ESTILO

10 horas em Berlim

Nossa editora aceitou o desafio de visitar Berlim por um dia com €50 no bolso

A Top View aceitou um desafio em Berlim, na Alemanha. Convidada pelo departamento oficial de turismo Visit Berlin para visitar a cidade por um dia com €50 e narrar experiência, enviou a editora Juliana Reis para um roteiro express. Como há muito a se ver na cidade, a escolha foi mergulhar na história básica de Berlim – mas explorando o assunto em detalhes. Ela narra o dia aqui:

O MURO DE BERLIM NA BERNAUER STRASSE

Para começar a compreender a relação do Muro de Berlim com os cidadãos, a área da Bernauer Strasse (Rua Bernauer) é uma boa escolha.
Para começar a compreender a relação do Muro de Berlim com os cidadãos, a área da Bernauer Strasse (Rua Bernauer) é uma boa escolha.

Para começar a compreender a relação do Muro de Berlim com os berlinenses, a área da Bernauer Strasse (Rua Bernauer) foi a escolha. O símbolo da divisão da Alemanha – e do mundo em dois blocos, o capitalista e o comunista – finalmente veio abaixo em 1989 na sequência de uma escalada de protestos contra a ordem mundial imposta pela Guerra Fria naquele final de década. A construção da parede em 1961 pelos alemães orientais isolou Berlim Ocidental como uma uma ilha capitalista no Leste Europeu. Centenas de pessoas perdendo a vida na fronteira tentando escapar da ditadura do leste por razões econômicas e políticas colocaram o muro no imaginário de gente do mundo inteiro por décadas. Ver onde ele ficava e entender as consequências dessa divisão é o que leva muitos a Berlim ainda. Seu curso com mais de quarenta quilômetros de extensão não está documentado continuamente na paisagem urbana atual, mas fileiras de paralelepípedos marcam o trajeto da parede em várias partes da cidade. A história darua Bernauer ilustra o impacto que o Muro de Berlim teve na cidade, como ele destruiu o espaço urbano e muitas vidas, e como separou literalmente família e amigos. Ao longo da rua e ao ar livre documenta-se a trajetória de quem desertou pelas janelas do edifícios que ficaram no meio do caminho e por túneis hoje demarcados. Está lá também famosa cena de fuga do soldado de fronteira Conrad Schumann: ele saltando por cima da cerca de arame farpado apenas dois dias depois que as barreiras começaram a ser erguidas na rua Bernauer. Uma torre que permanece sempre aberta permite uma visão aérea do cenário cortado pelo muro exatamente como era.

Preço: gratuito

A ESTAÇÃO DE METRÔ FANTASMA

A estação intocada Norderbanhof: desativada durante a Guerra Fria, ressurgiu "retrô".
A estação intocada Norderbanhof: desativada durante a Guerra Fria, ressurgiu “retrô”.

Quem morou na Berlim dividida pelo muro fez muitas vezes incursões pelo subterrâneo do território inimigo sem pedir autorização. É que a rede de metrôs já existia quando o muro foi erguido costurando a cidade irregularmente e tornando inevitável que algumas linhas passassem pelos dois lados. Ou seja, para atravessar Berlim Ocidental de uma ponta a outra era preciso viajar pelas estações no subsolo da porção oriental. Isso acontecia nas linhas U6 e U8. As estações orientais nesse trajeto, obviamente, seriam desativadas ganhando o apelido de estações-fantasma, e o metrô passava por elas sem parar. Pela janela os passageiros podiam vislumbrar os guardas fortemente armados prontos para evitar qualquer ideia de fuga. Era uma cena de guerra embaixo de Berlim. Até que se construíssem horrendas barreiras de tijolos dentro das estações, muita gente desertou de Berlim Oriental por seus corredores. No fim da Bernauer Strasse, a estação Norderbanhof é uma dessas. Mais do que uma parada de metrô comum, é como uma cápsula do tempo: de volta ao funcionamento, permanece com seu design antiquado. Lá dentro uma exposição de fotos detalha toda a inusitada situação.

Preço: gratuito

O LABIRINTO DO MEMORIAL AO HOLOCAUSTO

Um labirinto sufocante de concreto perto do Portão de Brandenburgo é uma abordagem poética sobre como sentiram as vítimas do Holocausto.
Um labirinto sufocante de concreto perto do Portão de Brandenburgo é uma abordagem poética sobre como sentiram as vítimas do Holocausto.

