Embaixador da natureza
por Juliana Reis
No aconchegante e luminoso chalé onde Zig Koch mantém seu escritório, é ao redor de uma mesa de luz que acontecem as reuniões. Esse espaço – onde em outros tempos o negativo ficava sob a mira exigente do autor do clique – não cumpre mais sua função original no escritório de um dos mais famosos fotógrafos de natureza do Brasil. Com o fim da era da fotografia analógica, Zig deu uma função a cada uma dessas mesas que mantinha. Elas se espalham por outros cômodos do lugar, como relíquia, como apoio, como mesa de reuniões… Na adolescência, o laboratório do pai, que também foi um entusiasta da fotografia, era montado na despensa de casa. Inspirando-se aí, Zig chegou a planejar o seu próprio, mas a era digital passou por cima. “Não deu tempo”, diz ele.
Um certo saudosismo paira no ar quando ele recorda a lenta, mas inevitável, chegada da fotografia digital. O autor das exuberantes fotos de flora e fauna brasileiras que figuram em exposições pelo país, calendários, revistas como a National Geographic e Horizonte Geográfico, materiais didáticos e publicações de organizações como a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) e Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza rendeu-se à fotografia digital – o resultado é fabuloso, diz ele. Mas isso não significa que tenha esquecido as vantagens da fotografia analógica. “Sinto saudades da cadeia produtiva que era a foto. Fazer menos cliques, escolher o melhor, trabalhar com o laboratório”, relembra. “Hoje você faz o registro e, antes mesmo de conseguir selecionar, as pessoas já querem o resultado às vezes no mesmo dia. Antes entendiam que era preciso tempo.”
Ele chama esse cenário de “a coisa nervosa do digital” e admite que o mercado ficou voraz até mesmo para um fotógrafo que se tornou um ícone da proteção da natureza. “Ao mesmo tempo em que a internet te abre um mundo, ela também fecha o mercado. Você pode ser visto no mundo inteiro, mas as pessoas acabam não comprando seu trabalho porque acham similares. A fotografia acabou perdendo um pouco de seu valor”, analisa ele, que tem um banco com mais de 150 mil imagens que podem ser adquiridas para os mais diversos fins, desde editoriais de revistas até a decoração com Fine Art – quando a foto é impressa e emoldurada em altíssima qualidade. “Se começasse hoje, talvez não conseguisse chegar aonde cheguei. Cresceu a quantidade de fotógrafos – e de gente muito boa que fotografa por hobby –, o mercado encolheu e os livros didáticos começaram a pegar fotos na internet.”
RÉGUAS T OU ROLOS DE FILME
Acreditar que a voracidade atual do mercado engoliria suas chances de sucesso é mesmo um golpe de humildade daquele que foi pioneiro ao clicar, por exemplo, alguns dos cantos mais selvagens do Brasil – como fez em uma expedição pelo remoto e selvagem Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, no Amapá. “É um trabalho autoral, mas também coletivo”, diz, e explica: “Por mais que você esteja sozinho na hora do clique, quem preparou aquelas condições foram várias pessoas, desde o cara que fez a manutenção das máquinas, até aquele que te levou até lá, passando pelo assistente… É como o trabalho de um arquiteto”, justifica de novo, com humildade.
A referência à arquitetura não surgiu do nada. Zig foi arquiteto antes de tudo. Seu sonho era apresentar soluções para problemas urbanos e até conseguiu iniciar a carreira voltada para esse fim. Mas frustrou-se ao constatar que muitos projetos não consideravam fatores ambientais. “Percebi que as pessoas não entendiam de natureza”, diz. “E vi na fotografia a oportunidade de mostrar essa importância.” Zig, que desde os 16 anos já trilhava pelas montanhas do Paraná e acampava por aí, batendo fotos de tudo (menos de gente), viu-se comprando mais equipamentos de fotografia do que de arquitetura. Era quase uma campanha em prol da natureza feita por um homem só. “De repente me vi com um monte de equipamentos para fotografar e pensei: ou vendo tudo e monto meu escritório de arquitetura, ou vendo minha régua T e vou comprar rolos de filme.” Vendeu a régua T e comprou os filmes. Era final da década de 80, claro, quando não havia mais que quatro ou cinco fotógrafos registrando a natureza no Brasil.
Tentando entrar nesse mercado embrionário, Zig fez uma expedição pelo Pantanal e mostrou o resultado em imagens imensas na primeira exposição de fotografia organizada em Curitiba pelo Shopping Mueller. Chamou atenção e foi apresentando um trabalho cada vez mais consistente à medida que ia sendo convidado a fotografar para diversos meios a Mata Atlântica, as araucárias paranaenses, porções da Amazônia… Há até pouco tempo, eram de sua autoria o material sobre a Serra do Mar apresentado nas escolas do Paraná. A foto que abriu os trabalhos da Fundação Boticário, criada em 1990, foi de sua autoria. E cedida. A partir daí não tinha mais jeito: o curitibano e neto de poloneses Ricardo Koch Cavalcanti iria entrar para o imaginário nacional como aquele fotógrafo “embaixador da natureza”, o Zig Koch.
Em tempo: antes que o célebre jacaré que habitava o lago do Parque Barigui, em Curitiba, fosse “encaminhado” à natureza, Zig conseguiu seu clique do bicho. “Na verdade, eram três jacarés. Eles viviam ali em paz e poderiam continuar compartilhando o lugar se não fossem incomodados”, defende. A ocasião fez Zig lembrar o quanto ainda falta aos brasileiros a noção de respeito pelo meio ambiente. Seus cliques, então, continuarão por muito tempo fazendo parte da desafiante tarefa de educar os homens e defender a natureza.