Uma realidade particular
Entender o agronegócio não é só saber que existem milhares de hectares de plantações e pastos no Brasil, mas, também, desconstruir a imagem que comumente vemos do que é riqueza, tecnologia, entretenimento, moda e por aí vai. O agro perpassa várias áreas da sociedade, em diversos aspectos. O impacto vai além das movimentações de R$ 669,7 bilhões por ano ou de representar mais de 20% do PIB nacional. Pode-se dividir o agronegócio em três grandes partes: a primeira, referente aos negócios em si, envolve os produtos rurais, as pessoas físicas e as empresas.
A segunda parte reúne a indústria que serve à agropecuária com produção de insumos e equipamentos necessários ao trabalho. Já a terceira representa o “pós-porteira”, ou seja, a última etapa, como compra, venda, transporte, etc, até chegar ao consumidor final, a exemplo dos frigoríficos, mercados, distribuidores e até a indústria têxtil. O agro engloba as atividades agrícolas e pecuárias e está relacionado diretamente ao funcionamento da sociedade brasileira — e da população, que é a grande força de trabalho do setor.
A agropecuária emprega 18,20 milhões de pessoas, segundo pesquisas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) referentes a 2018, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE. Sem levar em conta os empregos informais sem carteira assinada.
É possível que, ao invés de investir no último modelo de carro de luxo lançado pela Ferrari, empresários escolham pagar milhões em um cavalo puro-sangue. Ou, ainda, comprar um supertrator luxuoso para sua fazenda. É uma realidade que não é facilmente vista nas ruas do Batel ou do Centro de Curitiba, mas é o cotidiano do interior do Paraná, que figura como o segundo maior produtor de grãos do país, com 37,07 milhões de toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Para Flávio Campestrin Bettarello, Secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), muito além dos números, o agronegócio possibilitou segurança alimentar aos brasileiros. “No Brasil, nós temos a característica de um setor com alimentos de qualidade a preços bastante competitivos.
A democratização do acesso ao alimento é a maior contribuição social, com certeza”, defende. E remonta ao início da colonização brasileira, com a extração do pau-brasil e o ciclo da cana e do gado. “A própria interiorização do Brasil tem a ver com o agronegócio, com a história do gado”, analisa Gilson Martins, professor do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele ainda explica que, entre os anos 1960 e 1980, o país passou por uma fase difícil no setor. O ritmo é retomado a partir da década de 1990.
“Tivemos uma reviravolta na agricultura e temos aí dois motivos importantes: um é a própria estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real, que não beneficiou apenas a agricultura, mas toda e qualquer atividade. Mas, mais do que isso, talvez um fator preponderante na década de 1990, e na virada da de 90 para a 2000 foi a questão da demanda mundial de commodities agrícolas puxada pelo crescimento, principalmente, da China”, explica.
“No Brasil, nós temos a característica de um setor com alimentos de qualidade a preços bastante competitivos. A democratização do acesso ao alimento é a maior contribuição social, com certeza.”
Já consolidado economicamente, o agronegócio foi essencial para segurar as pontas durante a crise, defende Gilson. “No período de crise econômica, o agronegócio, principalmente puxado pelas commodities e o ciclo das carnes e a proteína animal, conseguiu manter um certo nível de crescimento produtivo e até de emprego no país”, reitera. “Ao passar por alguns lugares no interior do país, é possível perceber que, em muitos, não existe sinais da crise, como acontece nas grandes aglomerações urbanas, como São Paulo.”
O que mais se destaca é a produção de commodities agrícolas, em especial, de soja e milho. No ano passado, o país exportou 44,9 milhões de toneladas de milho, um novo recorde, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). A soja em grão liderou as exportações, com 23,2 bilhões de dólares em vendas em 2019. Foi seguida pela celulose (US$ 6,56 bilhões), pelo milho (US$ 5,92 bilhões), pela carne de frango in natura (US$ 5,5 bilhões) e pela carne bovina in natura (US$ 4,98 bilhões), segundo informações publicadas pela Conab.
