ESTILO ARQUITETURA & DECORAçãO

Entre o rigor e o subjetivo

Jovem artista apresenta arte com texturas e grafismos para criar pontes com a arte abstrata geométrica brasileira

A arte abstrata, gestada nas vanguardas artísticas do século XIX e continuamente reelaborada até os nossos dias, foi a mais grandiosa e arrebatadora mudança de paradigma já presenciada no campo das artes. Inicialmente, entendemos como abstrato tudo o que não buscasse uma transposição realista do objeto retratado, sendo o abstracionismo geométrico uma de suas vertentes mais longevas, ao se tornar um dos eixos centrais da produção artística do século XX.

Em 1930, o holandês Theo Van Doesburg confunde os sinais e observa que a verdadeira pintura abstrata é aquela dita realista e sai em busca de um novo nome para o abstracionismo geométrico, rebatizando-o de Arte Concreta, ou seja, a representação concreta de coisas abstratas e declara:

“pintura concreta e não abstrata, pois nada é mais concreto, mais real que uma linha, uma cor, uma superfície… Uma mulher, uma árvore, uma vaca, são concretos no estado natural, mas no estado de pintura são abstratos, ilusórios, vagos, especulativos, ao passo que um plano é um plano, uma linha é uma linha, nem mais nem menos.”

No Brasil o manifesto do Grupo Ruptura de 1952 marca o alinhamento de nossos artistas aos princípios do movimento concreto internacional, seguido pela dissidência carioca, auto-intitulada Neoconcreta, alguns anos mais tarde.

(Foto: Douglas Scirea)

O nosso convidado deste mês é o jovem artista Douglas Scirea, que vem se movimentando com desenvoltura e segurança no seguimento destas tradições. Suas obras em pequenas dimensões, muitas vezes desdobradas em dípticos e polípticos, nos revelam uma aguda percepção da divisão espacial e cromática de suas áreas e superfícies, estruturadas com ritmo e vigor.

O resultado elegante, preciso e econômico, cria pontes com a arte abstrata geométrica brasileira, desenvolvida por grandes mestres tais como Eduardo Sued ou internacional como o alemão Josef Albers. Sem, contudo, deixar inteiramente de lado os caminhos mais líricos do abstracionismo, o artista nos surpreende com trabalhos mais experimentais e subjetivos onde algum acúmulo de matéria, ou texturas e grafismos não geométricos, se revelam. Um trabalho que entusiasma, e até aqui, bastante promissor. Boa fruição e leitura!

Memória cromática 

Costumo ter de pronta entrega uma resposta, quando sou questionado sobre o que é meu trabalho: no estudo da cor, exploro o contraste e a semelhança das cores. A similitude, costumo falar desse jeito. E faço isso mesmo, nesse exercício de trazer luz para algo que em sua essência não tem. Tudo isso não está errado, mas, sempre falo isso da boca para fora. No fundo, o que me interessa é saber como essa ou aquela cor chegou aonde chegou. 

Nesse sentido: qual caminho ela percorreu até estar aqui? Não quero pintar sobre o amor, pela falta, sobre a dor ou até mesmo para felicidade. Isso de verdade não me importa. Não me sinto confortável em dizer como alguém deve ou não se sentir, quer dizer, não dou significados — ou ao menos não busco dar por meio da minha pintura —, que exprimam sentimentos universais. Porém, não nego que nesse espaço bidimensional exista uma construção subjetiva de minhas memórias. Nesse sentido, não produzo a pintura, a pintura já está aí. O que me prende é questionar. 

E é na série “Cadeiras de praia da praia que não tenho”, que venho materializando isso nos últimos três ou quatro anos. São trabalhos essencialmente de cor, mas que revelam objetos da realidade cotidiana de algumas pessoas, de algumas memórias e de alguns lugares. Nesse sentido, eu não reproduzo exatamente cadeiras de praia, eu crio padrões por meio de faixas sólidas de cor que se fazem passar por esse objeto ordinário.  Sabe? No fundo, honestamente, meu trabalho é o de fazer perguntas sem resposta. E como faço isso? Apresentando uma cor para outra. Nesse sentido sou um intermediador

(Foto: Douglas Scirea)

– Douglas Scirea

MINIBIO 

Douglas Scirea é natural de Palmas, sudoeste do Paraná, 1991. Desde 2010 reside em Curitiba. É graduado em História pela Universidade Federal do Paraná, onde se aproximou das discussões acadêmicas da arte ao estudar o cinema de animação americano do início do século XX.

Em 2018, passa a se dedicar ao estudo das cores. Autodidata em pintura, ano após ano, se debruça sobre alguns pontos: contraste, semelhança, temperatura e, mais atualmente, a umidade cromática. Destaca como exposições recentes “Três Pedras n’Água Para um Círculo Perfeito” (SESC Paço da Liberdade, 2020) e “Meia Luz” (produto do Projeto 75 m², 2021), ambos sob curadoria de Marina Ramos. 

Douglas Scirea. (Foto: acervo pessoal)

*Coluna originalmente publicada na edição #252 da revista TOPVIEW.

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