6 mulheres baristas por trás do café especial em Curitiba
A atriz curitibana Guta Stresser foi a mestre de cerimônias na abertura do 26º Festival de Teatro de Curitiba, em março. Em seu discurso sobre a importância das mulheres no cinema e no teatro, disse: “não é feminismo, é reintegração de posse”. Ao terminar de entrevistar as seis baristas apresentadas nesta reportagem, a frase de Guta ecoava na minha mente. Mulheres baristas, por aqui, não são novidade – a exemplo de Georgia Franco de Souza, nossa principal referência no assunto. Mas depois de um hiato regido por talentosos baristas – no masculino –, elas se reposicionam no justo posto de rainhas do café. Os rostos (nem tão) pouco conhecidos que você vê aqui estão acostumados a ser minoria, mas a cada novo café tirado enriquecem a cena local de cafés especiais.
Conheça seis mulheres baristas:
Amanda Lafayette
Barista, sócia-proprietária e mestre de
torras da 4Beans Coffee Co.
Há sete anos, Amanda mal sabia fazer café. Sempre esteve dividida entre várias funções – foi dona de um brechó/galeria de arte/espaço de entretenimento, tem um duo artístico de voz e violão e faz tatuagem handpoke. Tem 29 anos. Conhecida nos grupos undergrounds da cidade, formou-se em Design de Produto e chegou a trabalhar em uma agência como web designer. A vontade de ter seu próprio negócio aumentou e veio a ideia de ter uma cafeteria. Foi aí que conheceu Otávio Linhares (bicampeão do concurso paranaense de baristas, campeão brasileiro em 2005 e representante brasileiro no mundial da profissão em 2006), com quem fez o curso de barista e de quem hoje é sócia.
Top View: O que o curso te revelou?
Amanda Lafayette: Que a ideia da cafeteria estava totalmente errada. Eu pensava em um lugar descoladinho, bacana, quando na verdade o café era o principal. Depois do curso fui para a França, onde estudei torra e latte art, fiz degustações e testei vários cafés filtrados, que eram minha preferência. Voltei para Curitiba e trabalhei no Café Babette e no Rause Café + Vinho. Mas foi depois que participei do campeonato brasileiro de cafés filtrados [ela ficou em 3º lugar], em 2013, que me senti estimulada a seguir em frente.
TV: E como foi o caminho até a torrefação?
AL: Trabalhei um ano no Rause e me interessei por torra. Estudava, torrava café em casa com um torrador pequeno e entregava o café de bicicleta para amigos. A demanda aumentou e aluguei uma torrefação no Alto da XV. Mesmo assim, começou a ficar meio pesado, literalmente (risos). Pedi a ajuda do Otávio, do Juca Esmanhoto e da Hida Lambros [na época, sócios-proprietários do Rause]. Encontramos o ponto, compramos o torrador e criamos, nós quatro, a 4Beans em janeiro de 2015. Hoje torramos 30 quilos de café por dia e vendemos para cafeterias de todo o país.
Camila Franco
de Souza
Barista do Lucca Cafés Especiais
É difícil não se impressionar com as semelhanças entre Camila e a mãe, a renomada barista curitibana Georgia Franco de Souza, dona do Lucca Cafés Especiais. Aos 21 anos, Camila é um talento para o café em pleno desabrochar. Estreante no Campeonato Brasileiro de Barismo, em abril, conquistou o 1º lugar na categoria Brewers Cup (a de cafés filtrados) e representará o Brasil no campeonato mundial na Hungria. Estuda Nutrição na Universidade Federal do Paraná e está neste mundo cafeeiro há pouco mais de um ano.
Top View: Quando se apaixonou por café?
Camila Franco de Souza: Foi natural. Cresci no Lucca, mas comecei a participar mais dos nossos eventos apenas no ano passado, coordenando as sessões de cupping [degustação], fazendo os cursos que a gente oferece, trabalhando dentro do bar. Ali entendi o porquê de minha mãe ter tanta paixão em trabalhar com café.
TV: Este ainda é um meio masculino?
CFS: Antes desta entrevista eu nunca tinha parado para pensar que as mulheres são minoria no café porque as minhas principais referências são femininas [além da mãe, Georgia, a irmã mais velha, Carolina, que mora na Guatemala, também trabalha com cafés]. Mas é comum que a minha mãe, por exemplo, seja a única mulher em concursos de qualidade, entre provadores… Está na hora disso mudar. E não acho que seja uma questão de buscar igualdade entre os sexos, mas sim respeitá-los. Se as pessoas se respeitassem não haveria machismo ou feminismo.
