A beleza exuberante da África do Sul
É claro que ainda são visíveis as cicatrizes do regime de segregação racial (o Apartheid), interrompido em 1994 com a primeira eleição multirracial e a ascensão do célebre ativista Nelson Mandela a presidente do país. Mas a África do Sul é muito mais do que uma história dramática: o maior PIB do continente africano tem aos poucos superado seus estigmas e estereótipos para revelar-se um dos países mais fascinantes do mundo.
Holandeses, britânicos, sul-africanos de várias tribos, indonésios trazidos de outras colônias holandesas e, mais recentemente, imigrantes de outros países africanos marcam o país com sons, sotaques, temperos e costumes que agora mais do que nunca se misturam sem medo nem pudor. Só de idiomas oficiais há 11, junto com o inglês e o inconfundível xhosa, carregado de estalos de língua.
De boa gastronomia e vinhos célebres, à natureza selvagem com safáris e cidades cosmopolitas, a África do Sul é um caldeirão de possibilidades e paraíso para viajantes de todos os budgets. Além disso, corresponde às expectativas de quem pretende viajar também com muita pompa e circunstância.
Cidade do Cabo, o Rio de Janeiro do lado de lá
Aos pés da Montanha da Mesa – platô que paira sobre a cidade como se fosse rabiscado com uma régua –, Cape Town é uma espécie de Rio de Janeiro, dona de um singular estilo de savoir vivre: se de um lado marcas do passado lembram um bocado do drama histórico sul-africano, de outro há entusiasmados brasileiros em intercâmbio, vida noturna vibrante, muito surfe nas praias, tubarões (?!), vinícolas de prestígio mundial e um cenário natural que faz desse destino (quem iria imaginar?) umas das mais recorrentes locações para filmes e séries famosas – Homeland e Diamante de Sangue estão entre eles.
1. Table Mountain ou Montanha da Mesa
Esotéricos acreditam que não só os seres humanos possuem vértices de energia (chakras) alinhados pelo corpo, mas que também o planeta Terra tem os seus. A Montanha da Mesa, um platô de 1.086 metros de altura que se estende entre o oceano e a cidade (e que, bem, tem forma de uma mesa), seria um desses pontos energéticos. Quem compartilha da crença sente, no topo da montanha, a energia da terra africana sob os pés como se estivesse recebendo um grandioso presente da vida.
Para os céticos, o sentimento não seria diferente, dado o panorama espetacular lá do alto – aonde se chega de bondinho giratório – que inclui a cidade, o porto e o sol mergulhando no mar no fim do dia. Para acompanhar o pôr do sol da Montanha da Mesa, vale lembrar que naquela altitude o espetáculo vem com um frio de rachar. Leve casaco. Preço: R100* a R240 (ida e volta) R53 a R125 (só ida).
2. Waterfront
Diamante de Sangue, drama político e de guerra estrelado por Leonardo DiCaprio, Djimon Hounsou (indicados para o Oscar de melhor ator e ator coadjuvante) e Jennifer Connelly, foi filmado no vizinho Moçambique e na África do Sul. Uma das cenas finais – quando os personagens de Jennifer e DiCaprio conversam por telefone enquanto ele morre lentamente – pode ser reconhecida no Waterfront, o complexo de lojas, restaurantes e mercado na zona portuária da cidade.
Com a Montanha da Mesa ao fundo, Jennifer protagoniza uma das cenas mais dramáticas desse filmaço. Também é no Waterfront que estão as estátuas de quatro cidadãos sul-africanos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz: o ativista Albert Luthuli, o arcebispo Desmond Tutu, Frederik de Klerk (presidente da África do Sul de 89 a 94 e último branco a ocupar o cargo) e, claro, Nelson Mandela.
3. Victoria Road
O trecho de cerca de 80 quilômetros que liga o centro de Cape Town ao Cabo da Boa Esperança frequentemente serve de locação para filmes de cinema e publicitários. Essa é uma das estradas mais espetaculares do mundo. Estreita, sinuosa e espremida entre o mar e encostas rochosas, passa por praias soberbas – algumas com tubarões e surfistas.
