Transtornos infantis: um assunto a ser debatido
Tente imaginar essas duas situações: um astronauta está perdido no espaço, sem chances de voltar para a Terra nem de encontrar alguma salvação, a não ser passar o resto da vida à deriva no espaço. A segunda cena: você está andando na rua e tropeça. Tente se lembrar daquele sobressalto entre a topada e a queda.
As metáforas buscam descrever sensações de crianças e adolescentes com depressão e transtorno de ansiedade, os distúrbios mentais mais comuns nessas faixas etárias. Segundo a Organização Mundial da Saúde, um em cada cinco jovens apresenta algum distúrbio psíquico, como também desordens alimentares, déficit de atenção e hiperatividade e autismo.
A OMS aponta, em relatório divulgado neste ano, que o Brasil é o país mais ansioso do mundo (mais de 9% da população) e também com o maior índice de depressivos da América do Sul (quase 6%). A prevalência desses distúrbios é parecida em qualquer idade. Em casos mais extremos, um transtorno psíquico não tratado pode levar ao suicídio, que é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Novo vocabulário
As causas são muito variáveis: podem ter origem biológica, genética, psicológica ou social. Há ainda fatores de risco aos quais os jovens estão expostos, como bullying, violência doméstica, divórcio dos pais, perda de pessoas próximas e falta de autoestima. Parece clichê, mas o cuidado deve começar dentro de casa, com a participação ativa dos pais e responsáveis. Isso porque dificilmente a criança ou adolescente consegue verbalizar o que está sentindo.
E se há algum problema. “Muitos não conseguem expressar seus sentimentos, exceto para dizer que se sentem bem ou não. Deve-se dar a elas um novo vocabulário”, diz o norte americano Andrew Solomon, autor de O Demônio do Meio-Dia, considerado uma bíblia sobre depressão.
“Os pais têm que ficar atentos para mudanças no comportamento dos filhos”, comenta a psiquiatra Joyce Grimberg, ligada à prefeitura de Curitiba. Ela cita alguns itens para prestar atenção: queda no rendimento escolar, irritação, isolamento e mudanças no apetite e no sono. Se um ou mais desses fatores se tornar muito intenso ou duradouro, é hora de buscar ajuda. Além da atenção ao cotidiano, também é preciso reparar no que elas estão querendo expressar, seja por meio de desenhos ou brincadeiras. “Em geral, quando os pais conversam [com as crianças] seriamente, elas se sentem valorizadas e encorajadas a dizer o que está incomodando”, diz a psiquiatra Maria Carolina Serafim, do Hospital Pequeno Príncipe.
As especialistas afirmam que a psicoterapia e alterações de hábitos de vida — ligados a uma boa alimentação, exercício físico e tempo lúdico — devem ser as primeiras opções para o tratamento. Em último caso, o médico pode receitar tratamento com remédios psiquiátricos. Se necessária medicação, o uso deve ser controlado e restrito apenas às orientações médicas. Como as crianças estão em fase de desenvolvimento, a administração de remédios sem necessidade ou em doses erradas pode trazer comprometimentos. “A escolha do medicamento deve sempre levar em conta fatores como sintomas, possibilidades de a família administrar a medicação, efeitos colaterais e benefícios”, explica Maria Carolina. “As doses devem ser ajustadas de acordo com cada caso. Trata-se de um trabalho em conjunto com a família para se evitar possíveis riscos no uso da medicação.”
Preconceito
A professora Angela Almeida, de Curitiba, percebeu alterações no comportamento da filha Amanda quando ela tinha nove anos. A menina chorava e brigava sem motivos, não queria dormir sozinha, se escondia dentro do guarda-roupa e chegou a tentar se cortar. No ápice, Amanda passou a pesar 100 kg. A mãe procurou ajuda com psiquiatras e psicólogos,que diagnosticaram depressão. Hoje, aos 14 anos, Amanda toma emédios e tem acompanhamen-to médico constante. Ainda não conseguiu voltar para a escola por causa de crises de ansiedade frequentes, e estuda em casa. A mãe deixou o emprego para poder ficar perto da filha. Mas ainda convive com preconceito e falta de entendimento das pessoas próximas sobre doenças mentais.
Influência dos tempos?
Estudos apontam que os índices de ansiedade e depressão entre adolescentes vêm crescendo desde 2012, após anos em níveis estáveis. Pesquisadores não souberam explicar o aumento, mas acreditam que possa ter a ver com a pressão da vida moderna e questões hormonais. “Fatores externos não são a única causa, mas é fato que temos a figura da ‘criança executiva’, que faz vários cursos, estuda e não sobra tempo de ser criança. Isso gera um estresse muito grande”, aponta a psiquiatra Joyce Grimberg.
Quais os principais transtornos infantis
Depressão
O que é: Tristeza permanente, apatia e incapacidade de realizar tarefas cotidianas
Sintomas: Melancolia, alterações no sono e na alimentação, falta de interesse em atividades antes prazerosas, falta de concentração
Ansiedade
O que é: Agitação mental, como se diante de grande perigo, rotineira
Sintomas: Taquicardia, tensão, falta de concentração
Bulimia
O que é: Leva a comer exageradamente e depois vomitar ou usar laxantes
Sintomas: Preocupação excessiva com peso, usar laxantes com frequência
Anorexia
O que é: Perda de peso muito acima do considerado saudável
Sintomas: Abuso de dietas e exercícios, longos períodos sem menstruar
TDAH (déficit de atenção com hiperatividade)
O que é: Transtorno ligado à desatenção e hiperatividade
Sintomas: Desatenção, inquietude e impulsividade
Autismo
O que é: Compromete comunicação e interações sociais
Sintomas: Alterações emocionais, isolamento, movimentos repetitivos
Transtorno bipolar
O que é: Oscilações de humor entre euforia e depressão
Sintomas: Na fase depressiva, melancolia e apatia. Na fase de euforia, hiperatividade e impulsividade
Onde buscar ajuda
Postos de saúde
Clínica Heidelberg Psiquiatria: Atende convênios e particular, (41) 3320-4900.
Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas: Atende SUS, (41) 3360-1800.
Hospital Pequeno Príncipe: Serviço de psiquiatria atende SUS, convênios e particular, (41) 3310-1010.
Psicólogos da Associação Psicanalítica de Curitiba (APC).
Consultórios privados de psiquiatras e psicólogos especializados em crianças e adolescentes.