TV: E de que forma esta nova geração de baristas mulheres pode mudar este cenário?
CFS: Talvez esta geração possa sair um pouco do padrão. Antes do campeonato [Brasileiro de Barismo] estava treinando com a minha mãe e concordamos que meu café era bom, mesmo não sendo do padrão da competição. Mesmo assim decidi fazer do meu jeito. Acho que é uma tendência nossa: se não der certo, pelo menos fiz do meu jeito.
Elaine de Oliveira
Barista e proprietária do Café Catedral
Há quem vá até o Café Catedral, no Centro Histórico de Curitiba, só para conversar com Elaine, uma curitibana de 42 anos, risada espontânea e sorriso sempre no rosto. Quando está na cafeteria, é ela quem recebe os clientes e prepara o café, seja coado, espresso, na Hario V60 ou Aeropress. Caso não a veja, é provável que esteja nos bastidores do negócio ou em uma das outras três cafeterias sob o comando dela, espalhadas em lojas de departamentos de Curitiba e Londrina. Há cinco anos no ramo, a barista admite que nunca se imaginou dona de um negócio – foram 16 anos dedicados à companhia Walmart. Viu a vida tomar outro rumo quando ganhou do marido, Gilmar, um pequeno café dentro do Sam´s Club. Resolveu abraçar o presente, foi até São Paulo, fez cursos de barista (um deles com a expert Isabela Raposeiras), e acaba de ganhar o selo de Qualidade no Turismo do Paraná – pela primeira vez concedido a uma cafeteria.
Top View: Seu marido te ajuda na gestão das lojas. Seu filho Patrick cuida do café do Centro Histórico e sua enteada Thais é a chef de cozinha e pâtissière das unidades. Como é trabalhar em família?
Elaine de Oliveira: É perfeito! O Catedral veio para reunir nossas experiências e unir ainda mais a família. A Thais faz 60% de todos os produtos que vão para as lojas, o Patrick entende tudo de café, estuda, é atencioso, carismático [na geladeira que decora o ambiente não faltam declarações de amor para o rapaz] e também é chef de cozinha. Gilmar é o coração financeiro do café. Tudo se completa.
TV: E qual o maior pecado quando se fala em café?
EO: Colocar açúcar. Um bom café é doce por si só. Acho um pecado, mas tomo o da minha mãe, por exemplo, que é superdoce. Não posso obrigar ninguém a mudar seu jeito de tomar a bebida. O que posso fazer é sugerir mudanças, ensinar para o cliente, mas fica a critério dele.
Estela Cotes
Barista e sócia-proprietária do Barista Coffee Bar
Há três anos em Curitiba, esta jornalista de 31 anos largou a agência de comunicação e um site de cultura em São Paulo para se dedicar 100% ao café – negócio do então namorado, o carioca Léo Moço, bicampeão brasileiro de barismo. Hoje, são pais de Bento e gerenciam a torrefação Café do Moço e o Barista – fundados por Léo.
Top View: Quando o negócio do Léo passou a ser também o negócio da Estela?
Estela Cotes: Desde que comecei a namorar o Léo, há quatro anos, não tem como falar de outra coisa. E mesmo antes, quando era jornalista, eu já me envolvia no assunto. Em 2015 percebi que o café fazia muito mais parte do meu dia a dia. Eu sentia que a gente podia crescer muito mais e decidi me dedicar. Fiz um curso de torra, tornei-me sócia dele, criei o e-commerce, comecei o projeto de torrefação do Barista e hoje estou mais na estratégia das duas operações. Mas nunca vou deixar de ser jornalista ou de aplicar no meu dia a dia o que aprendi na comunicação.
TV: Embora tenha sido campeã brasileira de preparos manuais em 2015 e a 4ª colocada na mesma categoria este ano, você diz que não gosta de competir. Por quê?
EC: Não vejo o campeonato como uma tentativa de distinguir quem é bom ou não. O barista deve ser maior que a competição. Quando descobri a quantidade enorme de mulheres cafeicultoras quis compartilhar isso. Fui para representar a mulher nesse meio tão dominado ainda pelos barões com um blend de produtoras de Minas e da Etiópia.
TV: Qual o desafio de ser empreendedora e mãe?
