SELF SAúDE

Ortorexia: quando a obsessão por alimentação saudável vira transtorno alimentar

A necessidade por "comer bem" também pode ser vista como um transtorno alimentar. Entenda aqui!

O mercado mundial de perda e gerenciamento de peso para 2022 é estimado em US$ 245,51 bilhões. O dado integra uma reportagem publicada pelo portal Quartz, que mostra como a luta contra a balança é uma preocupação de milhões de pessoas no mundo todo. Por outro lado, embora tanta gente esteja ativamente tentando perder peso (é o caso de metade dos consumidores norte-americanos), observa-se uma mudança no processo de emagrecimento, especialmente na internet.

Campanhas recentes de organizações como a Weight Watchers (Vigilantes do Peso, no Brasil) mostram que, ao invés de “dieta”, as palavras da vez são “alimentação saudável” e “bem-estar”. Surge, com elas, uma busca por alimentos naturais e livres de pesticidas, agrotóxicos e contaminantes alimentares (os ecologicamente corretos e até os que não causam degradação ambiental).

“A necessidade de produção de alimentos em massa tornou muito difícil para a indústria manter a pureza dos alimentos e sua conexão com a natureza. É essa conexão que as pessoas estão tentando resgatar, algumas até obsessivamente”, explica a nutricionista Andréia Cambuy, mestre em Antropologia Social e coach de emagrecimento. Trata-se da ortorexia: “Os sintomas estão relacionados a uma atitude obsessiva durante a escolha, a compra e o preparo dos alimentos”, explica Andréia.

Examinar detalhadamente as informações nutricionais de cada refeição, só aceitar refeições preparadas por si, pesar cada ingrediente que se come, repetir o mesmo prato todos os dias, evitar encontros ou eventos sociais por causa da alimentação e o forte sentimento de culpa só de pensar em escapar da dieta estão entre os principais sintomas da doença. Apesar de parecer uma busca por saúde, essa fixação com a “pureza” tem motivações mais profundas e complexas, como a compulsão por controle e medos.

“Eu mesma já vivi isso, a ponto de entrar num mercado e sair de lá sem nada, porque acreditava não haver ali um único alimento totalmente natural, que eu pudesse comer”, relata a coach. “Passei pelas fases clássicas do ortoréxico: o sobrepeso, depois a dieta rígida, seguida pela aversão por alguns alimentos. Tornei-me vegetariana e estive a um passo da anorexia.”

A especialista em Nutrição Clínica Aline Patschiki explica que o tratamento dado à alimentação por alguns blogueiros e modelos fitness na internet reforça a obsessão do ortoréxico. “É como qualquer outro transtorno psiquiátrico. A pessoa que tende a desenvolver, quando exposta a algum ‘gatilho’ (tais como as campanhas online), acabam entrando no quadro.” Chamar de “dia do lixo” aquele momento em que você se permite comer o que gosta, por exemplo, transforma esse menor rigor em algo muito ruim. Para o ortoréxico, sair da dieta vai se tornando cada vez mais uma falha grave.

Diagnóstico e tratamento

Por se tratar de um comportamento novo, ainda são poucos os estudos sobre ortorexia e os critérios de diagnóstico também não estão definidos. Mas há uma atenção crescente ao problema. Clínico geral no Hospital Santa Cruz, o médico Carlos Sperandio Junior conta que esses casos são cada vez mais frequentes e podem ter como consequência, além do transtorno psiquiátrico, uma série de deficiências nutricionais (como anemia e falta de vitaminas).

Sperandio também alerta ser importante haver uma consciência nutricional e que é necessário diferenciar as pessoas que optam por hábitos alimentares saudáveis daquelas que seguem isso de forma obstinada. O cerne da questão está no excesso de regras e na incapacidade de flexibilizar a alimentação.

A psicoterapeuta e pesquisadora do Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba (IPCAC) Priscilla Leitner explica que ainda não existe um diagnóstico formal para a ortorexia. Além disso, é raro a pessoa que sofre desse transtorno perceber que há algo de errado. “O comer saudável é reforçado socialmente, então o ortoréxico acha que errados são os outros”, alerta.

No IPCAC, o tratamento é multidisciplinar e envolve médicos psiquiatras, nutricionistas, educadores físicos, entre outros. O objetivo, segundo a pesquisadora, é sempre ajudar o paciente a superar o sofrimento emocional que a ortorexia provoca, a sair do isolamento social e a retomar uma alimentação realmente saudável: “Que é aquela que te nutre, mas sem ocupar sua mente o tempo todo”.

*Matéria escrita originalmente por Bianca Smolarek na edição 208 da revista TOPVIEW.

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