Paixão pelo vinho
Por Alice Duarte
Em comum eles tinham a engenharia, o sangue italiano e a paixão pelo vinho. Os irmãos Pioli Bassetti – José Eduardo, engenheiro químico; Marco Aurélio, engenheiro agrônomo; e Cesar Juliano, engenheiro mecânico – uniram o conhecimento de suas áreas de formação ao talento do avô Juca Pioli, que trouxe da Itália o costume de produzir vinho artesanalmente, para o deleite da família e dos amigos. “Meu avô era um entusiasta. Produzia vinho embaixo da casa dele, em Rio Branco do Sul [na região metropolitana de Curitiba]. Lembro-me de, nas férias escolares, ajudá-lo a encapar as uvas com papel manteiga para o passarinho não comer. Assistíamos a todo aquele processo e sempre participávamos da colheita”, diz Marco Aurélio.
O sonho dos irmãos, no entanto, era maior que o do avô: produzir o melhor vinho do Brasil. Há dez anos eles vêm trabalhando para alcançar o objetivo. Em 2004 compraram uma área de 50 hectares na Serra Catarinense, onde no ano seguinte deram início aos plantios. De lá para cá já plantaram 13 hectares e no ano passado colocaram no mercado o resultado das primeiras colheitas e das primeiras vinificações. Os cinco rótulos Villaggio Bassetti atraíram a atenção e arrancaram elogios do público especializado.
O projeto do empreendimento partiu de José Eduardo, que por quatro anos estudou o assunto, visitou propriedades, fez cursos e depois foi procurar qual região no Brasil teria potencial para produzir vinho com a qualidade que estava buscando. Com tudo na cabeça, foi apresentar a proposta de investimento para os irmãos, que prontamente abraçaram o projeto. Esta não é a primeira vez que são parceiros num negócio. Anteriormente, os três trabalharam na empresa de mineração herdada do avô. Cesar continuou administrando a empresa, mas Marco Aurélio montou em sociedade uma agência de publicidade em Curitiba e José Eduardo uma editora em Florianópolis.
Tiveram a oferta de uma vinícola pronta no Rio Grande do Sul, mas, como sempre foram empreendedores, decidiram fazer tudo do zero, do plantio à vinificação, para ter o controle de todo o processo. Descobriram em Santa Catarina terras que tinham aptidão para a viticultura. Este novo terroir fica na região de São Joaquim, que registra as temperaturas mais baixas do país e tem altitudes de até 1.400 metros. Como era uma região nova, não havia informação de como as videiras iriam se comportar, mas eles acreditaram e apostaram naquelas terras.
Em 2005 iniciaram a implantação dos primeiros vinhedos, a 1.250 metros de altitude, com mudas selecionadas de varietais francesas: dois hectares de Merlot e dois de Cabernet Sauvignon. Um ano depois vieram as uvas Pinot Noir e a Sauvignon Blanc. Em 2008 colheram a primeira safra: apenas as uvas Cabernet Sauvignon maduras e sadias, que renderam 520 garrafas bordalesas, batizadas de Primiero 2008. Em seguida, a partir do corte das uvas Merlot e Cabernet Sauvignon, lançaram o Montepioli 2009, uma justa homenagem ao avô Juca. No ano seguinte vieram os rótulos Sauvignon Blanc 2010 e o Rosé 2010. Mais tarde veio o Donna Enny, 100% Sauvignon Blanc, untuoso vinho branco com estrutura de guarda. “A grande qualidade do vinho se agrega no campo. A uva tem que ser bem–tratada, como os nossos antepassados faziam”, diz José Eduardo.
A tecnologia e as máquinas da vinícola foram trazidas da Europa. Os tintos são produzidos por um processo chamado girolate, pelo qual os vinhos são totalmente elaborados em barricas de carvalho francês, desde a fermentação até o amadurecimento. Esse sistema, utilizado em algumas regiões de França, Argentina e Chile, produz vinhos particulares, intensos e complexos. A pequena produção de 30 mil garrafas por ano tem vantagem competitiva: os empresários têm como aperfeiçoar a qualidade da bebida e controlar cada etapa processo produtivo. A estratégia da Villaggio Bassetti é atingir lojas especializadas e restaurantes finos. São eles que têm entre seus frequentadores formadores de opinião, apreciadores e entendedores de vinho, capazes de comparar a bebida com os melhores rótulos europeus, argentinos e chilenos. No momento, a marca está no eixo Curitiba-Florianópolis, mas a ideia é expandir o raio de atuação progressivamente até atingir todo o país. Atualmente, os rótulos estão presentes em 20 restaurantes de Curitiba e 24 de Florianópolis.
Mercado em expansão
José Eduardo é um visionário e quer mostrar que o vinho brasileiro tem potencial para competir com o da Argentina, Chile, Europa e Estados Unidos, mas sabe que a bebida nacional tem grandes barreiras. Entre elas, o preconceito. Grande entusiasta da viticultura de altitude, tem trabalhado contra esses obstáculos. Em 2005 foi um dos fundadores da Associação Catarinense dos Produtores de Vinhos Finos de Altitude (Acavitis), criada para defender os interesses dos produtores da região. Foi eleito presidente no final de 2009 e sua gestão encerrou-se em 2011. Durante esse trabalho, chegou à conclusão de que não se faz um terroir ou uma região vinícola da noite para o dia. “São necessários outros investidores que consolidem a região, com mais marcas e variedades diferentes.” Atualmente, 28 associados de 14 municípios fazem parte da entidade, que tem uma representação na Câmara Setorial do Vinho em Brasília.
VINHO BOM É FEITO NO CAMPO
Segundo os enólogos, o bom vinho é feito no campo. Daí vem a grande valorização de certos terroirs pelo mundo. Quanto a isso os produtores de São Joaquim não têm do que reclamar. Eles têm conseguido produzir um vinho com boa acidez, boa cor, concentração de sabor e aroma, e álcool equilibrado. E qual é o segredo? Durante o inverno, a região tem horas de sobra abaixo de 7ºC. “O inverno rigoroso é importante para proporcionar a dormência das videiras. Assim elas armazenam energia para produzir as uvas no verão”, explica José Eduardo.
O verão ameno e seco nos terroirs de Santa Catarina proporciona a maturação completa da polpa e da semente, ajudando a concentrar açúcares e taninos, além de melhorar a sanidade dos grãos. “Uvas mais maduras e sadias são as que proporcionam vinhos mais intensos, como os tintos de guarda e brancos de excelente equilíbrio entre acidez, aromas e frescor.”
Mas o que diferencia os terroirs de Santa Catarina daqueles do Rio Grande do Sul, maior produtor da bebida? “No caso de São Joaquim, a altitude compensa a latitude”, diz José Eduardo. Isso em geral propicia um clima com noites frias e dias quentes. A amplitude térmica vai de 2oC a24 oC em um dia, o que prolonga o ciclo de maturação das uvas (os produtores fazem a colheita cerca de 30 dias depois que no Rio Grande do Sul). Tudo isso ajuda a concentrar aromas e sabores, trazendo uma característica muito própria para os vinhos produzidos na região. “São vinhos mais complexos e intensos. Dá para compará-los com alguns produzidos na Europa.”
SERVIÇO
Vinícola Villaggio Bassetti
Rodovia SC-114, km 64, São Joaquim, Santa Catarina