Ao longo do caminho, avisos colocados por cuidadosos observadores visam evitar que as duas espécies se encontrem no mesmo lugar e na mesma hora. Não é segredo nenhum que as águas geladas daqui são infestadas de tubarões, principalmente o temido Great White – sim, o tubarão do filme de Steven Spielberg. Voltando à estrada, tem gente que aluga carro vintage ou motos iradas para rodar por lá.
4. Cabo da Boa Esperança
Quando a Victoria Road se transforma em Chapman’s Peak Drive, o caminho segue por um imenso parque nacional rumo ao Cabo da Boa Esperança – aquele ponto geográfico que, desde a escola, muitos conheceram como a remota ponta da África que açoitava com tormentas as embarcações de intrépidos navegadores (como os portugueses Bartolomeu Dias e Vasco da Gama) em busca do caminho marítimo para as Índias.
O lugar foi eternizado por Luís Vaz de Camões que, em Os Lusíadas, substitui o fenômeno natural pelo implacável monstro mitológico Adamastor. Acontece que, ao contrário do que aprendemos na sala de aula, o Cabo da Boa Esperança não é nem o ponto mais ao sul do continente africano e nem a divisão entre os oceanos Atlântico e Índico. Os dois títulos pertencem ao Cabo das Agulhas, um pouco mais ao leste. Passe pelo Cabo da Boa Esperança, faça sua selfie e siga para Cape Point, onde, de um mirante, você fará fotos espetaculares do mar furioso tocando a África.
5. Ilha Robben
Com a implantação do Apartheid em 1948, a Ilha Robben, de onde se chega em meia hora a partir do porto de Waterfront, foi transformada em prisão de segurança máxima para condenados por crimes políticos – e são alguns deles que fazem o tour contando histórias de horror político e racial, incluindo a convivência com Nelson Mandela, seu ocupante mais ilustre e que ali esteve por 27 anos. Preço: R180 a R320
6. Race Classification Appeal Board
Entre 1950 e 1991, cidadãos eram aqui rotulados numa escala de “raças” que lhes concedia ou negava direitos. A classificação, subjetiva, separava até crianças com peles mais escuras que as dos pais. O caso mais emblemático foi o da criança Sandra Laing. Apesar dos pais brancos foi classificada como de cor e expulsa de um internato só para brancos. Sua história é contada no filme Skin. Bancos públicos separados para grupos raciais foram um sintoma da era Apartheid e há dois deles em frente ao tribunal.
7. Stellenbosch e winelands
Stellenbosch está encravada na região conhecida como Cape Winelands, ou Vinhedos do Cabo – grande área produtora de vinhos da África do Sul. A 40 minutos de carro da Cidade do Cabo, foi fundada pelos holandeses em 1679 e é isso que a faz tão diferente: ao longo de ruas arborizadas, a arquitetura holandesa, georgiana e vitoriana reflete três séculos de ocupação.
Além disso, a Universidade de Stellenbosch, uma das mais conceituadas do mundo, é também um célebre centro de aprendizagem para fabricantes de vinho. Ao redor de Stellenbosch, mais de 150 vinícolas e propriedades abrem as portas a visitantes para que se possa relaxar, beber e comer – muuuuuito bem – no ambiente dos vinhedos. O cúmulo do glamour é fazer esse passeio com os carros antigos da Time Warp Car. Preço: a partir de R2.800/dia.
Uma chance a Joanesburgo
Jo’burg, como é carinhosamente chamada por seus moradores, nasceu na corrida do ouro nos anos 1880. Cresceu cosmopolita, tornou-se a maior cidade da África do Sul e, não, nunca foi a capital do país como muitos pensam. Fascinante do ponto de vista histórico e político, mergulhou em mais discórdia e crimes quando o Apartheid terminou nos anos 1990. O tempo tem se encarregado de mudar isso e a verdade é que Joanesburgo merece mesmo uma chance. Dois dias visitando o mítico Soweto, o descolado Maboneng e o Museu do Apartheid vão despertar tanto amor que você sairá daqui chamando essa metrópole durona por seu singelo apelido também.
