Coluna Elis Cabanilhas Glaser, junho de 2018
Acreditar que o vinho vive para sempre, assim como a humanidade, é uma ilusão. Como um primoroso organismo vivo, ele nasce, encontra o seu auge e morre.
Ele passa por vários estágios de evolução. Tem infância, juventude, maturidade, velhice e fim. O momento ideal para consumi-lo é no auge da sua maturidade, quando ele alcança um perfeito equilíbrio entre taninos, acidez e fruta que somente o tempo em garrafa pode conceder. Seu fim começa quando essa sinergia termina, quando o oxigênio que ainda resta na garrafa passa mais a atrapalhar do que ajudar, minando o sabor, os aromas e a cor vívida, deixando apenas um sabor de fruta passada, um aroma ocre, uma acidez insignificante – transformando o que foi um apreciado vinho em vinagre.
A história de um vinho, assim como a de uma pessoa, pode ficar mais interessante com a idade… ou não. Como os seres humanos, cada vinho encontra a sua maturidade em um momento diferente. Alguns, por diferentes fatores, encontram-na mais cedo, outros precisam de um pouco mais de tempo para mostrar a sua melhor essência. É exatamente isso que torna a definição de tempo de guarda ainda mais complexa.
Via de regra, quanto mais caro é o vinho – principalmente os tintos –, mais tempo ele necessita envelhecendo em garrafa para chegar ao seu melhor momento. No entanto, essa avaliação pode se complicar, pois um vinho leve, pensado para ser degustado jovem, pode estar decrépito aos quatro anos, e outro, de uma safra mais antiga, estar extremamente jovem e duro aos dez.
Para facilitar o entendimento, atualmente, grande parte dos vinhos que se encontram à venda já estão prontos para serem consumidos, no máximo dentro de dois ou três anos após seu lançamento. Esses exemplares já foram produzidos com o intuito de alcançar o seu equilíbrio entre fruta, acidez e taninos logo que chegam ao consumidor. Nesses casos, o tempo em garrafa pode prejudicar mais do que valorizar.
Em contrapartida, existem vinhos que necessitam de tempo para contar a suas histórias. Os Grand Crus da Borgonha, os Crus Classés de Bordeaux, os grandes Barolos, Barbarescos e Brunellos di Montalcino se beneficiam com os anos de evolução na garrafa para expressar o melhor dos seus aromas e sabores, sensações que só são proporcionadas por um vinho maduro.
Como a situação dos vinhos citados acima são exceções da regra, privilégio para poucos, vale levantar a questão da necessidade real de envelhecimento dos vinhos “normais”. O renomado crítico de vinhos Robert Parker chegou a escrever sobre a definição de longevidade do vinho, quando definiu o processo como a habilidade de, com o tempo, o vinho desenvolver mais nuances prazerosas, expandindo-se e suavizando-se em textura e, no caso dos tintos, apresentando uma integração com os taninos, revelando aromas e sabores mais atraentes, entregando uma complexidade adicional, de mais prazer, que gere mais interesse do que quando lançado. Resumindo a história, Parker sentenciou esse “milagre da garrafa” como um “caro exercício de futilidade”.
Uma vida curta (de 1 a 4 anos)
. Vinhos verdes.
. Varietais básicos de Sauvignon Blanc e Torrontés.
. Espumantes comuns, Proseccos e Cavas.
. Tintos leves e jovens, especialmente os do Novo Mundo, quase todos os tintos brasileiros, Chiantis e Valpolicellas básicos. Beaujolais (cuidado se for Beaujolais Nouveau, vinho elaborado para consumo rápido, em média em 6 meses).
Vinhos com uma vida mediana (entre 5 e 8 anos)
. Vinhos tintos do Sul da França.
. Vinhos tintos premium brasileiros.
. Varietais de Sangiovese, Cabernet Sauvignon, Malbec e Pinot Noirs mais simples.
. Vinhos tintos de gama média, do Alentejo e Dão, em Portugal.
. Champagnes não safrados.
. Vinhos básicos de Bordeaux e Borgonha.
Vinhos com uma boa história (entre 8 e 12 anos)
. Tintos Reservas da Espanha e de Portugal.
. Champagnes safrados, Chablis 1er Cru.
. Vinhos superiores elaborados com Syrah, Merlot e Cabernet Sauvignon.
. Vinhos de Bordeaux e Borgonha com Denominação de Origem.
. Vinhos premium do Novo Mundo: África do Sul, Argentina, Austrália, Chile, Nova Zelândia e Uruguai.
Vinhos para guarda, de meditação (12 anos ou mais)
. Vinhos superiores e de safras excepcionais de Bordeaux e Borgonha.
. Grandes italianos: Supertoscanos, Barolos e Brunello de Montalcino.
. Vinhos Gran Reserva.
. Vinhos fortificados, como Madeira, Porto e Jerez.
. Grandes vinhos portugueses, em especial os do Douro, do Velho e do Novo Mundo.
“Como os seres humanos, cada vinho encontra a sua maturidade em um momento diferente.”
*Matéria publicada originalmente na edição 212 da revista TOPVIEW.