Lituânia: o país que renasceu como um destino turístico
Às margens do Mar Báltico, entre a Rússia e a Polônia, existe um país pouco conhecido dos brasileiros: a Lituânia. Quase uma filial da organizada Escandinávia (que fica do outro lado do mar), é repleta de casinhas coloridas, campos e colinas verdes, lagos, ruínas medievais e ruas tão limpas que fariam qualquer cidade suíça corar de vergonha.
Escondida por 50 anos atrás dos muros da União Soviética, a Lituânia não para de se revelar linda e inusitada depois que a União Europeia financiou a recuperação de suas estradas para a festa dos turistas. Que o diga quem desvenda as ruelas da capital Vilnius – onde igrejas góticas e renascentistas dividem espaço com a visão sempre presente de um castelo medieval – e atravessa o país rumo à cidade litorânea de Klaipeda, um dos maiores redutos mundiais de âmbar, a preciosa resina usada em joias.
No meio do caminho, atravessando estradas tão perfeitas quanto um tapete novo, e passando por fazendas, vilarejos e lagos, a surpresa: uma base militar subterrânea para lançamento de mísseis nucleares construída durante os anos da Guerra Fria.
O conflito que durou desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) até o final dos anos 80 pode ter acontecido apenas no campo ideológico entre Estados Unidos e União Soviética, mas nos bastidores as duas potências espalharam exércitos e armamentos por onde pudessem.
A expressão Paz Armada, que designava essa corrida armamentista silenciosa, nunca foi tão verdadeira quanto na Lituânia que, ao servir de quintal da União Soviética, acolheu secretamente em seu bucólico território uma base pronta para acionar um conflito nuclear mundial. Hoje, o lugar é uma das joias turísticas mais valiosas – e bem escondidas – da Europa.
Top secret
Por volta de 1960, na corrida para igualar sua vantagem militar com os americanos, os soviéticos encontraram no bucólico interior da Lituânia o espaço ideal para uma instalação secreta. A área onde hoje fica o Parque Nacional Žemaitija – feito de 200 km² de uma paisagem misteriosa e quase mágica, repleta de aldeias, lagos e florestas de coníferas, origem de fábulas e reduto de amantes de esportes de natureza – acolheria, então, mísseis nucleares apontados para países ocidentais.
A base subterrânea soviética começou a ser construída assim que os moradores pobres receberam alguns milhares de rublos para se mudarem dali e grande parte da floresta foi isolada para sempre.
Dez mil soldados escavaram silos para mísseis nucleares com estações de rádio, salas de controle e depósitos de ogivas, mísseis de modelos menores e bastante munição de guerra. Tudo impermeabilizado e coberto com terra, de forma que ninguém pudesse perceber – em tempos de muita espionagem militar – que dali podia ser acionada a temida guerra nuclear entre as potências capitalista e comunista. Arame farpado, alarmes e fios elétricos de 1.700 volts isolavam o perímetro.
Vivendo na aldeia próxima de Plunge – hoje um balneário de férias às margens do cristalino lago Plateliai – os militares do 79 º Regimento chegaram a participar até da implantação de mísseis em Cuba. Em setembro de 1962, foguetes foram transportados dali por trem e navio para Cuba na calada de uma noite em que a base operou com as luzes apagadas e soldados em trajes civis para evitar suspeitas de movimento.
O BOTÃO VERMELHO
O cenário campestre do parque nacional dissimula a presença de uma base militar na região. Na estrada, estar atento às palavras Šaltojo karo, que designam a base na língua lituana, é fundamental. Finalmente, após uma cerca de arame farpado, quatro estruturas de concreto em forma de conchas gigantes brotam do solo. São as pontas dos quatro silos subterrâneos que armazenavam os mísseis e denunciam a área de lançamento de foguetes com mísseis. Uma discreta porta no chão dá entrada para o bunker que abrigou a base militar.
É hora de entrar numa teia de corredores estendida andares abaixo e protegida por chumbo e concreto suficientes para suportar uma explosão nuclear. Documentos, fotos e vídeos até então confidenciais, muita parafernália militar, componentes dos mísseis e propaganda soviética reconstituem em cada sala o cotidiano da base e vão revelando o quão perto de uma guerra nuclear o mundo realmente chegou.
