MON 15 anos: museu faz aniversário com novo curador e novos desafios
Numa manhã de fevereiro, um fotógrafo atraía olhares ao perambular estonteado pelo Museu Oscar Niemeyer. Para esta matéria sobre os 15 anos do MON, Eduardo Macarios teve como missão registrar o museu por outro ângulo, se desvencilhando da imagem de cartão-postal que conhecemos. O fotógrafo percorreu o exterior, o interior e os bastidores do edifício, e se perdeu nas possibilidades de seus 35 mil m², por salas quase secretas, corredores inéditos, áreas de convívio, e no que o prédio simboliza para a cidade. É esse movimento, de se redescobrir e se repensar, que a instituição põe em prática neste ano emblemático.
A mudança mais significativa é a contratação de um curador. É a primeira vez que o maior museu de arte da América Latina tem essa figura, responsável por pensá-lo conceitualmente. Em termos práticos, a missão do crítico, curador e professor da Universidade de São Paulo Agnaldo Farias é desenhar uma linha curatorial e tornar o espaço mais ativo e propositivo – pulsante.
“Toda vez que eu venho, fico passeando para ver as chegadas, as rampas, corredores, além da área externa”, contou o mineiro radicado em São Paulo numa de suas visitas semanais à instituição. “Tudo isso pode ser ocupado. Tudo isso deve ser ocupado.” Farias, que já foi curador da Bienal de São Paulo, do Instituto Tomie Ohtake e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outros, traz experiência e uma visão que não se limita ao cubo branco. Sério, crítico, prático, confiante do potencial do projeto e repleto de ideias, ele já contagia a equipe.
Mais que um museu, esse é um ponto turístico, uma referência arquitetônica, um espaço em que pessoas, em toda a variedade de classes, crenças e idades, se encontram. Artistas e galeristas consultados pela Top View acreditam que ele seja mais atrativo do que outros museus da cidade, ainda que tenham boa programação. Agora, a busca é por incentivar essa vocação e também consolidá-lo quanto a seu conteúdo. “Nesses 15 anos, ele só cresceu, em todos os sentidos: números, visibilidade, mídia nacional e até internacional”, avalia a diretora-presidente da instituição, Juliana Vosnika. “Então, estamos num momento em que ele precisa começar a ser mais reconhecido também por uma questão conceitual.”
Essa é uma crítica formulada por alguns artistas e galeristas curitibanos. “O museu vai agregando [novas obras], mas não tem uma identidade própria”, analisa a galerista Tuca Nissel, que ainda sente falta de artistas nacionais expressivos que vê chegar a museus no mundo – mas não aqui. “E o alicerce de um museu é o seu acervo. (…) Uma obra que faz parte desse museu acaba sendo base de pesquisa.” A ideia, portanto, é ampliar o acervo – junção das obras do Museu de Arte Paranaense e do Banestado –, forte em arte paranaense, mas carente em termos nacionais.
“Coerente com a importância da cidade, que é uma metrópole pujante, ousada, e que tem uma substância cultural forte, o MON precisa ser um centro de referência da arte que se produz no Brasil, pelo menos da arte moderna para cá”, avalia o curador, Farias, atento ao desafio, “porque custa caro”. Outra linha a ser trabalhada é o aumento de exposições pensadas pelo núcleo curatorial, formado por funcionários do museu e que Farias vai dirigir, em sintonia com as especificidades do espaço – em oposição a mostras que vêm de fora. “As exposições temporárias devem conversar com o acervo ou pelo menos apontar as direções, os vetores da produção artística contemporânea”, classifica, questionando a pertinência de algumas exposições em cartaz no início do ano, compostas por acervos de outros museus curitibanos. Ao longo dos anos, lembra Tuca, da galeria Ybakatu, o MON recebeu mostras que dificilmente viriam à cidade – seja por verba ou condições estruturais – por outro museu.
