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Alex Atala: o porta-voz da culinária brasileira

Eleito uma das 100 personalidades mais influentes do mundo, o chef toma a frente de um movimento de valorização dos ingredientes e receitas nacionais

Sua oratória é firme. Fala com a segurança e a propriedade de quem mantém um restaurante há três anos na cobiçada lista dos dez melhores do mundo – e com o entusiasmo de quem não só ama o que faz, mas se declara apaixonado pelos frutos da nossa terra. Quando fala dos ingredientes e dos produtores nacionais, seu discurso é quase político. Não é à toa que tem sido chamado de embaixador da cozinha brasileira no exterior.

Seu restaurante, o D.O.M., famoso por resgatar os sabores mais autênticos da cozinha brasileira sob um olhar contemporâneo, ficou este ano em sexto lugar na lista dos 50 melhores do mundo, segundo a revista inglesa Restaurant, depois de já ter ocupado a quarta posição no ano passado. Tal classificação lhe conferiu ainda mais visibilidade fora do país. Ele tem aproveitado a fama para levantar a bandeira da nossa cozinha, tanto que se prepara para lançar o livro em inglês Rediscovering Brazilian Ingredients.

O paulistano criado em São Bernardo do Campo já foi punk, saiu cedo da casa dos pais e foi ganhar a vida como DJ. Como mochileiro, partiu para a Europa e teve que se virar como pintor de paredes na Bélgica, onde acabou se encantando com a gastronomia. Além desse país, trabalhou em restaurantes importantes da França e Itália.

De volta ao Brasil, começou a ganhar reconhecimento na área depois de ter renovado o cardápio do extinto restaurante Filomena. Em 1999 iniciou sua carreira como chef proprietário do Namesa, no mesmo ano em que abriu o D.O.M.. Dez anos depois surgiu o Dalva e Dito, um restaurante focado em cozinha brasileira com sotaque mais caseiro.

Eleito este ano uma das cem personalidades mais influentes do mundo pela revista Time, sua última empreitada foi a criação do Instituto ATÁ (referência ao nome do chef e à palavra “fogo” em tupi), que busca rever a relação do homem com o alimento e tem como foco a valorização do produtor e o fortalecimento de cadeias produtivas. Assim como o chef Gastón Acurio faz no Peru, Atala quer atuar como agente de práticas sustentáveis, mostrando alternativas para os pequenos agricultores e estimulando pesquisas na área de alimentos.

Aos 45 anos, completados no dia 3 de junho, viaja com frequência para a Amazônia onde (re)descobre ingredientes com os locais e resgata sabores da infância. Em entrevista exclusiva à TOP VIEW, ele falou da diversidade da cozinha brasileira, e de sabores e aromas ímpares como tapioca, tucupi, priprioca, mel, cogumelos da Amazônia e até o nosso churrasco! Confira os principais trechos a seguir.

TOP VIEW – Você vai lançar agora no segundo semestre um livro em inglês que fala de ingredientes brasileiros, o Rediscovering Brazilian Ingredients. A fama lhe trouxe o papel de porta-voz da culinária brasileira fora do país?
ALEX ATALA –
Sempre fui apaixonado pela cozinha e pelos ingredientes brasileiros. Apostei neles devagar, no começo da minha carreira, e vi que me davam reconhecimento. Quanto mais reconhecimento ganhava, mais eu acreditava. O D.O.M. se transformou num restaurante brasileiro, dessa cozinha familiar, regional, cotidiana e caseira que a gente tem e que não era bem representada até então. Esse livro é pensado para quem não conhece o Brasil e quer conhecer os ingredientes e como nós os trabalhamos. Quanto ao papel de porta voz, isso acaba acontecendo; ninguém reivindica.

O Brasil tem ingredientes e uma nova geração de chefs, um conjunto muito coeso, equilibrado, com um trabalho de qualidade. O meu sonho é dar um passo mais à frente. Eu criei um instituto no começo do ano chamado ATÁ, 100% dedicado à relação com o alimento. Ele não é focado em receitas, mas na alimentação, na estruturação das cadeias produtivas para que a gente possa servir um ingrediente da Amazônia aos nossos clientes, que eles se deliciem, mas também conheçam a origem do produto. É um instituto que sonha alto, em rever a relação do homem com o alimento.

TV – Os ingredientes brasileiros foram uma preocupação sua desde o início?
AA –
Foi um processo evolutivo. Se você olhar os anos de 95 a 97 quando eu trabalhava no Filomena, um restaurante com um sotaque italiano latente, vai perceber que já apareciam lampejos de cozinha brasileira.

