ESTILO

Cogumelo porcini vira ingrediente em restaurantes

O produto é colhido em Santa Catarina por uma 
empreendedora e fornecido para ambientes estrelados pelo Guia Michelin

“Semana que vem vou colher cogumelos me arrastando no chão”, diz a loira Larissa Bunn Gugelmin no meio da floresta de pinheiros plantados simetricamente. O dia começou com o sol, mas logo ele vai baixar e entre essas árvores vai ficar mais frio e úmido.

Larissa, munida de cestas grandes de vime e de uma pequena faca, está ligada nas condições de clima e solo, que se mostram favoráveis a fazer eclodir cogumelos no momento. Ela está conosco e com o inquieto chef Daniel Redondo (que divide com Helena Rizzo, a melhor chef mulher do mundo segundo a revista Restaurant 2014, a cozinha do estrela Michelin Maní em SP) na missão de encher cestos de fungos saborosos – exatamente como Larissa fazia quando morava perto dos Pirineus, entre Espanha e Andorra. Foi por lá também que Daniel Redondo, catalão, cresceu colhendo os dele junto com o pai – e agora ele garante: esses daqui são até mais gostosos.

Que esses cogumelos são de babar de deliciosos ele já havia confirmado um dia antes, quando defumou e temperou alguns pra gente na casa da fazenda da família Bunn Gugelmin logo depois de passarmos menos de uma hora buscando os fungos pelo campo – e até chutando alguns sem saber que mandávamos pelos ares algumas centenas de reais (o quilo pode chegar a R$ 350).

“Anos atrás a gente chutava os cogumelos por aí só para vê-los estourando e aquele pó subindo”, confessou o pai de Larissa, que ajeitava as coisas na cozinha usando só uma camiseta, habituado às temperaturas quase negativas de Otacílio Costa (SC), perto de Lages, onde fica a propriedade da família.

Os Bunn Gugelmin vivem há anos nessas terras onde criam gado, plantam pinus e cultivam sua cultura meio gauchesca, meio alemã com pitadas tropeiras (as lindas fazendas da região guardam as marcas  das tropas  que conduziam gado entre o Rio Grande do Sul e São Paulo no século 17).

Sempre tiveram cogumelos de todo jeito crescendo a seus pés. Mas só pararam de ver a coisa como brincadeirinha quando Larissa, então advogada, foi morar perto da cordilheira dos Pirineus – na cidadezinha catalã de La Seu D´Urgell – e caiu de amores por um hobby muito comum na região: catar fungos  silvestres comestíveis. Larissa não levou muito tempo para perceber que ao invés de chutar os fungos que brotavam em casa, ela deveria era colhê-los.

Uma luzinha se acendeu na cabeça da advogada… O suficiente para que dali a alguns meses ela trocasse a carreira por luvas e galochas em uma nova missão: catadora de cogumelos na terra natal e fornecedora da iguaria fresquinha para alguns dos mais conceituados restaurantes de alta gastronomia do Brasil – foi desse jeito que conheceu Daniel Redondo e Helena Rizzo do Maní, assim com Alex Atala do D.O.M. (seu primeiríssimo cliente).

Fornecer o produto desidratado e em pó para o descolado shopping gastronômico Eataly, em São Paulo, viria depois. Antes Larissa precisou  estabelecer uma relação séria com suas terras. Isso implicou em buscar orientação e estudar profundamente os fungos que cresciam ali.

Conta ela que trouxe alguns esporos (células de reprodução) de cogumelos silvestres dos Pirineus e jogou na propriedade de Otacílio Costa. Mas ninguém sabe exatamente se foi por isso que este que é chamado de rei dos cogumelos – o famoso e refinado funghi porcini ou Boletus edulis –  cresceu.

Essa variedade silvestre que não permite o controle humano para cultivo já poderia estar lá há muito tempo. Coube a especialistas, chamados por Larissa, a certificação dos Boletus. Isso foi importante porque na propriedade crescem muitos cogumelos, incluindo aqueles tóxicos que enganam pela belezura e às vezes aparecem em desenhos infantis com chapéu vermelho de bolotas brancas. Crescem também os Lactarius deliciosus – devidamente catalogados pela ciência, mas não comercializados pela Bunn Gourmet. Esses, nós colhemos e comemos na ocasião preparados pelo chef Dani com azeite, alho e minifolhas verdes.

A MÁGICA DA COLHEITA

A mágica começa quando os catadores dão leves batidinhas no “chapéu” dos cogumelos antes de puxá-los da terra. Isso lança ao chão alguns esporos quer irão se conectar a quilométricas raízes (micélios) estendidas pelo subsolo. Ali, elas esperam por aquelas condições climáticas que fazem Larissa se esbaldar colhendo cestas e mais cestas dos mais belos, carnudos e autênticos funghi porcini. Essas criaturinhas são exigentes… Só eclodem mesmo na união das condições perfeitas com a época que antecede o inverno. Às vezes em grande quantidade, às vezes em menor. E só por três meses. Mas nesse curto espaço de tempo, Larissa ganha o ano. E a gente ganha saborosos porcini made in Brazil.

Da terra para o prato

A primeira colheita de funghi porcini Bunn ocorreu em 2014. Entusiasta da alta gastronomia, na época ela procurou sem pestanejar ninguém menos que Alex Atala como primeiro cliente. “Levei os cogumelos num saquinho de papel porque eles são sensíveis”, diz ela. O chef gostou e Larissa lançou-se no negócio. A logística é um desafio, pois a iguaria deve chegar aos restaurantes em 24 horas para ser consumida fresca e em seu pleno sabor. Vai tudo pelo correio.

A embalagem também se tornou objeto de pesquisa de Larissa porque os fungos são sensíveis e não podem sofrer variações de temperatura. Ano passado uma tonelada de cogumelos Bunn foi colhida e enviada fresca e desidratada para endereços descolados como Fasano, Maní, Tuju, Lasai, Eataly… Também está à venda para o consumidor final via site. O quilo do funghi porcini catarinense gira em torno de R$ 350.

*Matéria publicada originalmente na edição 189 da revista TOPVIEW. 

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