EC: A jornada tripla (risos). Mas o Bento acabou acelerando algumas mudanças que no dia a dia não fazia por falta de coragem, como mudar de casa e sair da agência [de São Paulo]. De repente, existe uma pessoinha que é muito maior do que qualquer outra coisa.
Graciele Rodrigues
Barista do Black Coffee
Ao conversar com Amanda, Camila, Elaine, Estela e Maria, uma opinião se mostrou unânime: Graci é “o grande talento hoje do café em Curitiba.” Pudera. A mãe de Gabi (15 anos) e Pedro (6) é tricampeã brasileira de Latte Art, já foi vice-campeã mundial da categoria, primeiro lugar no Campeonato Brasileiro de Baristas em 2012, barista do ano pela revista Prazeres da Mesa em 2015 e já competiu em lugares como Austrália, China, Coreia do Sul e França. Aos 34 anos, Graci é a brasileira que mais longe chegou na competição mundial de Latte Art – caminho que, há 15 anos, quando chegou a Curitiba (ela é de Sete Quedas, Mato Grosso do Sul), não imaginava trilhar. De fala mansa e até introspectiva, não se vangloria. E esta é, talvez, a razão pela qual cativa tanto as pessoas. Seu local de partida foi o Lucca Café Especiais, em 2007.
Top View: Como foi a passagem pelo Lucca?
Graciele Rodrigues: Quando pensei em entrar para a área de gastronomia, fiz um curso de garçom no Senac e fui trabalhar no Lucca como garçonete. Com o tempo, vendo o pessoal no bar, quis trabalhar lá, mas nem fazia ideia da importância do lugar [primeira cafeteria da cidade a oferecer e disseminar o consumo de cafés especiais]. Na época, a Lilian Machado [barista] me ensinou muito e falou com a Georgia que eu queria ir para o bar. Foi então que ela sugeriu que eu participasse do campeonato regional. Fiquei em 3º lugar. Depois disso, comecei a trabalhar no bar e, entre idas e vindas, fiquei seis anos por lá.
TV: Há oito anos você trabalha com café. De lá para cá, o que mudou?
GR: As pessoas não sabiam o que era café especial, o que fazia um barista, a importância dele. Antigamente essa profissão era vista como um trabalho temporário, de passagem, algo entre a faculdade e um trabalho certo, sabe? Era comum as pessoas me perguntarem “você é barista? Mas qual a sua profissão?”. Hoje os clientes já entendem o que eu faço.
Maria Mion
Barista e sócia do Supernova Coffee Roasters
Enquanto serve coados, espressos, capuccinos e machiatos pelo balcão do Supernova Coffee Roasters, da Dr. Carlos de Carvalho, Maria, 28 anos, conta que deixou sua agência de apresentações corporativas, Pipoca Moderna, para se dedicar ao café – paixão descoberta há quase dois anos, quando visitou uma fazenda em Minas Gerais. Artista visual e fotógrafa, faz filmes no formato Super-8 e também é hostess do Creative Mornings – evento que une café da manhã e palestras para a comunidade criativa em vários países.
Top View: Com tantos projetos artísticos, como foi parar no Supernova?
Maria Mion: Quando eu tinha a Pipoca, trabalhava no Nex [Coworking] e vivia no Rause de lá. Morava perto de outra unidade do Rause. Meu interesse por café começou frequentando a casa. Peguei gosto e me inscrevi em 2016 no campeonato brasileiro do método de fazer café Aeropress, mesmo sem nenhuma experiência profissional. Nesse tempo conheci o Supernova e fiquei muito feliz quando o Luiz [Eduardo Melo, proprietário] ofereceu a cafeteria para eu treinar para o campeonato. Não demorou para eles me convidarem a trabalhar em uma das lojas e logo para me tornar sócia.
TV: Como foi a participação no campeonato?
MM: Conheci muita gente bacana que trabalha com café, mas eu não tinha condições de ganhar como tenho hoje [este ano, ela e Camila participarão do campeonato].
TV: E como é sua relação com as outras baristas da cidade?
MM: Este é ainda um meio muito masculino. Então fiquei muito feliz quando vi quatro mulheres na final de filtrados – que a Camila acabou ganhando e a Estela já venceu. Fico feliz com a Amanda torrando café, a Fafá no Supernova. Essa “sororidade” no meio é importante. As mulheres estão buscando uma união. A mudança deve partir da gente.