Máscaras de proteção e os folhetos com instruções de salvamento, primeiros socorros e procedimentos de evacuação criados pela URSS para proteger os cidadãos em caso de guerra estão lá. Tudo original.
Após transpor corredores, salas secretas, portas de ferro e escadinhas íngremes, o melhor está por vir: por uma portinhola se acessa a borda de um precipício de trinta metros de profundidade. É um dos silos que armazenou os mísseis por 20 anos esperando a hora do acionamento. O teto ao alcance das mãos é o interior das conchas vistas lá fora.
O gabinete restaurado do comandante da base, autorizado a acionar um certo “botão nuclear” está reconstituído também. Brincadeira ou não, a ideia é fazer parecer que, sim, o mítico botão vermelho que desencadearia uma guerra nuclear existiu. Este, que aparece atrás de um vidro de segurança, acionaria o tão temido embate a partir da Lituânia. Foi por pouco.
Com o colapso da URRS, o 79º Regimento foi deixado para trás e ficou às moscas enquanto a Lituânia se reerguia como nação e oficializava os arredores como Parque Nacional Žemaitija para desfrute da população, finalmente. Quando o país entrou para União Europeia, as instalações foram limpas e organizadas para receber visitantes sob o nome de Šaltojo karo ekspozicija, ou seja, Museu da Guerra Fria.
A cidade de Klaipeda, cujo porto recebe grandes cruzeiros turísticos, é uma das portas de entrada para o país. De lá se tem acesso para o istmo da Curlândia, uma faixa de 98 km de areia e pinheiros que por muitos séculos abrigou nativos pescadores e foi uma rota comercial só para os muito corajosos: o constante movimento da areia chegou a apagar dali aldeias inteiras.
Hoje a Curlândia é um charmoso balneário com vilarejos, casinhas coloridas, ateliês e bistrôs (que servem delícias como a tradicional sopa fria de beterraba com endro, a erva queridinha da gastronomia local). Durante a era soviética foi destino de férias só para os simpáticos ao regime comunista. Faz fronteira com o Kaliningrado, um território do qual a Rússia se nega a abrir mão. Pudera, a região é o ponto onde mais se encontra âmbar, a preciosa resina usada em joias, no mundo.
Como chegar
Na Lituânia: a companhia que voa para Vilnius, capital da Lituânia, é a Air Baltic. Cruzeiros da Royal Caribbean fazem o trajeto pelos países nórdicos e bálticos e param no porto de Klaipeda.
De Vilnius para o Parque Nacional Žemaitija/Museu da Guerra Fria: são 362 km de carro. O centro de informações turísticas na praça central de Vilnius fornece mapas do país e indica onde locar um carro. A Litinterp Guest House também intermedia a locação, que custa cerca de €30 por dia com GPS. A gasolina custa cerca de €1/l e há postos da norueguesa Statoil espalhados por todo o país.
De Klaipeda para o Parque Nacional Žemaitija/Museu da Guerra Fria: são 85 km de carro. Uma boa ideia é contratar a empresa de Jurga e Martynas Juskiene (+370 46 211879). O casal, dono de um albergue na cidade, faz tours guiados em inglês atendendo tanto a hóspedes quanto a passageiros dos cruzeiros.
*Algumas placas na estrada estão apenas em lituano: Šaltojo karo ekspozicija (Museu da Guerra Fria ou Cold War Museum) e Žemaitijos nacionalinis parkas (Parque Nacional Žemaitija).
*O Museu da Guerra Fria abre de maio a setembro das 10h às 18h; outubro a abril das 10h às 16h. Entrada: €5
Onde ficar
Litinterp Guest House: A acolhedora guest house tem dois endereços: nos centros históricos de Vilnius e de Klaipeda. Tem quartos confortáveis espalhados por um edifício antigo. O café da manhã é deixado em bandejas nas portas dos quartos. O staff ajuda a organizar visitas guiadas, comprar passagens e locar automóveis. A partir de €40/quarto duplo.
*O site oficial de turismo da cidade tem um serviço de reservas de hotel.