Um labirinto sufocante perto do Portão de Brandenburgo foi a terceira parada. É o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa. O design representa uma abordagem poética de como se sentiram as vítimas do Holocausto. Em uma área de 19 mil m², o renomado arquiteto novaiorquino Peter Eisenman colocou 2711 pilares de concreto de diferentes alturas tentando criar uma sensação opressora e de confusão para quem se movimenta pela obra.

Preço: gratuito.

ANTIGA TERRA DE NINGUÉM NA POTSDAMER PLATZ

Potsdamer Platz: a "Terra de ninguém" por 40 anos entre Berlim Oriental e Ocidental e hoje lugar arranha-céus e prédios futuristas.
Potsdamer Platz: a “Terra de ninguém” por 40 anos entre Berlim Oriental e Ocidental e hoje lugar arranha-céus e prédios futuristas.

Até a Segunda Guerra Mundial, a Postdamer Platz era uma das praças mais movimentadas da Europa e funcionava como interseção de linhas de bondes e ônibus. Quase completamente destruída durante a guerra, tornou-se o que se chama “terra de ninguém” por 40 anos: um terreno baldio no meio da cidade entre Leste e Oeste, pertencente a nenhuma das nações. Até dez anos atrás era um emaranhado de tapumes de onde nasceram os arranha-céus e prédios futuristas de hoje. Vale a contemplação. No subsolo, um shopping center serviu como parada para o almoço: currywurst (salsicha com curry), batatas fritas e um copo de cerveja a € 4,50.

Preço: gratuito; almoço € 4,50

NOSTALGIA NO NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ

Os padrões de decoração da Alemanha Oriental estampados num apartamento modelo
Os padrões de decoração da Alemanha Oriental estampados num apartamento modelo

Como era a vida na comunista República Democrática Alemã? Que roupa os cidadãos, proibidos de viajar a países capitalistas, usavam? Que música ouviam? O que comiam e o que compravam com seus salários controlados pelo governo? Como eram suas casas? A  “Ostalgie” (um neologismo alemão criado a partir das palavras ost, de leste, e nostalgie, de nostalgia) é a atração do DDR Museum (Museu da República Democrática Alemã – RDA). Lá, um enorme acervo de produtos poder ser tocado e sentido literalmente. Desde o apartamento mobiliado até uma sala de interrogatórios de uma prisão para suspeitos de não colaborar com o regime de retenção, passando por guarda-roupas e produtos alimentícios até o famoso carro popular Trabant, tudo pode ser manuseado. As peças, originais, foram doadas ao museu por famílias que viveram na RDA. Muita gente vai se surpreender com a moda colorida (apesar dos tecidos de pouca qualidade e da escassez de produtos que frequentemente abatia os países do regime). Estão lá até os famosos pepinos em conversa da RDA (os Spreewald Gurken) na mesma embalagem antiquada com que se apresentavam nas prateleiras quase vazias dos supermercados de Berlim Oriental nos anos 80 – e que aparecem no filme Adeus, Lênin. Reserve pelo menos 2 horas para mexer em tudo.

Preço: € 9,50. Com Berlin Card: € 6.

Pepinos em conversa da Alemanha Oriental como no filme Adeus, Lênin: o museu da DDR mostra até o que o cidadão comia e comprava
Pepinos em conversa da Alemanha Oriental como no filme Adeus, Lênin: o museu da DDR mostra até o que o cidadão comia e comprava

SOUVENIRS NA LOJA AMPELMANN

O lendário Ampelmann dos sinais de trânsito em Berlim tem história e loja
O lendário Ampelmann dos sinais de trânsito em Berlim tem história e loja

