ESTILO

Uma vida em casa

O home office não é uma prática recente, mas o confinamento sim

Sou um privilegiado. Minha profissão me permitiu trabalhar em casa. Passei a vida em home office, a novidade é o confinamento. O trabalho criativo sempre foi mais uma atividade praticada por prazer e nunca menos do que isto, algo muito pouco afeito ao que comumente se entende por trabalho. Vivi grande parte da minha infância em casa e, ainda hoje, é o meu lugar de conforto, segurança e bem estar. Lugar onde preservo as minhas principais memórias, referências e encontros.

Quando comprei o meu primeiro laptop e passei a usá-lo para desenhar, me dei conta de que meu escritório seria onde estivesse. Nos últimos anos de nossa antiga sede na Rua Treze de Maio, as idas ao escritório foram diminuindo e se tornando dispendiosas e desnecessárias. No ano de 2008, mudei toda a equipe e atividade profissional para casa, inicialmente de maneira improvisada, com um certo receio de que o escritório pudesse interferir na nossa rotina e privacidade. Rapidamente percebi que o tempo que eu economizava em deslocamentos, os custos e trabalhos de manutenção da antiga sede e a facilidade em ter o escritório próximo e acessível me recompensavam com sobras. Eventuais desvantagens de espaço e no recebimento de fornecedores ainda deveriam ser testadas. A última barreira seriam os próprios clientes que poderiam reagir mal a iniciativa. Quando percebi que a situação não nos causaria nenhum embaraço – ao contrário, muitos têm grande interesse pela casa histórica em que vivemos – iniciei reformas e adaptações no térreo/subsolo da residência de modo a tornar os espaços mais agradáveis e salubres à nossa atividade.

Portanto, em tempos de Sars-Cov-2, estamos razoavelmente preparados, mental e fisicamente. Nossa equipe desmobilizou-se gradualmente e, desde o dia 20 de março, todos já trabalham de seus respectivos domicílios. Reuniões entre nós, clientes e fornece-dores são feitas por aplicativos e redes sociais, e têm se mostrado mais objetivas e igualmente eficazes. Neste primeiro momento, a produção individual nos pareceu ampliada.O que virá de tudo isso não se sabe. “Fique em casa” é o novo mantra para que o nosso sistema de saúde não entre em colapso e que o número de mortes seja minimizado. Ainda lembraremos por muito tempo desta pandemia.

O que vamos aprender – se é que aprenderemos algo, passado o susto – ainda é prematuro para se afirmar. Para alguns, nos tornaremos menos materialistas, desperdiçaremos e poluiremos menos, seremos mais solidários e cuidaremos melhor dos nossos entes queridos. A economia, finalmente, estará a serviço do homem – e não o contrário. Enfim, respeitaremos mais o planeta, a vida e o próximo. Assim espero. Ps: mesmo com o escritório acessível, bastando descer duas rampas, continuo trabalhando da sala da minha casa, onde tenho o nível necessário de introspecção e concentração.

*Coluna originalmente publicada na edição #235 da revista TOPVIEW.

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