ESTILO

Diogo Portugal e o humor made in Curitiba. Um papo com o precursor da comédia stand up no Brasil

Se a fama do curitibano é a de um ser frio que não fala com estranhos, ele tornou-se um filho ilustre da cidade por fazer exatamente o contrário

No palco de um teatro em São Paulo, um comediante livre de adereços e com seu microfone começa a satirizar o ex-presidente Lula. Um ameaçador “Cuidado, hein!” sai da plateia não só uma, mas várias vezes, direcionado ao curitibano Diogo Portugal, um dos comediantes brasileiros mais populares da atualidade. Na noite chuvosa de domingo em que entrevistei Diogo, ele me confidenciou que o pior pesadelo de um humorista é uma plateia que não entende suas piadas. E que receber xingamentos não é fácil, mas que se aprende a lidar com críticas pesadas.

Mais “safo” depois de quase 20 anos de carreira, Diogo conseguiu driblar a “lulete” com desenvoltura e seguiu o espetáculo. “Às vezes as pessoas não entendem que é só uma piada”, diz. “O Jerry Seinfeld fala que muitas vezes nessa profissão você é julgado por uma pessoa que não entende o que você faz”, completa, fazendo referência ao norte-americano que é hoje um dos mais famosos atores e comediantes de stand up – aquela comédia que privilegia o humorista munido apenas do microfone.

Haja coragem para seguir ganhando a vida com piada diante de reações nem sempre simpáticas que uma investida debochada pode causar. Por isso mesmo, fazer sucesso nesse meio nem sempre é fácil. Mas Diogo conseguiu. No caso dele, a reação do alvo da piada virou oportunidade na carreira. Quem já o acompanhou zoando celebridades em seu programa Fritada, que vai ao ar no canal Multishow às sextas-feiras, às 23h10, entende.

Como mestre de cerimônias de um talentoso time pescado no mar de novos comediantes brasileiro –  e que varia a cada programa – ele já “fritou” com piadas, críticas ácidas, avacalhações e nenhuma piedade gente como seu conterrâneo Inri Cristo, além de Bruna Surfistinha, Alexandre Frota, Rita Cadillac…  E teve de engolir – no ar e em rede nacional – direitos de resposta no mesmo nível. Tudo dentro da proposta de humor ao estilo “perco o amigo, mas não perco a piada” do programa.

Da Disney para o humor

Diogo Portugal começou a fazer comédia em Curitiba em meados dos anos 90, depois de ser guia de turistas na Disney, baixista da banda Pele Sintética e funcionário público. Hoje é conhecido no Brasil todo: está na TV (pincela com humor as entrevistas de Luciana Gimenez no Luciana By Night na Rede TV!; participou por dois anos do Zorra Total da Globo; está com o Fritada no Multishow); sobe aos palcos país afora fazendo stand up e satirizando figuras do dia a dia nos espetáculos Portugal É Aqui, Hã e Posso te falar um coisa?; e comandando o festival de humor do Brasil, o Risorama, que acontece há 11 anos durante o Festival de Teatro de Curitiba.

Publicitário meio fora do ninho em uma família tradicional de gente que não ganhava a vida contando piada – a maioria dos Portugal atua no Direito –, Diogo tinha uma produtora de áudio quando seus amigos o incentivaram a fazer carreira com seu jeito engraçado de ser. Neto de Clotário Portugal, que ficou famoso porque assumiu o governo do Estado após Manoel Ribas e virou até nome de rua, Diogo revelou-se cada vez menos inclinado a uma carreira convencional quando criou sátiras de personagens curitibanos.

Os políticos Tony Garcia e Rafael Greca foram suas primeiras vítimas, material de hilariantes imitações. E com Ediomar, o porteiro; Elvisley, o office boy, e outros personagens salpicados de referências curitibanas, passou a animar festas e arrancar gargalhadas de uma plateia formada, principalmente, pela alta classe da capital paranaense.

O chamado para a notoriedade nacional surgiu na televisão de casa. Uma propaganda do canal de TV pago Multishow convocava possíveis talentos a provar que o humor brasileiro, até então dominado por velhos ídolos como o gordo Jô Soares e o saudoso Chico Anísio, podia ir além e se renovar. “Se você se acha engraçado, mande uma fita para nós”, dizia a chamada para o 1º Prêmio Multishow do Humor. Diogo colocou no correio uma fita VHS com todos os seus personagens – a patricinha curitibana, o porteiro, o office boy, os políticos, a prostituta… – e mais uma sátira das toscas propagandas da TV que faziam sucesso nos anos 90. Ficou entre os finalistas ao lado de atrizes e humoristas como Cláudia Rodrigues, Heloisa Périssé, Gorete Milagres e Marcelo Médici. “Foi uma grande seta de direção”, revela Diogo. “Assim descobri, aos 28 anos, que podia ganhar a vida fazendo humor, como profissional.”

Mas nada veio fácil. Antes, Diogo precisou viajar várias vezes a São Paulo, onde, sem cachê, participou como convidado do Terça Insana.  Um dos maiores sucessos dos palcos paulistanos, o Terça Insana, idealizado pela humorista Grace Gianoukas, ainda era naquela época um projeto experimental com jeitão underground movido a esquetes cômicos de ilustres desconhecidos. As apresentações aconteciam em um espaço na rua Rego Freitas, em São Paulo. Foi uma escola. “Conheci ali alguns comediantes que se tornariam meus grandes ídolos – Marcelo Mansfield, Otávio Mendes, Graziella Moretto, Luis Miranda, a própria Grace…”, lembra. Alternava as idas e vindas a São Paulo com apresentações no teatro Lala Schneider.

