A revolução cubana de Los Carpinteros chega a Curitiba
Los Carpinteros: Objeto Vital é a nova exposição que o Museu Oscar Niemeyer (MON) recebe, a partir de terça-feira, 22 de agosto. Quem traz a novidade à Curitiba é o coletivo artístico Los Carpinteros, formado por Marco Antonio Castillo Valdes e Dagoberto Rodríguez Sánchez (Dago). Os amigos se conheceram no Instituto Superior de Arte em Havana, Cuba, em 1990. E em entrevista exclusiva à TOPVIEW, realizada no próprio MON, eles falam sobre a revolução que estão fazendo na arte cubana.
TOPVIEW: O que o nome Los Carpinteros fala sobre vocês?
Los Carpinteros: O nome foi uma adoção, pois reflete nossa estratégia de trabalho. Vínhamos de um contexto como Cuba, onde a arte foi bastante incomodada porque ela também incomodava. Este enfrentamento terminou com os artistas indo embora. Ficou um vazio cultural. Foi quando nos conhecemos na universidade. Queríamos romper com tudo isso e começamos a criar uma estratégia de sobrevivência, dirigir o olhar a outra direção. Nos comportávamos como artesãos, carpinteiros. Começaram então a nos chamar assim. Anos depois, percebemos que todo mundo nos chamava de Los Carpinteros, aí adotamos o nome.
TV: Vocês utilizam muito a arquitetura e o design em suas obras. Como eles dialogam com um museu como o Oscar Niemeyer, de arquitetura tão distinta?
LC: Oscar Niemeyer era um artista. Por isso, seus museus são muito difíceis para os artistas. Ele tinha tanto talento e potência, que muitas vezes compete com a arte. Por outro lado, ele também se alimenta de fontes que nós nos alimentamos: a escultura monumental e a arquitetura socialista. Vivemos isso quando éramos crianças, observávamos aqueles monumentos socialistas que indicavam o futuro; toda a obra de Niemeyer está carregada deste olhar futurista. Fizemos uma série de obras inspiradas em monumentos socialistas que convertemos em esculturas banhadas em Lego. Tinha a ver com nossa infância e a monumentalidade socialista, e me recordou muito o trabalho de Niemeyer.
TV: A exposição é dividida em três blocos, dedicados a momentos diferentes do trabalho de vocês. Que leitura vocês fazem da carreira vista em retrospectiva?
LC: As retrospectivas são complicadas, porque não expõem tudo. Esta é uma das leituras possíveis, e está muito boa: há uma etapa com nossa obra inicial, que inclusive está sendo exposta fora de Cuba pela primeira vez. Depois há outra etapa, preocupada com o artesanato; uma etapa conceitual, com objetos encontrados; e uma mais completa, em que produzimos os objetos.
TV: Recentemente vocês começaram a usar o vídeo como arte. O que ele permite a vocês explorarem?
LC: Normalmente nossa obra é focada no objeto, sem presença humana. Por princípio evitamos representar: se há um cubo de água, não é a representação de um cubo de água; se usamos um avião, conseguimos um avião de verdade. Portanto se queremos trabalhar com o ser humano usamos alguma performance com pessoas reais ou a documentação desta em vídeo.
TV: Com as fases de sua obra assim divididas, qual seria a próxima fase?
LC: É complicado dizer qual é a próxima coisa que vamos fazer porque sempre improvisamos no caminho.Temos muitas linhas de trabalho. Uma destas é o desenho, que sempre nos acompanhou muito. São ideias que queríamos deixar encarnadas, porém não havia condições em Cuba, então criamos um arquivo para quando pudéssemos construí-las. São muitas ideias, então o melhor seria produzir alguma delas.
TV: Suas obras são conhecida por fazer críticas sociais. Como pode a arte expor os momentos históricos que temos passado?
LC: A arte não muda nada, é uma especulação do que passou, do que está passando e do que vai passar. É uma reação alérgica à sociedade. Os artistas são bastante arrogantes, pensam que são capazes de mudar as coisas, mas os que podem fazê-lo não o fazem muitas vezes, e o Brasil é um exemplo disso. Mas é uma atitude linda, porque alguém tem que fazê-lo, alguém tem que pensar diferente, tentar refletir. É isso que a arte faz: reflete e materializa em obras de arte.
TV: O que lhes chama a atenção na arte brasileira?
LC: O conceitualismo dominou a arte nos últimos anos, como uma ditadura. Porém o brasileiro conseguiu fazer uma arte com aspectos conceituais potentes, mas também tão bonita. Isso me chamou a atenção na arte brasileira, é lindíssima, tem muito sabor, como tanta coisa que fazem os brasileiros.
TV: Como a história recente de Cuba influencia a arte de Los Carpinteros?
LC: Nossa arte tem um ponto de partida em Cuba, porém vivemos muitos anos fora, viajando. Não somos artistas naif encontrados em uma ilha do Caribe e tirados de lá. Porém, nosso trabalho tem sempre uma fonte. Cuba viveu, nos últimos 60 anos, um sistema que muitos países pensam ser a solução para o futuro. E temos resposta para isso pelo que vivemos. Conhecemos muito bem ambas sociedades, podemos dizer os prós e os contras. E portanto viver e pensar em Cuba é uma fonte de inspiração constante. Temos aqui uma obra recente que é La Conga Irreversible. Essa peça pensamos fora de Cuba. É uma conga de carnaval com uma escola que dança para trás e canta ao contrário, a música também foi composta ao contrário, então você tem uma sonoridade particular toda projetada a partir de um padrão conceitual que se altera, evidentemente inspirada na situação cubana. Dançou-se quatro vezes, e tivemos um grande público, foi um momento muito emocionante, como um statement político, só que entrevelado pelo folclore.
TV: O que vocês querem que o público extraia dessa exposição?
LC: Nos encantaria que o público tenha ideia do que foi nossa vida através destes objetos. Viver em um país socialista te traz uma reflexão acerca da vida material muito diferente à de um brasileiro. Esperamos que isso faça o público refletir sobre os objetos que o rodeiam, este mundo artificial que os rodeia. Objetos não são somente para comprar, têm valor cultural.