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Dia Internacional dos Museus: disponível online, exposição sobre o artista Man Ray é explicada por curadora

Em entrevista à TOPVIEW, Emmanuelle de l’Ecotais, curadora da exposição, conta como se encantou pelo universo de Man Ray

Por Izabelly Lira

Liberdade. Essa é a palavra usada por Emmanuelle de l’Ecotais, doutora em História da Arte, para descrever a forma como o artista, fotógrafo e cineasta Man Ray se expressava por meio das fotos que fazia. Emmanuelle é curadora da exibição Man Ray in Paris, que traz ao Museu Oscar Niemeyer (MON) algumas das obras produzidas pelo artista enquanto morava na capital francesa, durante os anos 1920.

Em entrevista à TOPVIEW, Emmanuelle conta como se encantou pelo universo de Man Ray e afirma que o estilo surrealista de retratar a realidade, criado pelo fotógrafo, ainda é assunto de debates artísticos contemporâneos.

É importante ressaltar que a entrevista foi realizada no dia 12 de março, data da abertura da exposição. Na época, o MON ainda não estava fechado por conta da pandemia do novo coronavírus. A exposição Man Ray in Paris pode ser visitada virtualmente no site do museu, por meio da plataforma Google Arts & Culture

Qual é a situação atual da fotografia surrealista?
Nós não falamos mais sobre fotografia surrealista como algo que ainda acontece,
mas há um interesse forte em fotografia abstrata. É muito interessante ver como as pessoas
ainda procuram por um jeito diferente de representar a realidade. O que você vê não é o
que eu vejo, e não é o que as outras pessoas veem. Essas questões ainda são muito
contemporâneas. Eu fiz uma exibição no Tate Modern no ano passado sobre fotografia
abstrata, e nós apresentamos Man Ray, ou seja, peças históricas, e peças muito
contemporâneas. O mesmo assunto está sempre lá. Como a fotografia pode ser algo mais
do que a simples realidade? Isso é muito interessante pois ainda é uma ótima questão.

Como surgiu seu interesse pelo trabalho de Man Ray?

Em primeiro lugar porque eu me formei em Fotografia, depois me especializei em História da Arte nos anos 1920. Logo depois, tive a oportunidade de trabalhar  em um local que recebeu todo o estúdio do Man Ray como herança. Isso foi em 1994. Eu trabalhei no estúdio todo durante 5 anos. Então, pude estudar 15 mil negativas e várias impressões. Ninguém nunca tinha visto esse material antes. Foi muito interessante entender como Man Ray trabalhava, porque ninguém sabia. Não é simplesmente tirar fotos, como “click clack” utilizando uma Kodak. Existe muito trabalho por trás, não é só a imagem. Ele emoldurava as impressões, ele retocava as negativas, e isso é algo que ele nunca contou para ninguém. Foi assim que eu descobri e estudei tudo isso. Eu escrevi minha tese de doutorado sobre Man Ray.

Qual foram seus critérios para selecionar as obras da exposição Man Ray in Paris?

A ideia era organizar um panorama geral de tudo o que ele criou em Paris, porque esse foi o período mais interessante de sua carreira. Ele voltou para os Estados Unidos em 1939 por conta da Guerra – ele era judeu, então foi embora de Paris. Então foi para Hollywood, parou de fotografar e virou um pintor. Para mim, então, o período no qual ele viveu em Paris foi o mais importante por conta de toda a imaginação e toda a nova criatividade dos anos 1920 e 1930. É por isso, também, que eu trouxe impressões novas, pois é impossível pegar as antigas. Eu achei que era muito importante mostrar essas imagens mesmo assim. Tem apenas uma impressão original na exposição, porque é quase impossível tirar elas da coleção. A proposta é dar um panorama para que pessoas que nunca viram o trabalho dele no Brasil possam entender quem era Man Ray.

O que você quer traduzir com a exibição? 

Em primeiro lugar, é muito importante, para mim, colocar Man Ray como o inventor da fotografia surrealista. E ninguém fala isso. Para mim, é óbvio que sem ele não existiria fotografia surrealista. Em segundo lugar, ele tem um espírito de liberdade, que é muito importante hoje em dia. Nós vemos todos os dias que podemos perder nossa liberdade facilmente, então expor um artista que, no início do século XX, foi um grande defensor da liberdade criativa é importante. Foi por isso que ele deixou Nova York e foi para Paris. Ele disse que nunca conseguiria fazer tudo isso em Nova York. Ele achou que Paris era o local certo para criar com liberdade, exatamente como ele queria. Hoje é muito importante saber que você ainda precisa de liberdade para criar e viver. 

Paris foi considerado o local com maior efervescência cultural nos anos 1920. Qual cidade sustenta o título de centro cultural mundial hoje em dia?

Talvez Berlim. É difícil dizer. Nos anos 1920, as pessoas não tinham uma visão do mundo todo como nós temos hoje graças a Internet. Hoje em dia, em primeiro lugar, as pessoas se deslocam com muita liberdade e facilidade. Leva nove horas para vir de Paris para o Rio de Janeiro, o que é uma loucura. Antes levariam cinco semanas. Então tudo mudou. Atualmente, devem existir múltiplas cidades com efervescência cultural. Eu diria Berlim e São Paulo. Na China devem ter muitas cidades com concentração cultural. Em Pequim, os artistas não têm tanta liberdade, o que é interessante. 

Voltando a falar especificamente sobre Man Ray: qual foi a relação dele com a moda?

Ele começou como um fotógrafo de moda profissional muito cedo, em 1925. Ele teve dois períodos, o primeiro na Vogue e o segundo na Harper’s Bazaar. Foi no segundo em que ele se tornou o fotógrafo de moda mais famoso na época. Ele usava suas técnicas pessoais nesse estilo de fotografia e isso era muito interessante para as revistas, porque elas procuravam fazer as pessoas sonharem. Quando você olha para as fotos de um editorial de moda em uma revista, você quer sonhar e desejar. Man Ray conseguia fazer isso porque ele criava um certo tipo de fantasia sobre as mulheres por meio das fotos – e é isso que fez ele ter sucesso fotografando moda.

E a relação com o movimento dadaísta?

Man Ray teve um período de não fazer o que era esperado. Ele era um artista muito livre, mas era muito controverso. O espírito dadaísta é justamente esse, fazer algo que não é para ser artístico e decidir que é arte. Quando se diz que a Fontaine [o urinol] é só algo para homens urinarem, Marcel Duchamp transforma o objeto e diz: “é arte”. É isso que Man Ray também fez quando tentou mudar a realidade das coisas por meio das fotografias. O primeiro ato da fotografia de Man Ray nos anos 1920, quando ele era dadaísta, foi expressar a ideia de que fotografia não é sobre a realidade. Ele sempre esteve tentando transformar a realidade em algo diferente. O que você vê não é o que você pensa que é. 

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