Conheça a curitibana que trabalhou no filme favorito ao Oscar 2021
Se você prestar atenção nos créditos finais de Thor ou Homem-Formiga e a Vespa, da saga Marvel, vai encontrar um nome brasileiro. Aliás, um nome curitibano: Daniela Medeiros. A arquiteta trabalhou como set designer – no Brasil, mais conhecido como cenografia – para grandes produções de Hollywood, entre elas o filme Mank, favorito ao Oscar deste ano.
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Em entrevista por videochamada para a TOPVIEW, Daniela conta sobre sua trajetória no cinema, suas aspirações e as diferenças entre o cinema brasileiro e estadunidense. Confira abaixo.
TOPVIEW: Você é formada em Arquitetura e Design. Como foi seu caminho até Hollywood?
Daniela: Assim que terminei a graduação, fiquei muito em dúvida em qual área seguir. Decidi tirar um tempo para ver se gostaria de fazer direção de arte, aí fiz um curso de Cinema de um ano. Fui diretora de arte de alguns projetos. Percebi que era algo que eu gostava, mas também vi que precisava me profissionalizar mais e chegar em um lugar que tivesse mais oportunidade. Pensei em São Paulo e Rio de Janeiro, não necessariamente vir para cá [Los Angeles]. Vim fazer meu mestrado de dois anos e meio e, depois disso, comecei a trabalhar. Primeiro comecei com parques temáticos, logo pulei para ser set designer em grandes projetos. Hoje trabalho como cenógrafa e assistente de direção de arte em projetos grandes e como diretora de arte em projetos menores.
TOPVIEW: Como descobriu que queria trabalhar com set design?
Daniela: A cenografia é a representação da arquitetura dentro da direção de arte. Quando pensamos em arquitetura, pensamos no espaço e no ambiente em si, vazios, antes de pensar nos outros passos e camadas, como decoração. O set designer pensa na parte física do ambiente. Eu crio o set em si – às vezes é uma cidade, uma nave espacial, uma praça, uma casa. Trabalhei em um filme em que criei espaços e cidades para camundongos, então também é um set, mesmo que não seja para seres humanos. Por isso gostei tanto: por ter essa relação tão forte com a arquitetura. É arquitetura, mas aplicada de uma forma diferente.
TOPVIEW: Você já trabalhou para o Universo Marvel, que está nesse plano da fantasia, e agora com Mank, que conta os bastidores de Cidadão Kane. Você vê diferença no processo de criação para fantasia e para um filme baseado em uma história real?
Daniela: Gosto bastante de projetos como o Mank, que tem um roteiro tão forte, tem esse diretor e tem algo importante para dizer. Mas também adoro fantasia, foram os tipos de filmes que me chamaram atenção quando comecei a trabalhar em projetos grandes. Eu prefiro, se puder escolher, fantasias, como Pinóquio e Senhor dos Anéis. [Agora] tenho tentado focar em projetos como Mank, que tem histórias reais, mostram uma realidade e tem uma mensagem específica que pretendem passar. Além de ter grandes diretores.
TOPVIEW: Com quais diretores você gostaria de trabalhar?
Daniela: Gostaria de trabalhar com o [Martin] Scorsese, claro, com a Patty Jenkins e com a Greta Gerwig.
TOPVIEW: Qual foi o maior desafio do seu trabalho para o Mank, que é o favorito ao Oscar, com 10 indicações?
Daniela: Apesar da importância dele nos festivais, não foi um dos maiores orçamentos que já fiz parte, então tivemos alguns desafios nesse sentido, especialmente por ser uma equipe menor. Estávamos sempre correndo e, alguns dias, fazendo o trabalho de mais de uma pessoa. Mas deu tudo certo, não foi nada absurdo. Do ponto de vista artístico, foi um desafio o fato de ser preto e branco. Quando pensamos em p&b, muitas coisas mudam e precisamos pensar em várias outras questões. Os sets de época exigem uma complexidade nas formas e detalhes, mas foi divertido, eu gosto de desafios.
