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Estar próximo não é físico

A pandemia tornou urgente questões que andavam a passos lentos – e trará impactos ainda pouco conhecidos

O estilista Ronaldo Fraga captou um importante aspecto do isolamento em uma das centenas de lives que tomaram o Instagram desde que o vírus desembarcou no país. “Vivemos um isolamento físico, mas não social – agora estamos, mais do que nunca, conectados uns aos outros“, apontou ele. Menegatti concorda. “A gente está aprendendo que podemos transmitir amor de muitos outros jeitos além de beijos e abraços. Podemos transmitir amor por uma palavra, por uma videochamada, por um cuidado com o outro. Só de dizer para o outro ‘olha, lembrei de você hoje. Você está bem aí?'”, analisa.

O celular deixou de ocupar aquele lugar de alienação na mesa do jantar ou almoço para servir como uma ferramenta de encontro e conexão com quem não pode estar ali fisicamente. A estudante de jornalismo Maria Clara Braga e seu namorado, o captador de recursos Gabriel Lourenço de Lima, não imaginavam passar por outra fase separados fisicamente depois do relacionamento à distância que tiveram durante o intercâmbio dela. Mas, nessa pandemia, já estão há quase um mês sem se ver – cada um em quarentena na sua própria casa. A principal dificuldade do casal, além da saudade, é a falta de previsão para o término desse período. “Essa incerteza gera ainda mais saudade, mas precisamos ter forças, porque um dia vai acabar”,  afirma Gabriel.

Eles tentam criar novas dinâmicas para lidar com a distância. “Qualquer falta de contato é ruim, então precisamos tentar não nos distanciar emocionalmente no relacionamento”, diz Maria Clara. “O que atrapalha, também, é que nem sempre compreendemos a pessoa numa discussão, porque não conseguimos ter os dois pontos essenciais na comunicação de um casal: o tom e o toque.”

“Esse é um período de adaptações e mudanças forçadas. É o momento de termos empatia. Temos que fazer o melhor possível – que não é o perfeito, mas é o que está ao nosso alcance.” – Isadora Tonet

Esse contato virtual, para Menegatti, é a principal ferramenta para manter a mente saudável durante o isolamento. “Temos que nos ajudar a manter isso de um jeito positivo. É promover o encontro entre amigos via Internet, a chamada de vídeo com o avô, envolver as pessoas nesse cuida-do de um jeito amoroso”, afirma.

O estudante de engenharia mecânica João Artur Zampoli Sampaio está há quase um mês em isolamento, convivendo apenas com a irmã. Nos primeiros 15 dias, achou tranquila a experiência, mas depois começou a sentir certa estranheza. “É complicado pensar que não posso ver meus familiares, não posso ver minha avó”, conta. Mas ele usa esse tempo extra para evoluir em atividades que tinha deixado de lado, como a leitura, o violão e o videogame. Para manter a “vida social”, tem feito videoconferências com sua namorada e com amigos. Foi assim que surgiu a ideia de comemorar seu aniversário com todos eles – virtualmente. “Um dia antes notei que meu aniversário passaria em branco, aí decidi chamar meus amigos mais próximos para uma videoconferência. A gente se divertiu muito, jogamos… foi uma experiência que gostei bastante”, afirma. “Precisamos ter o discernimento de entender que é um momento delicado e mundial, todos estão passando por essa fase – mas precisamos tirar o melhor disso.”

Novas conexões

Outras formas de conexão também surgiram. Diversos vídeos de pessoas cantando e tocando instrumentos de suas janelas e sacadas na Itália viralizaram nas redes sociais. Aqui no Brasil, artistas com alto falantes cantam para seus vizinhos e até fazem aulas comunitárias de yoga. “Estar presente não é físico” foi outra frase que estampou posts no Instagram. Esse é, aliás, outro ambiente de socialização que ganhou impulso com a pandemia. “A gente tem necessidade de se conectar com o outro, normalmente isso acontece na esfera real e o digital é só um complemento. Nesse período, as redes acabam sendo a nossa única alternativa de conexão, porque perdemos a possibilidade de nos conectar com o outro na vida real. É uma estratégia de compensar o isolamento físico que estamos tendo”, observa Renan Colombo, jornalista, especialista em mídias digitais e professor PUCPR.

O que mais ganhou destaque foram as lives, que se multiplicaram com o isolamento. Para Renan, isso se deve ao fato de ser uma transmissão ao vivo que permite outro nível de conexão, um contato em tempo real, já que “é isso que as pessoas estão buscando, algo que esteja num ritmo parecido com as conversas na vida real.” O especialista percebe, também, fases nessas redes. A primeira foi a de conscientização sobre a pandemia, com muitos conteúdos sobre os cuidados para não contrair a Covid-19. Depois veio o movimento contrário, as pessoas ficaram saturadas desse tema e começaram a falar de outros assuntos. “Essa redução foi para manter a saúde mental diante dessa avalanche de conteúdos. É tudo muito rápido, a ‘temperatura’ das redes sociais mudam a cada dois ou três dias. Elas [redes sociais] são um fenômeno coletivo, por isso vemos esses movimentos claramente”, diz.