Impossível não reparar nos semáforos de Berlim iluminados com os homenzinhos chamados Ampelmännchen em verde ou vermelho. Na loja Ampelmann – especialmente na rua onde eles começaram a ser usados há décadas, a Unter den Linden – é possível comprar toda a sorte de souvenirs berlinenses. Ter um produto com um Ampelmann para chamar de seu é um desejo de quase todo mundo que conhece a trajetória desse ícone do design da Alemanha Oriental. Em 1961, o psicólogo Karl Peglau apresentou as suas sugestões em Berlim para novos símbolos de semáforo, incluindo os homenzinhos para as luzes de pedestres. Como psicólogo, Karl sabia da importância do efeito emocional que essas figuras de chapéu, nariz e barriguinha proeminente provocavam: estamos mais propensos a confiar em alguém de quem gostamos ou que se parece conosco. As autoridades da RDA gostaram da ideia e implantaram os sinais com o desenho de Karl. Quando as Alemanhas se unificaram, a eficácia dos Ampelmännchen estava comprovada e instalá-los por toda a Berlim tornou-se um dos símbolos da boa vontade com a reunificação. A loja tem lembrancinhas, acessórios para casa, objetos de decoração, tudo com o carismático homenzinho. Um capacho para a porta, por exemplo, custa € 20, mas explorar as vitrines e prateleiras é de graça. E bem divertido

O lendário Ampelmann dos sinais de trânsito pode ser levado pra casa
O lendário Ampelmann dos sinais de trânsito pode ser levado pra casa

Ampelmann Shop_Unter den Linden, 35. www.ampelmannshop.com

ESTAÇÃO FRIEDRICHSTRASSE OU PALÁCIO DAS LÁGRIMAS

Estação Friedrichstrasse: a grande passagem de fronteira entre as Berlins guarda histórias de gente tristes.
Estação Friedrichstrasse: a grande passagem de fronteira entre as Berlins guarda histórias de gente tristes.

Num ponto movimentado do distrito Mitte, essa estação exerce fascínio sobre os turistas. Seu apelido de Palácio das Lágrimas remete ao que aconteceu ali por décadas: durante a Guerra Fria, a estação Friedrichstrasse, além de receber trens vindos da Europa Ocidental com passageiros rumo ao temido Leste Europeu, foi a grande passagem de fronteira entre as duas Berlins. Histórias de gente que por algum motivo precisava cruzar a fronteira – famílias separadas, casais de namorados, diplomatas… – sem realmente saber se voltariam, uma vez que a fiscalização era linha dura, são contadas na estação transformada em museu com peças originais. Maletas com pertences pessoais, fotografias, cabines de oficiais…Tudo reproduz como era a estressante passagem sempre acompanhada de interrogatórios. Além disso, antes que o muro  fosse criado, muitas deserções do leste acontecerem por aqui. Em seguida, o alemães orientais adicionaram barreiras metálicas e de vidro para dividir as plataformas da estação Friedrichstrasse, que se tornou uma bizarrice internacional: ficou localizada inteiramente em Berlim Oriental, mas com algumas de suas plataformas de trem e metrô do outro lado e servindo apenas berlinenses ocidentais. Os passageiros muitas vezes tinham que fazer uma passagem de fronteira – sempre vista com desconfiança – quando se deslocavam de áreas dentro do próprio edifício.

Nas lojas subterrâneas comprei meu lanche rápido a € 3,50.  Doner Kebak,  o lanche que ser tornou um ícone berlinense, é carne assada, salada e molho de iogurte dentro de um pão pita – o pão de trigo tipo envelope que chamamos de pão sírio.  Há quem reivindique que essa versão de kebab envelopado  foi uma solução inventada aqui mesmo para para se comer em movimento acompanhando o ritmo corrido da cidade .  Berlim tem um quiosque de Doner Kebab praticamente em cada quarteirão.

Preço: gratuito

Preço do Kebab: € 3,50

A GALERIA-MURO A CÉU ABERTO

Eastside Gallery: o mais longo pedaço preservado do muro
Eastside Gallery: o mais longo pedaço preservado do muro

Terminei o dia, novamente, de frente para o Muro de Berlim, mas agora do lado oriental e num cenário bem diferente daquele da Bernauer Strasse. O mais longo pedaço preservado do muro, chamado de East Side Gallery, tem 1.316 metros e foi todo pintado por artistas internacionais em 1990, um pouco antes da Reunificação das Alemanhas, com imagens lembrando os acontecimentos políticos da época. É aqui que está a famosa imagem de um Trabant da Alemanha Oriental rompendo o concreto e o beijo entre o líder soviético Brejnev e o homólogo alemão oriental Honecker, pintura que se tornaria um símbolo da queda da cortina de ferro. Há quem defenda que este é o melhor lugar para ver o muro em toda sua autenticidade. Mas aí, cabe a cada um escolher seu pedaço predileto.

Preço: Grátis

Mühlenstrasse, 1, Friedrichshain.

Deixe um comentário