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Uma cidade para todos?

Como uma arquitetura hostil evidencia o problema da invisibilidade de pessoas em situação de rua

Bancos com divisórias,  pedras sob viadutos, arames farpados, pontas de lanças em comércios de rua, estacas de ferro na fachada. A chamada “arquitetura hostil” começou a fincar suas raízes nos anos 1990 com o intuito de restringir o acesso em a presença de um grupo específico: a população em situação de rua. Afinal, não é difícil encontrar nas grandes cidades de nosso país – ou ao redor do mundo – obstáculos para impedir que pessoas desabrigadas descansem. Na cidade de Londres, por exemplo, foi projetado um bloco de concreto desconfortável, com revestimento especial resistente a pichações e com lados angulares, devidamente pensado para que pessoas não se deitassem. Ele leva o nome de “Banco de Camden”.

O termo “hostile architecture” ficou famoso após a publicação de uma reportagem no diário britânico The Guardian, em 2014, mas ganhou destaque no Brasil no ano passado, quando o padre Júlio Lancellotti popularizou o debate ao quebrar a marretadas pedras instaladas embaixo do viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na cidade de São Paulo.

Lancellotti segue com as denúncias – e pautou o termo “aporofobia” “ódio/aversão aos pobres” ao citar espetos em uma escadaria da Catedral de Campinas. Após a fala do padre, os espetos foram retirados do local.

A quantidade alarmante de pessoas em situação de rua evidencia o estado mais degradante a que um ser humano pode chegar, podendo ser por falta de opção, abandono familiar, dependência química e/ou problemas psiquiátricos. Os dados na pandemia são escassos, mas, de acordo com o Ipea, o número de pessoas em situação de rua no Brasil cresceu 140% entre 2012 e março de 2020. Esse tipo de arquitetura não é a solução, mas, sim, a falta de comprometimento da sociedade em geral, que está fechando os olhos para um problema grave e humano.

A arquitetura do higienismo visa evitar o que não é aprazível aos olhos, mas não resolve o problema. Apenas limpa a vista para que turistas, pedestres e passageiros não vejam a realidade social das cidades e a desigualdade que as cerca.

Quando uma cidade é hostil, ela nada mais é do que o reflexo de uma população e de gestores que acreditam que alguns têm mais direitos que outros – quando justamente as pessoas com condições extremas de pobreza deveriam ser prioritárias nas mobilizações socioeconômicas.

*Matéria originalmente publicada na edição #258 da revista TOPVIEW. 

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