A programação de 2017 está basicamente definida, então resultados mais palpáveis devem ficar para o ano seguinte. Mas pequenas ações significativas devem ser observadas nos próximos meses, como a criação de uma breve exposição a partir da doação recente de uma obra cusquenha, pelo programa de patronato, que irá dialogar com outras peças do acervo – forma criativa de produzir conteúdo e otimizar recursos.
A simples maneira com que se apresenta uma obra pode contribuir para ativá-la. Ideias não faltam para o curador, que imagina, por exemplo, uma exposição do prestigiado artista Anthony McCall, que cria pinturas a partir de luz, com custo mínimo: uma máquina de gelo seco. E seria um blockbuster, diz. “[O museu] deve estar apoiado num passado próximo, no presente e no futuro. Ele tem condições disso, tem vocação para isso e deve encarar seriamente esse seu papel”, enfatiza Farias sobre a linha de atuação que deve trilhar. “Agora, para isso ele precisa de apoio político.”
MON 15 anos: saúde e cultura
A recente contraposição de cultura e saúde, colocada por políticos como justificativa para cortes de verba na primeira área, é contestada pela diretora e pelo curador do museu. “Talvez a cultura e a arte possam fazer com que uma série de pessoas não só vivam melhor economicamente, como em conhecimento. E o conhecimento é fundamental para o desenvolvimento econômico e social de um país”, argumenta Juliana.
Farias é ainda mais enfático ao defender a arte como fundamental para produzir pessoas mais sensíveis e conscientes, para abrir perspectivas para os jovens: “Os artistas processam e ao mostrarem para nós o que estão pensando, sentindo (…) terminam dando uma vista mais clara do que é a espessura do mundo em que a gente vive”, pondera. “Não contemplar a arte é ter uma visão muito mesquinha, muito estreita, do que compõe uma sociedade.”
Num ano em que a Oficina de Música foi cancelada, o pré-carnaval quase não aconteceu por falta de verba e diálogo, em que o balé e a orquestra do Teatro Guaíra estão suspensos e em que, apesar da diminuição de recursos da Fundação Cultural de Curitiba, bares que incentivam a música local são silenciados por uma legislação questionável e pela burocracia (a mesma que quase suspendeu a Zombie Walk), a postura do MON ao não baixar a cabeça e buscar formas alternativas de viabilização é inspiradora.
Ao assumir a direção do museu há dois anos, Juliana tinha a missão de profissionalizar a gestão e manter a qualidade com menos recursos do governo do estado e pela Lei Rouanet, reforçando a receita própria (por meio de café, loja, cobrança de estacionamento, bilheteria e aluguel de espaços para eventos), mobilizando e sensibilizando novos patrocinadores e criando um programa de patronato que resultou na aquisição de três obras em 2016.
“No mundo inteiro os museus são mantidos pelas pessoas, pelas entidades privadas e pelo governo”, observa. Para a diretora, o modelo de gestão das instituições tem que mudar, tornar-se mais inteligente e menos dependente de recursos públicos (total autossustentabilidade é inviável, na sua avaliação), assim como a sociedade civil deve ser mais participativa.
O panorama econômico, lembra Farias, não é inédito – e mesmo em tempos de crise, muito se fez. “Hoje as empresas estão mal, mas elas se recuperarão. E quando acontecer, nós precisamos estar prontos”, avalia. “O fato de vivermos num momento mais adverso nos obriga a sermos mais criativos, inteligentes e refinados. Então, nós temos que ter projetos prontos na mão para buscar recursos onde eles estiverem.”
O museu de 2017
O papel dos museus na atualidade e como aproximá-los da população ainda é um território sendo explorado pelas instituições. Há os projetados por starchitects, que viram atrações por si, como o Guggenheim de Bilbao e o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; os que investem em interatividade e em obras que rendem selfies; o Met, maior museu de arte dos EUA, iniciou uma rotina de exercícios físicos para o público pelas manhãs, antes de abrir as portas, que passeia pelo acervo com comentários sobre obras; o Museu da Imagem e do Som de São Paulo bateu recordes de público com blockbusters como Tim Burton e David Bowie; o MoMA, em Nova York, tirou Picasso de sua mostra permanente para inserir artistas de países predominantemente muçulmanos alvos dos decretos anti-imigração de Donald Trump.