“Precisamos ter o discernimento de entender que é um momento delicado e é mundial, todos estão passando por essa fase – mas precisamos tirar o melhor disso.” – João Artur Zampoli Sampaio

Percepções sobre a solidão

Silêncio. É o que se presencia em diversos dos mais conhecidos monumentos mundiais. A Terra parou. Isso foi sentido até por sismólogos. Em um artigo publicado na revista Nature, pesquisadores reportaram uma queda nos ruídos sísmicos – sons provocados pelas vibrações na crosta terrestre –, possivelmente pela diminuição das atividades humanas. O fenômeno foi observado no Royal Observatory da Bélgica, em Bruxelas. A Vogue Itália publicou, pela primeira vez em sua história, uma capa completamente branca. A razão foi contada em um texto emocionante do editor-chefe da revista, Emanuele Farneti, em que ele expõe como, frente a grandes acontecimentos, “ser passivo é consentir com o status quo”. Escolheu o branco “não porque houvesse falta de imagens. (…) Mas porque branco significa muitas coisas ao mesmo tempo. O branco é, antes de tudo, respeito. O branco é o renascimento, a luz após a escuridão, a soma de todas as cores. O branco é a cor dos uniformes usados por quem coloca suas próprias vidas em risco para salvar a nossa. Representa espaço e tempo para pensar, bem como permanecer em silêncio”. Esse espaço em branco, que pode representar também a solidão e a ausência, é sentido de maneiras diferentes.

A designer e professora Isadora Tonet completou seu primeiro mês em isolamento. Apesar desse período em casa, o que Isadora não sentiu foi o tempo de sobra. Aliás, viu seu trabalho triplicar nas primeiras semanas. “Foi caótico. Precisamos adaptar [na faculdade] o presencial para o virtual. Foi bem corrido para dar conta da faculdade e da empresa”, conta. “Apesar disso, tenho dias e dias. Sou uma montanha-russa de sentimentos. Tem dias em que a solidão acaba ficando mais forte.”

Com seus clientes no Estúdio Lúmina, em que é co-fundadora, Isadora tem se colocado à disposição para ajudar, prestando consultorias gratuitas. “Temos recebido feedbacks bem legais. Esse é um período de adaptações e mudanças forçadas. É o momento de termos empatia. Temos que fazer o melhor possível – que não é o perfeito, mas é o que está ao nosso alcance”, opina.

A psicóloga Menegatti vê alguns sentimentos gerais. De um lado, as pessoas que lidam bem com a solidão ou estão isoladas em casa com a família demonstram um sentimento positivo, apesar das dificuldades, por ter esse tempo com quem gostam. De outro, a experiência ruim de quem não aprecia momentos solitários ou está em um ambiente familiar conflituoso. “Precisamos ter a consciência de que muitas pessoas vivem em espaços muito pequenos, onde não conseguem manter sua individualidade, o que também pode aumentar os conflitos”, indica. “Muitos casais não estavam em casa por tanto tempo e agora estão em crise, pois estão juntos o tempo todo.”

O sociólogo francês Hamza Esmili analisa, em entrevista à BBC, que a desigualdade de classe também define as possibilidades das pessoas na pandemia. Ele observa que “o confinamento é um luxo que não chega às classes mais pobres, que precisam continuar trabalhando para sobreviver”, além de ressaltar que casas mais pobres não têm infraestrutura para isso: “(…) Há também moradias que não são habitáveis, onde não é possível ficar ali o dia inteiro porque o espaço não serve para isso.”O isolamento massivo da população não se aplica a alguns trabalhadores, que continuam saindo de suas casas para manter o funcionamento de serviços básicos para a sociedade, como os médicos, enfermeiros, entregadores, a indústria alimentícia e farmacêutica, entre outros. 

“Nesse período, as redes acabam sendo a nossa única alternativa de conexão, porque perdemos a possibilidade de nos conectar com o outro na vida real.” – Renan Colombo

Dicas para lidar com o isolamento

A psicológa Claudia Lucia Menegatti ajuda:

Mantenha uma rotina
A especialista indica manter uma rotina com horário para acordar, para dormir e também para as refeições. “Eu diria para as pessoas fazerem o que puder para tornar o isolamento mais agradável, dentro do que é possível de ser agradável.”

Cuide da higiene do sono
O sono é importante para nossa saúde mental. Portanto, nesse momento de grandes desafios emocionais, é essencial mantê-lo em dia. “A gente que trabalha com saúde mental sabe que a insônia é precursora de uma série de sofrimentos emocionais”, explica Menegatti.

Marque um horário fixo para ver notícias
A OMS indica que as pessoas reduzam o acesso às notícias para evitar uma sobrecarga nesse período. A dica de Menegatti é marcar um horário para receber as atualizações sobre a pandemia. “É um risco, especialmente as que estão sozinhas e não conseguem trabalhar de casa, que passem a maior parte do dia conectadas às notícias – e isso é muito estressante.”

Pense no hoje
“O que eu posso fazer hoje?”, é o questionamento que a especialista indica em momentos de ansiedade. “Se a gente começa a olhar demais para o futuro, especialmente quando a pessoa está muito ansiosa, ela olha de um jeito catastrófico. Isso vai aumentar a angústia. Por isso, temos que cuidar um dia de cada vez”, acrescenta.

Confira o restante da matéria aqui:

*Matéria originalmente publicada na edição 235 da revista TOPVIEW.

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