Tá liberado? Entenda como funciona o uso de drogas para tratamento de distúrbios
por Anderson Gonçalves
Quando se fala em drogas psicodélicas, é praticamente inevitável associá-las a cenas caricatas. Pessoas fora de si, “viajando” em cenários coloridos e surreais. O que faz sentido, visto que, a partir dos anos 1960, drogas se popularizaram na esteira do movimento da contracultura.
O que a maioria das pessoas não sabe é que elas não servem apenas para uso recreativo. O uso monitorado de drogas ajuda no tratamento de dependentes químicos e de doenças como depressão, estresse pós-traumático e ansiedade.
A desmistificação das drogas psicodélicas é o tema do livro mais recente do jornalista americano Michael Pollan. Michael é famoso por suas obras relacionadas à alimentação saudável, além do seriado Cooked, disponível na Netflix.
Após uma década de pesquisa, ele lançou no ano passado Como Mudar Sua Mente (Editora Intrínseca). O subtítulo resume a obra. “O que a nova ciência das substâncias psicodélicas pode nos ensinar sobre consciência, morte, vícios, depressão e transcendência.”
Durante as quase 500 páginas, Pollan faz um relato histórico sobre as pesquisas científicas com drogas sintéticas iniciadas na década de 1950 e interrompidas na metade da década de 1960, diante da popularização e dos efeitos negativos do uso desregrado do LSD.
Também relata sua própria experiência com drogas e, por fim, destaca a retomada bem sucedida dos experimentos com uso monitorado de drogas a partir de 2010. Agora com foco na psilocibina, uma substância alucinógena encontrada em cogumelos.
Segundo Pollan, a terapia psicodélica começou a ser reconhecida há 70 anos. Porém, os resultados começaram a aparecer em meados dos anos 50 com o uso de doses de LSD em alcoólatras. Os resultados indicaram “efeitos benéficos significantes sobre o uso de álcool”.
Outros estudos desenvolvidos à época indicaram resultados promissores no tratamento de depressão e ansiedade em pacientes com câncer. Na década de 2000, as pesquisas com uso monitorado de drogas começaram a ser retomadas com mais força.
Recentemente, um estudo da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, avaliou os efeitos da psilocibina em fumantes com dificuldades para abandonar o vício.
De acordo com os pesquisadores, seis meses após o experimento, 80% dos voluntários informaram que deixaram de fumar. Depois de um ano, esse percentual caiu para 67%. Ainda assim, é o melhor índice já registrado em um estudo dessa natureza.
Mas, afinal, de que maneira uma experiência alucinógena pode influenciar pessoas a abandonar um vício?
“Os fumantes sabem que seu hábito não é saudável, é desagradável, caro e desnecessário, mas sob o efeito da psilocibina, esse conhecimento se torna uma convicção inabalável.” “Algo que eles sentem no fundo do coração’”, explica Pollan, que reproduz o depoimento de uma participante do experimento: “o universo era tão grande e havia tantas coisas que você poderia ver e fazer que se matar pareceu uma ideia estúpida”.
Esse mesmo processo de conscientização através da psilocibina foi experimentado em pessoas com câncer que enfrentavam depressão, ansiedade e medo da morte.
Um total de 80 voluntários, conduzidos por pesquisadores da Johns Hopkins e da New York University, “embarcaram em uma jornada psicodélica que, em muitos casos, colocaram-nos frente a frente com seu câncer, seus medos e a morte”.
Por fim, no experimento, 80% dos voluntários apresentaram redução nos índices de ansiedade e depressão pelos seis meses seguintes. Segundo o neurocientista Robin Carhart-Harris, pesquisador da terapia psicodélica na Imperial College, Londres, o uso monitorado de drogas têm o poder de “reiniciar” o cérebro, descartando padrões negativos e abrindo novos caminhos.
Cabe lembrar que todas essas experiências foram feitas com doses controladas de psicodélicos e sob monitoramento de médicos e cientistas. “O valor dessa experiência não se limita à saúde mental. Há ricas implicações para o que os pesquisadores chamam de ‘melhoria das pessoas’”, conclui Pollan.
*Matéria publicada originalmente na edição 219 da revista TOPVIEW