TV – Por que a culinária brasileira não tem uma identidade definida e conhecida, a exemplo dos nossos vizinhos peruanos?
AA –
Acho que a primeira coisa é pensar quantos Perus cabem no Brasil. Porque esse é o tamanho da diversidade das nossas cozinhas. De norte a sul, nós temos uma variação gigantesca no receituário, nos ingredientes, e isso já explica por que o Brasil ainda não tem o reconhecimento que merece. Outra coisa é que por ser um país menor, o Peru consegue se unir em torno da gastronomia e fazer dela uma bandeira. A marca do país se confunde com os seus sabores.

TV – Você se diz apaixonado pelos produtos da Amazônia. Além da exótica saúva, quais são os seus preferidos de lá?
AA –
A Amazônia é um dos maiores celeiros de novos sabores e novas sensações gustativas. Lá, reencontramos sabores da infância e coisas que descobrimos com os locais. Como a priprioca, um elemento aromático que eu comecei a trabalhar há pouco. Qualquer lista que eu tentar apresentar será pequena, mas eu começo citando a mandioca. Suas farinhas são um universo que permeia o Brasil de norte a sul. Dela se faz o tucupi, talvez a maior expressão da cozinha amazônica, e a tapioca.

A tapioca é conhecida mundialmente. A França, o Japão e a Malásia conhecem bem a tapioca. Mas eles reputam esse ingrediente como sendo chinês, ou asiático, porque eles usam mais do que a gente. Eu consultei um linguista que afirmou que a palavra vem do tronco principal do tupi e quer dizer amido de mandioca.Nós temos que gritar para o mundo que ela é brasileira e depois fazer o Brasil conhecer todas as suas possibilidades, mostrar que polvilho também é tapioca!

Em 2003, eu clamava por uma pesquisa sobre os cogumelos amazônicos. Hoje, trabalhando em colaboração com o Instituto de Pesquisa Ambiental (Inpa), provamos a existência deles. Em breve, organizaremos um trabalho junto aos ribeirinhos para realizar uma coleta sustentável desses cogumelos. Nós temos mais de 250 espécies de abelhas produtoras de mel no Brasil. São diferentes tipos de mel com características, sabores e aromas ímpares. Para não falar das frutas, das ervas…

TV – Você já disse que o Sul do Brasil não tem a diversidade do Cerrado e muito menos a da Amazônia. A nossa cozinha desperta a sua curiosidade?
AA –
Sempre falei que o Sul não tem a diversidade desses lugares, mas nunca falei que ele é pobre. Os biomas do Sul ainda são superiores a muitos outros. O fato é que a colonização se sobrepôs a eles. Os produtos perderam seu brilho e as receitas que se tornaram tradicionais são aquelas que vieram com a imigração.

Quando menciono a simplicidade do Sul, gosto muito de falar do churrasco. Gastronomia é levar um ingrediente ou uma receita ao seu melhor momento e os lapidar. E o ritual é fundamental para isso. Ora, o espeto corrido é a parte da cozinha brasileira mais bem-sucedida. Até o gestual dele está sedimentado. Em qualquer lugar do país, uma picanha é colada no espeto e o garçom a corta usando o mesmo gesto.

TV – O que acha de Curitiba como destino gastronômico?
AA –
Curitiba tem uma grande história, que começa com Celso Freire, Fabiano Marcolini até chegar na Manuela Buffara. Há um grande potencial e uma forte busca por novos ingredientes.

TV – Aproveitando que citou alguns nomes, quem são os novos chefs brasileiros que você acompanha e admira?
AA –
Os irmãos Castanho (Thiago e Felipe), em Belém do Pará, a Manu Buffara em Curitiba, a Ariani Malouf e o Fernando Mack, em Cuiabá, o Felipe Rameh, em Belo Horizonte. Eu fico muito contente de ver o eixo Rio-São Paulo ser quebrado.

TV – O que um chef precisa ter para estar na lista dos melhores e mais influentes do mundo?
AA –
Essa é a resposta que todo restaurante gostaria de ter [risos]. Não sei o que um chef precisa ter para chegar lá. Eu posso dizer do que a gente fez para conseguir: criamos uma unidade entre o discurso, o conceito, o serviço e o sabor efetivo, que deu uma identidade única ao restaurante.

TV – Fez diferença cair da 4ª para a 6ª posição no ranking dos 50 melhores restaurantes do mundo, publicado pela revista Restaurant?
AA –
Depende do jeito que você olha… Para mim, nenhuma. Continuo muito orgulhoso de estar entre os dez melhores do mundo há três anos. Agora se alguém fala, “puxa, ele perdeu duas posições”, o que eu vou dizer? [risos].

