Saúde mental na moda: os desafios do sucesso e da pressão social
Nos últimos dias, lendo uma notícia sobre o título de melhor estilista de todos os tempos, dado postumamente a Alexander McQueen, tive um insight, mais um dos tantos que me atravessam quando leio ou ouço sobre “os melhores”. Lee foi um dos mais geniais, mesmo. Acho chato ter de medir tudo e, além do mais, ele se suicidou. Ou seja, deu a vida por isso. É uma pena que a saúde mental ainda esteja longe das prioridades do sucesso e é uma pena que a saúde mental passe longe das prioridades do sucesso.
Tudo é muito. Tudo é melhor, tudo tem de ser fantástico. Enquanto isso, vestimos trapos, já que não temos como comprar nada bem-feito. O capitalismo tem um grande problema: servir bem pelo que cobra. Se o colapso não tivesse acontecido, ninguém reclamaria. A saúde de todos estaria bem e viveríamos melhor. Uma bela de uma Poliana nasce neste texto. Gostaria que… muitos “gostarias” e muitos “quês”.
Pagamos caro, recolhemos impostos, e não temos o básico em muitos casos. Uma conta que não fecha. A saúde de todos está um caos. Quem não tem dinheiro enlouquece atrás dele. Quem tem, por causa dele. Hoje, a terapia é uma necessidade para não enlouquecermos de vez ou ainda mais. Mas aí surge outra questão: como pagá-la? É questão pública, um lobo correndo em círculos, como diria a música cantada por Djavan, embora ele falasse de amor pelo outro, o romântico. Aqui, falo do amor atual, o próprio: aquele que nasce como fundamental para sobrevivermos nessa sociedade capital e mortal.
Não existe uma ética, não existe coerência. Enquanto escrevo estas linhas, observo as pessoas ao meu redor no trem que me leva ao aeroporto de Paris. São férias de verão: muitas malas e um tanto de gente indo ao trabalho. Todo mundo misturado; ainda existe o cheiro do perfume de banho da manhã. Uma moça acaba de entrar com camisa branca acinturada e calça jeans. Está de cara amarrada… irritada, pede que eu coloque a minha pequena valise debaixo da poltrona. Um jovem alto, com seus 20 e poucos anos, também de jeans, mas de camiseta, tenta me ajudar. Em vão.
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Finjo demência — afinal, já sou bem mais velha e mereço estar ali, tanto quanto ela. Tanto quanto todos. É assim que funciona. Ela se cala, eu também (aliás, eu nem abri a boca), e seguimos viagem. Uma cena típica de transporte público: ninguém olha para ninguém. Estão todos do outro lado das telas, perdendo o espetáculo da diversidade ali presente. Aposto que muitos deles jamais ouviram falar em Platão ou Saramago — e suas teorias que se consolidaram nos nossos dias. É… há muito a dizer sobre a saúde na era de tanta cegueira sob a luz das cavernas.
Voltando às roupas: não me considero saudosista, mas sinto falta das costureiras. Minha mãe fazia muitos vestidos para a gente. Ainda lembro de um com tecido de moranguinho. Aquilo, sim, era amor. Hoje, é preciso emagrecer para entrar nas roupas apertadas que os estilistas suicidas milionários criam para ganhar o prêmio póstumo de “melhor do mundo”. Poliana morreu aqui, porque não conseguiu pagar a terapia para aprender a respirar. Vejam bem: respirar. Abram as janelas e deixem a luz e o ar entrar.
*Matéria originalmente publicada na edição #304 da TOPVIEW.