O museu curitibano já é um atrativo turístico pela arquitetura e, segundo seu curador, tem interesse em investir em interatividade, pretende ampliar as atividades para o público, está aberto a mostras chamarizes e planeja outras relacionadas a questões contemporâneas. É uma visão similar à que os curadores da Mostra Oficial do Festival de Curitiba, Marcio Abreu e Guilherme Weber, traçaram ao definir um conjunto de peças que “busca diálogos transversais, fricciona questões fundamentais do nosso tempo”.
Atrair e formar público ainda é um desafio para o MON, que se equilibra entre ser popular e propor mostras e acervo relevante. “Você tem que fazer aquela coisa que o cara não entenda mas sinta no estômago. E outra que ele fica muito inquieto e vai pensar em casa, o coloca em estado de meditação”, explica Farias sobre a proporcionalidade que almeja e que passa longe de dar ao espectador o que ele já tem, o que já sabe ou que a indústria cultural oferece.
“A gente tem é que apostar na inteligência, acreditar que o espectador vai crescer com aquilo. Democracia é ampliar o rol das coisas em oferta. Aquilo que o mantém no patamar que ele está é um processo de achatamento”, sublinha, preocupado em fortalecer o setor educativo, com foco nos professores de arte, multiplicadores desse conhecimento. Ainda na questão de produção de conteúdo e acesso ao conhecimento, o setor de edição deve produzir catálogos e livros mais baratos, mas “deflagradores de ideias”, que permaneçam para além da duração de uma exposição, e em parceria com editoras, para que a circulação ultrapasse a loja do museu.
As possibilidades são muitas – e intenção (e espaço) não falta para apresentar arte de forma a conectá-la com a vida, e para repensar a dinâmica do museu, tornando-o ativo ao invés de passivo, como sugeriu um crítico do New York Times frente à tentativa de um grande museu norte-americano de se reinventar.
No início da entrevista, Farias lembrou que Oscar Niemeyer fez o edifício do MON assentado sobre piloti seguindo um preceito da arquitetura moderna, de que a cidade o atravessasse por baixo. “O museu pode ter as paredes internas cegas, mas você o atravessa, e um grande número de pessoas vem aqui para ficar debaixo dessa cobertura, ir ao café e sentar nesse gramado”, observou na ocasião. Resta à equipe arquitetar sobre seus próprios pilotis e levar a ideia de Niemeyer ao interior do museu.
Exposições previstas para 2017
Irmãos Campana, Juliana Stein, mapas originais dos séculos
16 a 18 da Coleção Santander Brasil egravuras da Coleção
do Itaú Cultural (Manet, Delacroix, Goya, entre outros)
MON em números
+ de 4 mil obras no acervo
+ de 300 exposições em 15 anos
Quase 3 milhões de visitantes na história
A mostra sobre João Turin foi a mais visitada – e premiada pela Associação Brasileira de Críticos de Arte como a melhor de 2014 no país
2013 foi o ano de maior visitação: 340 mil espectadores, média de 28 mil visitas mensais a 28 exposições
Eleito um dos 20 lugares mais bonitos do Brasil pela rede CNN (EUA), e o 4º melhor museu do país por usuários do Trip Advisor
Em 2015, foram captados cerca de R$ 2,4 milhões pela Lei Rouanet – menor valor desde a inauguração – para exposições
Locação de espaços para eventos gerou R$ 613 mil em 2015 – maior valor até então
O projeto Sou Patrono viabilizou a aquisição de três obras de arte em 2016
Ação Educativa atendeu quase 10 mil pessoas em 2015
*Fonte: Museu Oscar Niemeyer
Acessibilidade
Quarta gratuita: entrada franca das 10h às 18h
Quinta + MON: a primeira quinta-feira do mês tem horário estendido, das 10h às 20h,
e entrada gratuita após 18h
Domingo + arte: visitas mediadas e oficinas