garante que o Claude Troisgros que o público vê na televisão é igualzinho ao que ele é na vida real, inclusive na relação com o fiel escudeiro Batista, com quem convive há 35 anos: “É meu amigo mesmo. Foi meu segundo funcionário e cresceu até se tornar o chef que é hoje. Foi o Batista que me mostrou o Rio, o Brasil. Nós íamos dançar forró. Por isso, temos essa relação tão próxima e podemos brincar um com o outro, com a câmera ligada ou não.”

O sotaque, outra característica fundamental do chef, que muita gente pensa ser um pouco forçado, também é 100% natural. “Quando estou gravando o programa ou falando com alguém, sequer me lembro do sotaque. Mas, às vezes, paro para me assistir e nem eu entendo o que falo”, conta em meio a risadas. Consciente de que as pessoas frequentemente não compreendem tudo o que ele diz, Claude repete quantas vezes forem necessárias. “Agora, estou gravando o Que Marravilha! Chefinhos e, com crianças, é fácil ver quando não entenderam. Já os adultos ficam com vergonha de me dizer e eu sempre pergunto se está dando para compreender o que eu digo.”

 Paladar absoluto

Outro aspecto do trabalho de Claude, também na televisão, é a revelação de novos talentos e sabores. No reality show The Taste Brasil, por exemplo, no qual ele foi um dos mentores, ao lado de Felipe Bronze e André Mifano, 24 novos chefs apresentaram suas receitas ao crivo dos experientes jurados.

“Quando se trata de novos pratos, o que mais valorizo é a harmonia dos temperos. Claro que a escolha e o cuidado com o produto também é essencial, a técnica tem que estar presente, mas eu gosto de comer, de sentir o sabor”, diz ele, reforçando que um prato tem que ter acidez, sal, doçura, amargor e crocância, mas tudo com harmonia. “Gosto muito do The Taste porque nos coloca diante dessas novidades”, explica Claude.

Depois de mais de quatro décadas de profissão, ele acredita que a pessoa que sabe temperar bem tem, na língua, uma espécie de “paladar absoluto”, uma percepção muito desenvolvida para os sabores, semelhante aos músicos que conseguem captar e reproduzir qualquer nota, com seu ouvido absoluto.

Apaixonado pelos sabores brasileiros e fã da culinária paranaense – “Adoro barreado!”, diz –, Claude já recebeu Manu Buffara como convidada e depois veio a Curitiba conhecer o restaurante da chef, o Manu, onde comemorou este ano seu aniversário de casamento. Outra referência para ele é o Gastronomix, que todo ano reúne chefs paranaenses e brasileiros.

Alma brasileira

O amor pelo Brasil, que ele adotou como pátria, definiu a própria maneira como Claude cozinha. “Pode até dizer que minha cozinha é franco-brasileira, mas acho que é mais do que isso. A técnica é francesa, mas o Brasil está presente o tempo inteiro, nos produtos, no sabor e na alma”, define. Essas características fizeram de Claude, segundo Alex Atala, o primeiro grande porta-voz dos sabores nacionais para o mundo.

Em uma dessas andanças, nos terríveis anos Collor, no início dos anos 1990, Claude se mudou temporariamente para Nova York, onde era consultor e chef do restaurante City, que, na onda da cozinha fusion, levou a gastronomia brasileira à Big Apple. Lá o chef construiu o que considera como sua maior conquista: “O ingrediente e o sabor brasileiros fizeram grande sucesso por lá. Mas foi na volta que o melhor aconteceu, que considero a maior vitória da minha carreira: fui recebido não mais como um estrangeiro, mas como um brasileiro que voltava para casa. Nunca vou esquecer isso.”

 Troisgros em três serviços

 Entrada

TOP VIEW: O que você acha do boom pelo qual vem passando a gastronomia, com presença maciça na TV, a criação de grandes eventos e o surgimento 
dos chefs-celebridades?

CLAUDE TROISGROS: Acho que só faz bem. É claro que, como toda moda, haverá um momento de saturação e, depois disso, o mercado se acomoda e somente os melhores ficam, mas isso também é bom. Quando comecei com o Menu Confiance, só tínhamos eu e o Olivier, dois franceses, fazendo programas sobre gastronomia brasileira. Agora só 
no GNT, são uns dez programas.

Prato principal


TV: O que achou da primeira edição brasileira do Guia Michelin?

CT: Vi meu pai sofrer muito por causa das estrelas, então decidi não ter o mesmo apego. Acho que o guia chegou ao Brasil muito conservador e isso é um erro. As melhores refeições de minha vida foram aqui, e não na França. 
O Brasil deveria ter pelo menos um 
três estrelas e vários com duas. Isso sem contar as outras regiões que 
ficaram de fora [o Guia Michelin se limitou na sua primeira edição ao 
eixo Rio-São Paulo], mas eu entendo que seria difícil avaliar todo o país.

Sobremesa


TV: Você pretende abrir restaurantes fora do Rio ou do Brasil?

CT: Não. Já tenho muitos restaurantes e abrir mais, especialmente fora do Rio de Janeiro, além de correr o risco de perder o controle sobre eles — 
a exceção fica para a hamburgueria TT Burger, criada pelo Thomas, que é um modelo mais fácil de replicar —, me deixaria completamente sem tempo para aproveitar a vida e até mesmo para cozinhar. E se não puder me divertir com minha família, meu amigos e continuar cozinhando, 
não faria o menor sentido!

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