Fernanda Thuran no Festival de Curitiba: “Nós todos temos luz e sombra na mesma proporção”
A curitibana Fernanda Thuran saiu da capital aos 19 anos para estudar teatro e, agora, volta à cidade para o Festival de Curitiba, como atriz e produtora da peça Dogville. Inspirada no filme homônimo de Lars Von Trier, a peça teve ingressos esgotados para as duas sessões no teatro Guairinha (nos dias 2 e 3 de abril) e levou o público a conhecer a contraditória população de Dogville, cidade que se vê transformada após a chegada de uma bela forasteira.
Criadora da Brisa Filmes, Fernanda se considera uma “empreendedora da arte” e se divide entre produções audiovisuais e o teatro. Para ela, a peça Dogville é justamente um diálogo entre as duas linguagens. Nos encontramos com ela na loja VK Soho, em Curitiba.
Confira nosso bate-papo com Fernanda Thuran
TOPVIEW: Qual a principal reflexão que a peça traz para os dias atuais?
Fernanda Thuran: É um retrato do que costumamos a chamar de “homem de bem”, aquelas pessoas boas, sempre dispostas a ajudar, mas que, na verdade, não são só isso. Nós todos temos luz e sombra na mesma proporção – a peça traz essa questão.
TV: Como é interpretar uma adaptação do cinema? Tem uma responsabilidade a mais?
FT: O filme foi uma mudança de linguagem muito grande, levando o cinema para o teatro. Então, pensamos em remontar e não imitar. Foi pesado e trabalhoso, tivemos um mês só de preparação corporal e mais dois meses e meio com o diretor. Tivemos crises, choros e alegrias, porque como atores nós usamos muito o nosso material humano, e uma peça tão densa exige que busquemos em lugares onde não olhamos com frequência. Mas foi um desafio que deu muito certo.
TV: Quais as principais dificuldades de transpor esse filme, que já traz uma linguagem teatral?
FT: A gente pensou em não deixar óbvio. Colocamos duas câmeras ao vivo e mais uma câmera em cima do palco. Além de algumas partes do texto aparecerem como projeção, os atores contracenam com ela. Foi a maneira que encontramos de juntar cinema e teatro.
TV: O que pode nos contar sobre a sua personagem?
FT: Minha personagem é a Liz, a mais nova da cidade, que é objeto de desejo dos homens. Eu diria que ela é a mais solar dentro dessa escuridão da peça. A chegada da Grace [personagem da Mel Lisboa] traz, em um primeiro momento, a sensação de ela ter uma nova amiga, só que ela começa a ver que essa forasteira está roubando seu lugar.
TV: A peça traz esse contraste entre o lado bom e o ruim do ser humano. O que vocês quiseram dizer com isso?
FT: Entender que todos temos tudo. Não somos só bons ou só ruins, depende da situação em que somos colocados e como vamos lidar com aquilo. Infelizmente, somos hipócritas, mentimos às vezes. Então é colocar uma luz nesses “eus” que nos habitam e entender que somos plurais.
TV: Qual é a principal crítica em relação ao sistema capitalista e a intolerância?
FT: A chegada da Grace é a geração de necessidade no outro que o capitalismo traz. Antes, ninguém precisa de nada, não tem o que fazer na cidade, e de repente surgem várias coisas que não precisavam antes. A crítica social é quanto às aparências: estamos em um momento de mostrar muito para o outro o quanto estamos bem ou tentar vender algo que não é real. Nessa cidade, eles se vendem como cidadãos do bem, mas vemos que não é bem assim.
TV: Nesse momento, o que representa para vocês, como artistas, essas duas sessões esgotadas no Festival de Curitiba ?
FT: É um presente, um acalento para o coração saber que, apesar de não sabermos os rumos da cultura no país, as pessoas acreditam [na cultura]. A cultura é importante sim, é educação e história. Ficamos muito felizes e queremos voltar para mais sessões. É um fio de esperança pensar que não estamos sozinhos, porque ninguém lota duas sessões à toa.
Leia mais:
Cláudia Abreu estreia no Festival de Curitiba com a peça PI – Panorâmica Insana