E a segurança alimentar?
19 milhões de pessoas passam fome no Brasil. O número representa um aumento de 27% em comparação a 2017. Além disso, ainda constatou que outras 116,8 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar. A pesquisa referente a dezembro de 2020, foi desenvolvida pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN).
“A segurança alimentar trata do direito da população ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidades suficientes. O agronegócio é responsável por grande parte da produção dos alimentos que os brasileiros consomem”, explica Sylvia Wachsner, diretora da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
“Durante a pandemia ficou muito claro que a produção de alimentos não registrou interrupções e os agricultores continuaram a oferecer os seus produtos seja nas feiras livres, por entregas de cestas a domicílio e no varejo. Sem os produtores rurais, o Brasil teria que importar alimentos.”
A questão não foi a produção de alimentos. O agronegócio brasileiro é responsável por alimentar aproximadamente 800 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 10% da população mundial, aponta estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), divulgado no início deste ano. Foram medidos dados da produção de grãos e oleaginosas.
A pandemia não afetou o setor. Apenas entre janeiro e julho de 2020, o país exportou mais de 130 milhões de toneladas – um salto de 9,2% em comparação ao ano anterior, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
“Ampliamos as exportações, porque muitos países tiveram problemas de desabastecimento”, observa Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Isso foi possível pela evolução do setor nos últimos anos. “Houve um investimento no tripé: pesquisa, como a Embrapa, assistência técnica pública, para ajudar a levar esse conhecimento da academia para o produtor; e o crédito rural, que permitiu para o produtor investir”, complementa. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio cresceu 24,3%, segundo dados da CNA e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) – o que expande a participação do setor no PIB do país de 20,5% em 2019 para 26,6% no ano passado.
“A produção de alimentos está no DNA do país, que tem as melhores áreas do mundo para cultivo. O Brasil se desenvolveu com a agricultura. Nós temos a matéria-prima perfeita para isso”, avalia Ruy Inacio Neiva de Carvalho, professor do curso de Agronomia da PUCPR.
Novos caminhos
Graças a seus estudos voltados para a diminuição da pobreza global, o estadunidense Michael Kremer foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2019. No ano passado, o economista afirmou que digitalizar o agro é a ferramenta essencial para garantir progresso e segurança alimentar. “A agenda tecnológica vai ser sempre prioridade no setor. Várias tecnologias de ponta estão sendo aplicadas no agro”, aponta Lucchi. “Aumentou muito o número de startups do agronegócio. Outro ponto é fazer a inclusão digital dos produtores rurais. As mudanças hoje são muito rápidas. Temos o CNA Jovem, para mostrar a inovação e para que eles sejam os agentes de mudança.”
Em 2020, o Ministério da Agricultura fechou uma parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) para oferecer serviços de consultoria agrícola digital.
“Espera-se que o programa permita ao agricultor familiar receber informações de extensão rural por meio de mensagens de celular, duas vezes por semana. Os produtores terão acesso a dados meteorológicos e avisos sobre técnicas de plantio, manejo das culturas, informações sanitárias e rendimento da colheita”, afirma Wachsner.
Uma forte preocupação do setor tem relação à sustentabilidade. Para Carvalho, a transparência dos processos é a maior aliada na transformação. “Além de um processo de produção mais sustentável, com respeito aos recursos naturais usados para produzir alimentos, tem a parte de tecnologia para dar rastreabilidade ao produto, que é uma tendência de mercado. O produtor precisa saber que o consumidor sabe como foi feito.”
Outro sistema agrícola de menor impacto ambiental tem despontado: a agricultura regenerativa. O termo foi concebido por Roberto Rodale, do Instituto Rodale, para designar uma prática que vai além da agricultura sustentável. É uma abordagem holística que, segundo Wachsner, incentiva a inovação contínua e as melhorias das medidas ambientais, sociais e econômicas – com foco principal na saúde do solo. Há, também, o uso reduzido de pesticidas, herbicidas e fertilizantes, além da harmonia com a natureza, bem-estar animal e relações justas de trabalho.
“A existência de solos saudáveis, em escala global, é uma das melhores maneiras para evitar o avanço das mudanças climáticas. Ao objetivar a proteção e não o esgotamento dos recursos naturais do solo, possibilita a produção sustentável de alimentos que sejam oferecidos à população”, defende.
*Matéria originalmente publicada na edição #248 da revista TOPVIEW.