1. Soweto
Durante o Apartheid os negros foram obrigados a viver longe dos brancos em zonas residenciais que mal dispunham de estrutura básica como energia elétrica ou sistema de esgoto. Chamadas de townships, ao longo dos anos essas cidades negras ganharam importância na herança cultural da África do Sul, existem até hoje e a mais emblemática delas é Soweto.
A quase 20 quilômetros do centro de Joanesburgo, com cerca de 3,5 milhões de habitantes, Soweto foi lar de dois prêmios Nobel da Paz (Nelson Mandela e o arcebispo militante Desmond Tutu, cujas casas são abertas à visitação na rua Vilazaki). Também guarda o emocionante memorial Hector Petersen: tributo a um garoto de 13 anos morto pela polícia durante um protesto de estudantes que estourou em 1976 contra a imposição do afrikaans (idioma derivado do holandês) nas escolas sul-africanas. A igreja católica Regina Mundi lembra o episódio sangrento – que provocou centenas de vítimas – com marcas de bala que perduram até hoje nas paredes. Os vitrais e um guia da igreja contam o episódio com detalhes. Depois da queda do Apartheid as condições em Soweto começaram a melhorar e o lugar passou a utilizar seu legado de centro da luta pela igualdade para atrair o turismo internacional.
Um passeio por lá revela pobreza sim, mas também uma boa parte de casas de gente que já ascendeu à classe média. O colorido está em toda parte. Na mitológica rua Vilazaki, restaurantes fervilham com grupos de turistas e moradores saboreando pratos típicos como chakalaka (um molho apimentado de feijões e vegetais), ensopados de carne, purê branco de milho; jovens artistas circulam pelo quarteirão, apresentando números de dança e música; barraquinhas vendem lembranças e artesanato… Não longe dali, dá para ver as Orlando Towers, torres da antiga central elétrica, grafitadas e apoiando uma ponte com bungee jump, enquanto lá embaixo o pessoal come churrasco (braai).
2. Maboneng
Cimento surrado, pilastras de um viaduto grafitadas, edifícios velhos, concreto remendado… Mas, não, o cenário desse bairro no meio da metrópole não é desolador. A gente estilosa que circula por essas ruas coloridas, salpicadas de feiras, mercados de comida, restaurantes e cafés moderninhos, galerias de arte e lojas de produtos de design, determina o astral contagiante do superhype, desencanado e multicultural Maboneng.
Antes zona de fábricas e armazéns abandonados, Maboneng caiu nas graças de um jovem empreendedor local arrebatado por ideias de regeneração urbana aos moldes do londrino Shoreditch ou de Williamsburg (em Nova York) a fim de fazer diferente diante da onda de crimes e insegurança que invadiu Joanesburgo quando a segregação racial foi extinta nos anos 90. Deu no que deu. Parada obrigatória para curtir a África do Sul pós-Apartheid.
3. Museu do Apartheid
Como a África do Sul está fazendo as pazes com seu passado e transformando a cruel lembrança de uma nação que separava seres humanos pela cor da pele, nas perspectiva de um futuro pacífico? Essa é a história que se conta dentro do Museu do Apartheid. Já na entrada, o visitante é classificado de acordo com o tom da pele e direcionado à porta que o corresponde.
Lá dentro, cenas fortes de um acervo multimídia – incluindo atentados e execuções – revelam como era a vida sob o regime segregacionista e dá a dimensão da falha que a humanidade cometeu ao promover o Apartheid. Inútil classificar a atração como obrigatória. Preço: R35 a R80
4. Constitution Hill
Mais do que a casa da Corte Constitucional da África do Sul – o processo de impeachment do presidente Jacob Zuma estava sendo julgado aqui durante os dias de nossa visita, a Constitution Hill paira sobre Joanesburgo tendo sido um complexo prisional centenário que abrigou vários líderes da luta pela libertação sul-africana em épocas distintas – entre eles Nelson Mandela, mineiros em greve, jovens presos no Levante do Soweto em 1976.