TOPVIEW: Como você analisa as diferenças entre o cinema brasileiro e o estadunidense – e entre trabalhar em cada um?
Daniela: Gosto muito do cinema brasileiro, tenho muita vontade de trabalhar no Brasil. Não é só comprar Brasil e Estados Unidos, acho que é comparar os Estados Unidos com qualquer outro país. Sinto que aqui é uma situação ímpar. Outras indústrias que se assemelham em escala são Bollywood, Reino Unido e Austrália, são os principais pontos do cinema. Então quando compara os EUA com outros países, a principal diferença é o formato e como as coisas são organizadas. Aqui, como a indústria é muito antiga, as estruturas do cinema são muito bem organizadas. Existem os sindicatos: ou você trabalha em filmes regidos por eles ou que não estão, geralmente os menores projetos. Eu sinto que no Brasil é um pouco mais gorilla style algumas vezes, em produtoras não tão grandes. Outra diferença é que aqui a iniciativa é privada e, no Brasil, acabamos ficando reféns da iniciativa pública, o que acaba barrando um pouco, tudo bastante complicado.
TOPVIEW: Você sentiu alguma barreira por ser mulher e estrangeira?
Daniela: Em ser estrangeira, nunca senti. O motivo disso é que estou em Los Angeles. Uma das minhas grandes amigas aqui é nascida e criada em LA – e é uma das poucas pessoas que conheço que é daqui. Aqui tem muita gente de fora. Na AFI, metade dos estudantes eram estrangeiros. Já como mulher, sim. Existem desafios diariamente. Menosprezam muito a gente [mulheres], precisamos ficar sempre se provando. Parece que nunca nos estabelecemos em uma posição, precisamos sempre provar que sabemos. Todo espaço que eu entro, preciso me impor para mostrar que sei o que estou fazendo. É cansativo. Trabalho 200 e sou reconhecido por 100 – e um homem que trabalha 50 é reconhecido por 150. É muito chato, mas a gente percebe.
TOPVIEW: Às vezes os homens chegam até a ganhar mais do que as mulheres para fazer o mesmo trabalho…
Daniela: Nós, set designers, sempre conversamos sobre isso. Acho que isso faz parte de fazer as coisas de forma mais justa: as pessoas conversarem. Ainda tem um tabu sobre falar a respeito de salário, mas tem que falar, é assim que a gente descobre que a pessoa ganha o dobro para fazer o mesmo trabalho.
TOPVIEW: Você tem um projeto preferido?
Daniela: Como set designer, foi o Mank. Do ponto de vista de direção de arte, foi o All These Voices, um curta-metragem muito bonito. Não sei se algum dia vou fazer um projeto que eu ame mais do que esse [risos]. Fala sobre como os artistas voltaram a fazer arte depois da Segunda Guerra Mundial. É um filme muito bonito, com um tema tão importante, tenho muito orgulho. Eu já participe de filmes da Marvel, mas sempre vou citar esse curta [risos]. No meu currículo, por exemplo, eu sempre deixo o primeiro projeto que fiz como diretora de arte, um videoclipe [risos]. A minha sensação é parecida com a do Walt Disney, ele sempre falava: ‘nunca se esqueça de onde tudo começou’. No caso dele, tudo começou com o Mickey. No meu caso, eu lembro desse videoclipe como o momento em que tudo começou [risos].
TOPVIEW: Quando a pessoa fala que está morando em Los Angeles e, especialmente, que trabalha em Hollywood, vem essa imagem de glamour e luxo. Existe isso na vida real?
Daniela: Para algumas pessoas pode até ser que exista, mas para mim – e para as pessoas que eu conheço – não. Acho que isso é a grande fantasia de Los Angeles, Hollywood tem esse layer fantástico sobre ele. Todos que vêm para cá vão até a Hollywood Boulevard e imaginam que vai ser um glamour absurdo, mas não é nem um pouco assim – só na semana do Oscar existe isso. Eu adoro ela porque representa bem Los Angeles nessa “expectativa versus realidade”. São pessoas comuns, normais, trabalhamos 12 horas por dia, mas, sim, têm pessoas muito ricas aqui também.