Gim brasileiro: artesanal e cheio de personalidade
Às vezes é preciso um olhar de fora para atentar ao que temos de bom. No caso do gim brasileiro, foi necessário um par de olhos eslovaco e a experiência de um brasileiro na Europa para apostar no potencial do destilado. Mike Simko e Felipe Jannuzzi lançaram no segundo semestre de 2016 os gins Arapuru e Virga (respectivamente), produzidos artesanalmente e com ênfase na cultura e nos sabores locais.
“O Arapuru é um gim com alma inglesa e personalidade brasileira”, define Simko em alusão ao London Dry, estilo que nesse caso teve características (como aromas de noz moscada, cardamomo e cítricos) substituídas por equivalentes nacionais: caju, imbiriba, puxuri, limão-cravo, pacová e outros tantos oriundos do Nordeste ou da Amazônia que nos soam estrangeiros.
Confira quatro receitas de coquetéis à base de gim.
Apenas o zimbro, ingrediente principal cuja infusão junto a outros botânicos dá sabor ao destilado, é importado. “O objetivo era criar um produto brasileiro, de qualidade internacional e potencial para exportação”, explica o empreendedor eslovaco que cresceu na Áustria, morou na Inglaterra e se encantou pelo país de Macunaíma. Simko pretende mostrar um Brasil menos óbvio, a começar pela garrafa, ilustrada por um Arapuru (ave-símbolo da Amazônia) pousando no zimbro – uma “antropofagia cultural”, como diz.
Virga: gim com cachaça
A bebida é originária da Holanda e tradicionalmente destilada à base de cereais. Mas se os criadores do Arapuru optam por uma base de álcool neutra, o Virga segue o caminho oposto e utiliza aguardente de cana. “A gente não veio para fazer mais do mesmo”, justifica Felipe Jannuzzi sobre a infusão na cachaça.
Afinal, diz o também fundador do site Mapa da Cachaça, o universo do gim é diversificado: nos EUA, ele conheceu versões à base de cana; na Europa, com uva ou cereais maltados e ingredientes da indonésia. “Cada país tem seu gim, e nos perguntamos como seria um gim brasileiro”, recorda sobre o projeto, tocado junto a três sócios (dois brasileiros e um holandês).
Ainda que o Virga seja base para o terceiro coquetel mais vendido no bar Guarita, Jean Ponce (ex-D.O.M.) relata que alguns clientes o estranham. Bartenders como Marquinhos Félix (Bar.) e o Diego Bastos (Officina Restô Bar) concordam que a cachaça sobressai, dificultando a substituição das marcas tradicionais Tanqueray, Bombay e Hendrick’s, por exemplo, num coquetel como gim tônica, sem descaracterizá-lo. Em 2016, de toda forma, os seis lotes de Virga esgotaram – um total de 4 mil garrafas vendidas.
Januzzi afirma que é uma questão de introduzir algo diferente ao consumidor, acostumado a gins com de álcool neutro. Importa para sua equipe valorizar a cultura nacional de destilado: os elementos locais (sementes de coentro e pacová, mais o zimbro) são infusionados em cachaça produzida artesanalmente há gerações nos alambiques do Engenho Pequeno, no interior de São Paulo. Estamos falando, lembra o especialista, de um destilado cujas origens estão no século XV e talvez seja o mais antigo da América Latina.
Preços atrativos?
Bartenders entrevistados pela Top View contam que esperavam preços mais acessíveis de produtos nacionais. O Arapuru é vendido a R$ 120, o Virga a R$ 99 e um Tanqueray, popular entre profissionais, pode ser encontrado por R$ 119,90.
Os ingredientes e o processo artesanal, segundo Mike Simko, encarecem o produto: “Usamos frutas e cascas naturais, não essências, como se faz em escalas maiores. Maceramos [os insumos] por 24 horas e usamos álcool de exportação”. Ele ainda qualifica seu gim como “premium”, e então teria uma vantagem econômica em relação a seu equivalente, um Tanqueray Nº. Ten (R$ 229,90), por exemplo. (Consultado, o bartender Igor Bispo, do Tiger, o classificou como um bom gim, mas foi menos generoso nas comparações encaixando-o entre o Tanqueray e o Nº Ten.) O empreendedor vai lançar em breve uma versão “standard”, a ser vendida entre R$ 60 e R$ 70.
Para além de valores e estranhamentos, o bartender Lukinhas Siqueira (Taco El Pancho) vê as iniciativas com otimismo. “Se o whisky japonês já foi considerado o melhor do mundo, quem sabe um dia não nos tornamos tão grandes e reconhecidos com o gim também”, arrisca.
Para comprar: Loja Arapuru e Loja Virga
*Uma versão anterior da matéria afirmava incorretamente que o Arapuru ganharia uma versão standard. Na verdade, a empresa de Simko vai lançar uma outra marca de gim standard.