Até o pacifista indiano Mahatma Ghandi foi um deles. Ele viveu em Joanesburgo durante anos e aqui refinou sua consciência social e formulou seu Satyagraha: a filosofia de resistência passiva que o transformou de um advogado tímido em líder extraordinário. Circule pelo local, conheça o salão da Corte e reverencie os líderes lembrados pela chama eternamente acesa. Preço: R90
5. Top of Africa
Dizem que é o arranha-céu mais alto da África ou pelo menos um deles. O que importa é que do 50º andar do Carlton Centre é possível ver toda Joanesburgo: as minas de ouro, o famoso estádio de rúgbi eternizado no filme Invictus, o estádio de futebol lembrando a Copa do Mundo de 2010… Preço: R15
6. Mandela Square
A estátua de um Nelson Mandela de seis metros de altura domina essa praça repleta de lojas, shoppings, hotéis e restaurantes.Lugar seguro e confortável para fazer comprinhas de souvenirs. Passe no mercado para comprar vinhos maravilhosos e baratinhos (a coisa começa em R30), chocolate e outras coisinhas sul-africanas como o biltong – a típica carne seca que pode ser de animais de caça, springbock (antílope), avestruz, vaca… Num dos cantos da praça, explore a badalada delicatessen The Butcher Shop & Grill e escolha o biltong e os droëwors (linguiça seca) de sua preferência.
Sun City e Pilanensberg – luxo e safári
Animais selvagens vagando livremente – e ao seu lado. O fascínio pelo safári é universal. E a duas horas de Joanesburgo é possível viver essa aventura porque há alguns milhares de anos um vulcão se extinguiu deixando lá uma enorme cratera perfeitinha para abrigar a bicharada sul-africana. Na nossa era, o lugar ganhou o nome de Parque Nacional de Pilanensberg e tornou altíssima a possibilidade de avistar os Big Five – apelido oficial da “turminha” considerada a mais difícil de ser caçada pelo homem: leão, rinoceronte, búfalo, elefante e leopardo. Nós vimos alguns.
Do chacoalhar de alguns arbustos, esperamos uma surpresa. Ela veio na forma de um majestoso elefante com longos marfins passando ao lado do nosso carro. Dali em diante, foram dando o ar da graça zebras brincando, gnus correndo, rinocerontes desconfiados… Até surgir a família de leões em plena refeição matinal: com os rostos manchados de sangue, devoravam um gnu recentemente abatido. Quem diria, até um sósia do javali Pumba (o famoso personagem do filme O Rei Leão) passou ao lado do nosso carro.
Os pacotes de safári por Pilanensberg costumam incluir dois passeios, um pela manhã e outro no fim da tarde, quando a atividade dos bichos é mais intensa. Hospedar-se nos arredores é fácil. Sun City, o extravagante complexo de hotéis e entretenimento da região, é uma opção. Lá dentro, o suntuoso Palace of The Lost City inspira-se em antigos palácios reais e não economiza em refeições incríveis, no luxo e na arquitetura de impressionar com recursos ambientais e temas mitológicos com esculturas de animais selvagens em tamanho real.
COMO CHEGAR E CIRCULAR
Há voos de 8 horas da South African Airways (www.flysaa.com) entre São Paulo e Joanesburgo a partir de 759 dólares mais taxas. De lá, a companhia se conecta com todos os outros maiores centros turísticos do país como a Cidade do Cabo, Durban, Port Elizabeth e até a região onde está Sun City. Para quem vai explorar o destino de carro, o país tem ótimas estradas, mas é bom lembrar que aqui vale a mão inglesa. Ótimas companhias de turismo receptivo atendem turistas com transfers e guias. A Kobo Safaris tem guias brasileiros que moram lá e conhecem cada canto que vale a pena.
O PRECINHO DAS COISAS
• Um bom vinho nos
supermercados: R60
• Uma porção de biltong (carne seca)
no supermercado: R100
• Um jantar num restaurante bom: R300
• Um almoço no Soweto: R85
• Degustação básica nas winelands: R50
• Entrada com carro próprio para safári em Pilanensberg: a partir de R65
• Diária no Palace of the Lost Sun City com saídas para safári: a partir de R2000. Mas há pacotes e promoções o ano todo.
A jornalista viajou a convite do Ministério de Turismo da África do Sul (www.southafrica.net) e da South African Airways, e teve apoio da Kobo Safaris (www.kobo-safaris.com)