TV – Os brasileiros, principalmente os paulistanos, têm reclamado muito dos preços quando comparados aos praticados lá fora. Como brasileiro que viaja e dono de restaurante, o que você pensa dessa polêmica?
AA –
Eles estão certos. Comer no Brasil ficou absurdamente caro. Se você compara restaurantes médios e populares a equivalentes em outros países, vai descobrir que o Brasil está entre os lugares mais caros do mundo. É o que a mídia chama de “custo Brasil”: manutenção de cartão de crédito, taxas do sistema financeiro, cascata de impostos que inviabilizam e encarecem os serviços.

TV – Conversamos com donos de restaurantes de Curitiba e todos compartilham a preocupação com a qualificação da mão de obra e as questões trabalhistas.
AA –
As questões trabalhistas são mesmo complicadas, mas eu vou te dizer o seguinte: trabalhei e trabalho no mundo inteiro e a nossa mão de obra é servil, é educada. Ela carece de treinamento, nós não temos formação profissional, mas isso não é um demérito da população. Poucos povos são tão abertos e fáceis de serem treinados. As pessoas esperam funcionários prontos e eles não existem. Eu não tenho um bom restaurante porque tenho uma boa cozinha. Eu tenho um bom restaurante porque tenho um bom conjunto que inclui um bom serviço e é fruto de um bom treinamento. Sou um defensor da mão de obra brasileira!

TV – Você tem um prato preferido? Poderia escolher entre os tantos que já provou?
AA –
Eu gosto muito de arroz e feijão. Feijão bem feito, arroz branco e soltinho, com um pouquinho de farinha. Esse trivial brasileiro me encanta. Tanto que o prato jamais saiu do cardápio do D.O.M..

TV – E existe algo que você não come de jeito nenhum?
AA –
Não. A minha boca é minha ferramenta de trabalho, meu instrumento de precisão. Não dá pra excluir um sabor. Sinto pouco apreço por iogurte natural, mas não quer dizer que eu não cozinhe com ele ou não o coma. O fato de não gostar de iogurte não o elimina do meu receituário.

TV – Retomando um assunto antigo, queria que você falasse da sua paixão pela caça.
AA –
Sempre gostei, principalmente se ela é feita de maneira legal, dentro dos parâmetros esportivos, não predatórios, e apoiada pelas leis ambientais vigentes no país. O mundo inteiro legisla a caça; o Brasil ainda é uma exceção. O pouco de caça que temos vem de criadouros conservacionistas. Ou seja, de particulares que resolveram criar animais silvestres, da nossa fauna ou exóticos, como o javali.

Para continuarem agindo em benefício do meio ambiente, esses caras precisam de suporte. E de que forma eles podem se sustentar? Através do comércio da sua produção. É fundamental que nós reaprendamos a usar a caça. No receituário brasileiro ela desapareceu e o pouco de tradição que temos vem dos europeus. Isso privilegia as espécies introduzidas no país e oprime as nativas. A indústria de alimentos pode ser um suporte para reequilibrar os biomas.

TV – Você usa a carne do pirarucu na sua cozinha?
AA –
Uso. O pirarucu que usamos no Dalva e Dito são alevinos produzidos em Rondônia, trazidos a São Paulo, crescidos e engordados aqui. Enxergo nessa cadeia de produção um elemento de defesa do bioma, além de uma possibilidade do mercado conhecer e valorizar essa joia da natureza. Porque existe uma pesca predatória do pirarucu e sua manutenção só ganhará proteção se ela gerar lucro para alguém. O cara que pesquisa e defende a espécie precisa engordar os alevinos. E ele vai sustentar isso através dos restaurantes: uma parte dos peixes volta para a natureza e a outra é vendida, o que custeia as obras de proteção da espécie.

TV – Nas últimas décadas, vimos o surgimento e o boom da gastronomia molecular e da tecnoemocional. Quais são os rumos da gastronomia atual?
AA –
A cozinha é feita de movimentos e modismos. Já teve uma moda na cozinha chamada nouvelle cuisine. Ela foi passageira, durou 15 anos! Nós tivemos nos anos 90 a nova cozinha italiana, que a deixou menos caseira. A tradição deve ser mantida, mas a gente não pode fechar os olhos para as inovações. Assim como não ignoramos as novas possibilidades em telefonia, nas comunicações. Na cozinha, é importante estar aberto, ter bons olhos para o novo, mas lembrando que a melhor maneira de tentar entender o futuro é olhar o passado.

*Matéria publicada originalmente por Alice Duarte na edição 153 da revista TOPVIEW.

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