Sabores birmaneses: um diário gastronômico e afetivo do cotidiano único de Myanmar
Voltamos no tempo. Estamos no Lago Inle, localizado no leste do Myanmar, país que ficou mais de 50 anos sob um governo fechado e que abriu suas portas para o mundo apenas nos anos 2010. Hoje, é um dos mais autênticos da Ásia, em profunda transformação e com uma riqueza cultural imensurável. Nessa região, há mais de 100 vilarejos, sendo 40 deles literalmente sobre a água.
A maioria da população sobrevive da agricultura, totalmente adaptada ao ambiente: os chamados jardins flutuantes, que são plantações sobre o lago, rendem em média três colheitas por ano.
O melhor da gastronomia de Myanmar
Para que todos possam fazer suas compras semanais, o mercado é itinerante. Logo pela manhã, saímos com Mrs. May para fazer compras para o nosso almoço. Dezenas de barraquinhas vendem os mais diversos e coloridos temperos, vegetais, frutas, peixes frescos, carnes e chás. Os comerciantes, com uma facilidade invejável em sentar de cócoras ou com as pernas cruzadas, pesam os ingredientes com balanças que parecem da Idade Média. O mercado é também um ambiente social, no qual eles têm a oportunidade de tomar chá e confraternizar.
Para começarmos a colocar a mão na massa na casa de Mrs. May, não há alternativa senão ir de barco: o vilarejo Ba Yar Gyi, com cerca de 150 habitantes, fica sobre a água. O ingrediente principal, que não falta em nenhuma refeição birmanesa, é o arroz. Seja em grãos ou em noodles, ele está na mesa pelo menos três vezes ao dia. A base para começar a cozinhar a maioria dos pratos é praticamente a mesma: óleo, gengibre e (muito!) alho. No entanto, os birmaneses são considerados comedidos ao adicionar chilli às preparações.
Para abrir o apetite, começamos com um tempura feito com legumes e um pouco de carne de porco. Cada refeição é um banquete e o primeiro passo é escolher o curry: o tempero especial dá todo o gosto ao peixe pescado pela manhã. A abundância está nos acompanhamentos: a salada de tomate verde – colhido por ali – leva cebola, alho frito, coentro, farofa de amendoim, limão, sal e azeite.
As folhas de chá não são só para fazer a bebida: preparadas de forma especial, são protagonistas na salada. A berinjela assada, preferencialmente direto no carvão, é um dos acompanhamentos mais saborosos. Isso que ainda nem falamos sobre a sopa, normalmente feita de lentilha ou feijão.
Os legumes refogados com alho (de novo!), gengibre e cebola não poderiam faltar, assim como o chá verde, que é a bebida que os acompanha durante todo o dia. Voilà! Ao sentarmos à mesa, nos deparamos com uma combinação de texturas, ingredientes, temperos e sabores.
Mas, muito maior que esse deleite gastronômico, é a alegria em compartilhar a refeição, tantas diferenças, semelhanças e aprendizados com a bondade, a coragem e a história de vida de Mrs. May e sua família. Para lembrar para sempre!
Para mais informações sobre o roteiro em grupo para o Myanmar da NomadRoots, que acontecerá de 31 de outubro a 10 de novembro, acesse o site.
*Coluna publicada originalmente na edição 226 especial Gastronomia