Alma no tempero

por Ivo Lopes

Os atores do mundo gastronômico vivem atualmente o que as importantes figuras dessa área no início do século passado jamais imaginavam viver: conduta sustentável em vários níveis, uso das mídias sociais, aparecimento de várias escolas de gastronomia e a valorização de algumas profissões – como padeiro e confeiteiro.

Antes de pensar em qualquer modernidade ou tendência, gosto de lembrar que a comida, elaborada ou não, precisa ter personalidade e alma. E antes de ter a composição de sabor, aparência, textura e valores nutricionais, ela é um conjunto de ingredientes. Portanto, devemos ter prazer em escolher produtos cada vez mais frescos. Usar cada vez mais produtos regionais e sazonais é hoje o que os grandes chefs mundo afora estão buscando. As vantagens são imensas. Incentivar e valorizar a produção local é acreditar na economia regional, melhorando a qualidade de vida das comunidades produtoras. É diminuir custos de transporte e reduzir emissões de CO2. É promover novos profissionais da área. É criar novas possibilidades. Ou seja, é inovar no processo de produção e manufatura. Foi justamente o que fez o chef Alex Atala com o  miniarroz (polido e integral), variedade inédita produzida por um agricultor do Vale do Paraíba. Com produção e comercialização desse produto, ele vem mudando o cenário da região.

A possibilidade de desenvolver um produto pensado exclusivamente para a minha cozinha é um incentivo tanto para a minha equipe – que trabalha afinada em busca da melhor entrega – quanto para aquele produtor que sempre trabalhou da mesma forma durante anos. Talvez ele consiga vislumbrar um diferencial viável e que possa impactar na economia de sua família e até mesmo de sua comunidade. Acredito que se continuarmos nesse movimento, nós, chefs de cuisine, possamos nos tornar “padrinhos” do pequeno e médio produtor, exigindo toda a qualidade necessária e, quem sabe, criando produtos para atender a demanda da nossa cozinha.

Gosto de verificar pessoalmente a procedência dos ingredientes que compõem os pratos que preparo. É simplesmente fantástico fazer a triagem dos produtos frescos e lembrar todo o caminho percorrido para chegar até nós. E mais fantástico ainda é saber que vamos prepará-los com toda a alma necessária para que as pessoas tenham sensações inusitadas ao degustar. A gastronomia traz ao ser humano uma experiência sensorial maravilhosa. Sabores e aromas que marcam momentos, situações, locais ou pessoas, jamais são deixados de lado em nossa memória. Não é necessário inventar muito, é necessário fazer bem feito e com alma!

 

Ivo Lopes é chef do restaurante La Varenne, no Pátio Batel.

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