Foi lotando a plateia do pequeno Lala que esbarrou naquela que seria o início das grandes oportunidades que tem vivido até então. Descoberto pelo dono de um bar da cidade que pretendia levar algo diferente a seus fregueses, Diogo inaugurou seus shows cômicos de terça-feira no Era Só o Que Faltava. Durante oito anos seguidos, ele fez rir – acompanhado de humoristas convidados – uma plateia que disputava um lugarzinho naquele bar que até então não conhecia o que era movimento na terça-feira, a noite mais sem graça da semana.

E quando poucos se arriscavam no stand up comedy – o humor “de cara limpa”, como ele mesmo o classifica – Diogo resolveu apostar no estilo e ir além de seus personagens. Deu tão certo que lançou o Clube da Comédia Stand Up, um audiolivro junto com outros nomes que também iam adquirindo peso como Marcelo Mansfield, Oscar Filho, Marcela Leal e Rafinha Bastos. Dali para costurar a parceria com os organizadores do Festival de Teatro de Curitiba e montar o Risorama foi um pulo. Diogo ficou conhecido e foi ao programa de Jô Soares – que, aliás, acompanhara da plateia uma de suas performances no antigo Terça Insana. Mas ainda faltava algo.

Com Mickey e Oscar

Diogo é um legítimo exemplo de que a vida dá voltas. Em meio à batalha para conquistar um lugar ao sol no mundo da comédia, um dia seus esforços vieram à tona porque um dos turistas a quem já acompanhara em tempos de guia da Disney foi ao programa Domingão do Faustão. Ele era ninguém menos que o ex-jogador de basquete
Oscar Schmidt.

No quadro Pistolão – em que celebridades apadrinham e apresentam novos talentos – Oscar indicou Diogo. “Cheguei a Curitiba e fui assistir a um espetáculo de humor em um bar e quem era o cara? O guia da Disney!”, disse Oscar. Diogo entrou e levou o país todo às gargalhadas numa tarde de domingo. Consolidou de vez sua fama nacional. “Fui me dar conta disso quando cheguei a Vilhena, uma cidade em Rondônia, com status de celebridade”, diz ele, rindo da situação inédita. “Pela cidade circulavam veículos com meu rosto e nome plotados. Por causa do Faustão, fiquei famoso e me apresentei para um ginásio lotado de gente.”

A notoriedade, no entanto, nem sempre é tão fácil de ser digerida. O agora famoso Diogo Portugal teve de engolir algumas críticas de seus fãs ao integrar o elenco do Zorra Total, da Globo, que aposta em um humor mais popular. Já durante a repercussão do caso Rafinha Bastos – que foi processado pela cantora Wanessa Camargo depois de fazer uma piada polêmica que envolvia a cantora e o bebê dela  – também descobriu o lado negativo da fama.

Foi procurado por uma revista de circulação nacional para opinar. Defendeu o colega comparando o episódio a um gol contra, um acidente ou a uma piada que sai sem pensar numa conversa entre amigos. Teve suas palavras publicadas em um contexto negativo, como se desaprovasse o colega de profissão e contabilizou ali sua primeira mágoa com a imprensa e a opinião pública sob o status de gente famosa. Nem tudo é engraçado no métier da comédia, mas o show precisa continuar.

O falecido pai, que foi desembargador e talvez não imaginasse ser possível viver de comédia, conseguiu conferir o talento do filho em uma noite lotada no Era Só o Que Faltava. Diogo, que fala pelos cotovelos, quase se emociona ao relembrar a ocasião e por um momento deixa escapar um sinal claro de satisfação por ter mostrado seu valor ao pai – que tantas vezes foi chamado pela diretoria do colégio para repreender um Diogo adolescente e piadista, às vezes, além da conta.

Entrevistei Diogo na noite de um domingo em uma confeitaria, quando ele curtia suas “miniférias” na casa da mãe na cidade. A ocasião fez com que ele lembrasse que o curitibano, justamente seu público inaugural, não é fácil de agradar. “Ele não é de sair aplaudindo de cara. A piada tem que ser boa, é um desafio legal.” Em outros lugares, ele diz, os aplausos sempre vieram mais facilmente. Apesar de muito bem acolhido na cidade natal, agora ele vive em São Paulo junto com a esposa e a filha.

Depois de terminada a entrevista, Diogo desceu as escadas e correu para a casa da mãe, na quadra seguinte, no escuro e sob uma chuva torrencial. Sem casaco nem guarda-chuva. Talvez lavando a alma para começar um ano repleto de trabalho com vários espetáculos e um futuro carregado de planos e sonhos. Há uma lista deles: escrever roteiros de filme, quem sabe mini-sitcoms; investir no humor com música ao estilo de seu show Acusticozinho; e fazer palestras motivacionais – obviamente com humor – para o mundo corporativo. Se continuar batalhando assim para fazer tanta gente rir, não será surpreendente se algum dia Diogo se tornar mais um Portugal a nomear rua em Curitiba.

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