Sororidade como potência revolucionária
Como tratamos na matéria de capa “Mulheres no mundo: unam-se” da edição de dezembro, sororidade tem diversas dimensões – e pode ser percebida em vários tipos de relação entre mulheres.
A designer de moda Suelen Matos conta, em seu artigo de opinião, sobre como abandonou a competitividade feminina e notou que aprender a amar outras mulheres a fez conseguir, também, amar a si mesma. Confira na íntegra.
“Fomos criadas aprendendo a odiar e competir com outras mulheres e isso, muitas vezes, é reforçado dentro de nossas próprias casas. É comum ouvirmos histórias em que a mulher diz: “sinto que minha irmã compete comigo”, ou, até mesmo, “minha mãe diz que a profissão da minha prima é melhor do que a minha.” Todas essas falas, que suscitam competitividade, enraízam-se no inconsciente e, mesmo sem perceber, entramos nesse jogo da competição com as mulheres ao nosso redor.
Eu sempre via outras mulheres como rivais em potencial. Durante a minha adolescência, sentia que conseguia alimentar, com mais naturalidade, amizade com homens do que com mulheres, afinal, “elas sempre sentiam inveja de mim” (outra frase comum). Quando a gente aprende a odiar outra mulher, automaticamente, começamos a nos odiar também. Eu era extremamente cruel com meu corpo. Odiava a cor da minha pele, a textura e forma dos meus cabelos, o tamanho da minha boca e nariz.
Ser mulher sempre foi uma “coisa insuportável”, me anulei por muitos anos: tentei modificar meu corpo, sentia que precisava ser muito magra, alisar meus cabelos e ter a pele mais clara. Já que era mulher, precisava ser o tipo que a sociedade acreditava que era o ideal. Recordo-me que, na época do colégio, era comum ‘zoar’ as meninas que fugiam da forma padronizada.
“Quando a gente aprende a odiar outra mulher, automaticamente, começamos a nos odiar também. Eu era extremamente cruel com meu corpo. Odiava a cor da minha pele, a textura e forma dos meus cabelos, o tamanho da minha boca e nariz.”
A escolha pela moda e beleza
Cresci rígida. Ao entrar na faculdade, escolhi design de moda. Irônico alguém que não se achava bela querer trabalhar com beleza. Foi aí que encontrei a minha. No terceiro ano da graduação, ouvi falar sobre algumas mulheres que tiravam seus sutiãs em praça pública e protestavam contra o machismo, as “femen”. Achei a discussão muito interessante, mas não me reconhecia naquelas práticas. Busquei entender o que significava o termo feminismo. Fui bombardeada por palavras como empatia, união e sororidade. Mas o que realmente tudo aquilo simbolizava?
Comecei a me olhar no espelho com outros olhos, perceber a minha beleza, meu valor e minha potência revolucionária. Comecei a ter mais empatia por mim mesma e, com isso, praticar esses novos conceitos com outras mulheres. Busquei grupos em que eu pudesse debater e entender mais e enaltecer mulheres. Mais do que me aceitar, comecei a me amar. E, graças a isso, percebi que amava outras mulheres — até mais do que afetivamente, mas, sim, romanticamente.
Amor pelas mulheres: a sororidade
Em 2017 conheci minha atual companheira, após uma vida toda me relacionado com homens. Relacionar-se romanticamente com outra mulher é um ato revolucionário, é sair da norma de competição, ódio e repulsa que somos condicionadas a praticar. É mais do que possível existir um amor genuíno e recíproco na mesma proporção.
Vivemos juntas há mais de dois anos. Além de sermos diferentes fisicamente, também somos um casal inter-racial, o que desperta mais olhares. Gostamos de consumir conteúdos diferentes, mas temos os mesmos valores de vida e de futuro. Somos feministas, ela é psicóloga de mulheres e eu, uma antropóloga que pesquisa contextos e situações vividas por mulheres negras. Nossas práticas de sororidade ultrapassam as paredes do nosso lar e chegam até diversas outras mulheres por meio de nossos trabalhos.
O termo sororidade significa união, irmandade. Mas eu acredito que a união começa por nós mesmas, como seres sociais, nos unirmos com nossa alma, nosso espírito, nosso corpo, nossa história. Entendermos o quão potentes e revolucionárias somos, pois é a partir daí que conseguiremos criar um movimento muito maior, atingindo outras mulheres. Quando uma mulher se movimenta, outras se movimentam com ela.”
Conheça Suelen Matos
Suelen é designer de moda, especialista em africanidades e cultura afro-brasileira e mestranda em antropologia. Atua como pesquisadora sobre questões raciais e de gênero na moda, feminismo negro, ascensão social da mulher negra, afroempreendedorismo feminino e empreendedorismo social.
Mulheres que inspiram sororidade para seguir
Nataly Neri (@natalyneri)
Cientista social e youtuber do canal “Afros e Afins”. Em seus posts, fala, especialmente, sobre feminismo negro, empoderamento e relações de poder entre humanos e animais.
Joice Berth (@joiceberth)
Escritora, feminista negra e arquiteta, Joice é autora do livro O que é Empoderamento?, da coleção Feminismos Plurais, e debate sobre questões raciais e de gênero.
Tauani Vieira (@tauani26)
Estudante de psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Tauani fala sobre a realidade das mulheres com deficiência. Ela tem Epidermólise Bolhosa (EB), uma doença do tecido conjuntivo, que causa bolhas na pele e membranas mucosas.
Hadassa Gomes (@hadeusa)
Designer de moda também de Curitiba, ela fala sobre as condições de ser mulher negra e gorda em nossa sociedade, passando por temas como afrofuturismo.
*Matéria originalmente publicada na edição 231 da revista TOPVIEW.