A previsão para a próxima safra é boa. A estimativa da Conab é um crescimento de 3,8% na produção de soja em comparação com a temporada passada, totalizando 251,1 milhões de toneladas. A pecuária deve crescer 14,1%, impulsionada principalmente pelas exportações de carne, por conta do impacto da peste suína africana em alguns países. As informações são da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O Paraná dentro do mercado nacional
O Paraná ocupa um lugar importante no cenário do agronegócio nacional. Além de ser o segundo maior produtor de grãos, atrás apenas do Mato Grosso, ocupa também a segunda posição na produção de leite, segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) do IBGE. “O Paraná tem uma localização estratégica, perto do porto e do maior consumidor, que é São Paulo, além de ser referência para o mundo em termos de tecnologia”, pontua Robson Mafioletti, engenheiro agrônomo e superintendente da Ocepar.
Vê, também, otimismo nos produtores, que estão investindo em sanidade das carnes e em esforços para acabar com possíveis pestes e, com isso, abrir novos mercados, mais sofisticados, além do leite, da soja, do malte e da farinha de trigo.
Sustentabilidade na mesa
Em tempos de Greta Thunberg, a ativista ambiental de 17 anos que abriu os olhos do mundo para a urgência da crise ambiental, não há como não tratar da sustentabilidade, tema recorrente em movimentos que pressionam instituições de vários setores por mudanças.
O agronegócio não está fora do alvo — e a tendência está no radar das gigantes da área. “Nossa meta é firmar o Brasil não só como potência agrícola, mas, também, como potência agroambiental: produzir mais com mais sustentabilidade — e queremos que o mundo nos veja assim. Isso está no centro de todo o nosso modelo e é uma direção irreversível que vem da ministra”, corrobora Flávio. O agro respondeu, em 2018, por 25% das emissões de gases de efeito estufa no país, com 492 milhões de toneladas de CO2.
Quem mostra os dados é o relatório mais recente do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima. Dentro do setor, a pecuária foi responsável por 77% das emissões. São esses gases que promovem o aquecimento global e as mudanças climáticas. No entanto, o relatório aponta que o aumento da produtividade na agropecuária não significa necessariamente um aumento de emissões na mesma proporção.
Na agricultura, por exemplo, a produção de grãos cresceu 120% entre 2005 e 2018; já as emissões aumentaram menos de 60%. Entra aí a necessidade de novas tecnologias que possam minimizar os efeitos ambientalmente negativos da produção. O Plano ABC — Agricultura de Baixa Emissão de Carbono — é uma iniciativa do Governo nesse sentido. Desde 2010, parte do crédito do Plano Safra é destinado ao programa, que conta com sete frentes, seis referentes a tecnologias de mitigação e um com ações de adaptação às mudanças climáticas. “Eu defendo o meio ambiente, mas também defendo a democratização do alimento, então tem que ter um equilíbrio”, analisa Flávio.
“Em tempos de Greta Thunberg, a ativista ambiental de 17 anos (…), não há como não tratar da sustentabilidade — e o agronegócio não está fora do alvo (…).”
Não basta analisar apenas o lado ambiental da sustentabilidade, é preciso pensar, também, no social. Em especial, quando falamos de quase 20 milhões de pessoas empregadas no setor. Para Flávio, a inclusão no campo é essencial. “A maior parte dos produtores são de agricultura familiar. O campo é renda para muitos”, afirma. “Por isso, precisamos de inclusão: do jovem, da mulher e das minorias, além da digital. A atividade rural tem que ser digna e gerar uma renda condizente com a qualidade de vida.”
As mudanças no panorama da produção são um desafio importante para a área, hoje. “Existe um foco na questão urbana, ou seja, muitos jovens acabam deixando as propriedades rurais e não há uma continuidade na gestão dos negócios”, observa Gilson. “O desafio é ter mecanismos que ajudem a manter esse jovem no campo. Isso passa pela própria inserção digital no meio rural.”
*Matéria originalmente publicada na edição #233 da revista TOPVIEW.