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A toca do Seu Coelho

por Vivian Faria  fotos Leandro Taques

A porta corrediça do número 16 da Rua Senador Alencar Guimarães, a apenas alguns metros da praça Osório, funciona quase como uma passagem para o passado. Basta cruzá-la para se sentir na Curitiba de meados do século 20, tempo em que carros ainda circulavam pela rua XV e os senhores compravam seus blazers, chapéus e pentes de osso em casas como a que o local abriga até hoje: a Loja Coelho. Ali, atendentes elegantemente vestidos recebem os clientes com extrema cortesia. Sobre os sóbrios móveis de madeira escura, feitos sob medida para a inauguração da loja, camisas e sapatos sociais dividem espaço com gravatas borboleta e chapéus, além de carros em miniatura, jarros e outros tantos objetos de decoração. Nas paredes, brasões, quadros e relógios não cansam de marcar a passagem do tempo e dão o clima do local, que pouco mudou em décadas de funcionamento.

Inaugurada em dezembro de 1957 pelo jovem Carlos da Costa Coelho, a loja de “artigos para homens”, como explica a placa ao lado da porta, já tem muito mais tempo em atividade do que qualquer um teria imaginado que seria possível na época de sua abertura. “Quando eu comecei aqui, o comércio em Curitiba era só na rua XV, na praça Generoso Marques, na praça Tiradentes e em um pedaço da rua Barão do Rio Branco”, relembra Seu Coelho, como ficou conhecido Carlos. Por escolher um local tão afastado do centro, em uma rua quase que exclusivamente residencial, o mineiro de Guaxupé criado na capital paranaense teve que ouvir que era louco e que morreria de fome. Mas nem isso ou a falta de experiência com comércio de roupas assustaram Seu Coelho, que tinha começado a trabalhar aos 11 anos como office-boy de uma loja de tecidos, determinado a nunca mais parar.

O começo foi de sacrifício. “Dezembro era mês de festa, então vendi bastante, mas depois caiu totalmente o movimento e eu fui sofrendo, vendendo automóveis e as coisas que eu tinha para poder sustentar a casa aqui”, revela. Mas com a experiência de quem vendia carros há quase 15 anos, Carlos sabia que para conquistar a clientela era importante ter mercadorias de qualidade e do gosto do freguês, além de lidar com o cliente com cordialidade e respeito, ensinando os funcionários a fazerem o mesmo. A postura séria com certeza serviu para que a Casa Coelho resistisse a tantas crises financeiras e mudanças de governo que aconteceram ao longo dos anos. Outros detalhes também fizeram toda a diferença: Seu Coelho sabia que, como proprietário do negócio, deveria estar sempre presente para fazê-lo prosperar e que deveria ter uma equipe boa e confiável. “Eu tive outra loja igual a essa na Galeria Lustosa, na rua XV, durante 28 anos. Quando não tinha mais gente de confiança para deixar na loja, achei melhor fechar”, declara.

Endereço requisitado
Hoje, quase seis décadas depois, a qualidade do atendimento e dos produtos ainda chama a atenção, mas o verdadeiro diferencial da loja é ter artigos difíceis de encontrar, como camisas rigor e gravatas borboleta. Seu Coelho diz que é comum pessoas chegarem ali procurando algo por indicação de outros lojistas. “Eles dizem: ‘Vai lá no Coelho. Se não tiver lá, desista.’” É por isso que os shoppings não assustam o veterano vendedor. “Pode abrir shopping em tudo quanto é canto da cidade”, brinca. O movimento da loja também se deve muito à simples presença do Seu Coelho, que por si só se tornou um grande atrativo. Todos os dias ele chega por volta das 10h30 e vai embora apenas quando as atividades do dia se encerram, às 19h. E todos os dias alguém passa na loja para fazer uma visita. São antigos clientes, esposas e viúvas de antigos clientes, ex-funcionários. “Tive office-boy guri aqui que hoje é médico, engenheiro etc. Cresceram, se formaram, fizeram uma carreira e de vez em quando eles vêm aqui”, conta o proprietário.

Seu Coelho se diverte com os clientes e as visitas, e tem inúmeras histórias para contar por causa deles, desde a comemoração do seu aniversário de 90 anos, em março, que começou com alguns amigos trazendo um bolo e terminou com entrevistas para programas locais de TV, até o dia em que atendeu o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que precisava de sapatos que combinassem com a casaca que usaria durante um evento na cidade.

Se depender de Carlos, a coleção de causos deve continuar crescendo. Agora, quanto ao futuro da Loja Coelho, ele pouco sabe. Não há certeza se algum de seus três filhos ou três netos vai querer assumir o ponto, mas isso não o preocupa. Enquanto ele puder, estará sempre ali. “Já tenho idade para parar, mas acontece que aqui é a minha vida”, resume.

 

 

Agora, nem só para homens
Quando resolveu abrir a loja, Seu Coelho optou por não arriscar tanto: venderia apenas artigos masculinos, porque não entendia nada de roupas femininas. Há cerca de dez anos, porém, a loja tem echarpes, broches e chapéus para mulheres, graças à segunda esposa do lojista, dona Claudete, que passou a trabalhar com o marido e resolveu colocar à venda alguns artigos femininos. Segundo Seu Coelho, a ideia foi um sucesso: “É loja de homem, mas grande parte dos clientes são mulheres, então elas levam para elas também”.

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