SELF SAúDE

Entre luz e sombras

O que rembrandt pode nos ensinar sobre o câncer de mama

por Alexandra Orgaratto 

Em 1654, O ilustre holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn pintou a obra Bathsheba at Her Bath, em que retratava a amante do Rei Davi em uma passagem bíblica do Velho Testamento. Acredita-se que a modelo teria sido a sua terceira esposa, Hendrickje Stoffels. Além da beleza dos traços de Rembrandt, o quadro também chamou atenção de dois pesquisadores australianos, que, em 1983, escreveram um artigo sugerindo que a expressão melancólica da personagem seria em decorrência do que foi observado em sua mama esquerda: uma área de descoloração, uma assimetria axilar e uma possível alteração de pele conhecida como peau d’orange. Resumidamente, sinais característicos de uma neoplasia mamária maligna.

Após 358 anos, em um estudo de 2012, pesquisadores holandeses, analisando as propriedades óticas teciduais com análises biofotônicas, concluíram que seria altamente improvável que fosse um carcinoma de mama. Na vida real, uma morosidade tamanha para se obter um diagnóstico de um carcinoma mamário teria consequências desastrosas.

Em 2021, W.M., 54 anos, inicialmente, chegou ao consultório com o propósito de emagrecer. Queria dicas e meios para chegar ao seu objetivo. Perder peso era sua preocupação. Há dois anos não realizava os exames rotineiros adequados à sua faixa etária, o que não parecia lhe causar grandes preocupações, pois o que ela realmente queria era emagrecer.

Ciente de que qualquer tratamento hormonal tem seus riscos, principalmente cardiovasculares e neoplásicos, considerando a idade e o histórico da paciente e que a segurança deve se sobrepor a desejos imediatos, procedi com uma investigação rotineira. Exames de imagem iniciais mostraram algo suspeito. Decidimos, assim, logicamente, prosseguir com o processo investigativo. A princípio, a paciente se chateou um pouco, pois o que ela realmente queria era um medicamento para emagrecer. Persistimos e, dessa forma, chegamos ao diagnóstico de um carcinoma in situ na mama, uma neoplasia ainda em estágio inicial. Foi realizada uma pequena cirurgia, que preservou sua mama. Podemos dizer que W.M. está completamente curada.

Esse caso simples é rotineiro no consultório ginecológico. Uma paciente que ficasse alguns poucos meses a mais sem seus exames ou, pior, se iniciasse um tratamento hormonal sem uma investigação adequada, teria um diagnóstico de neoplasia em estado mais avançado e a reposição hormonal ajudaria na piora do quadro. Haveria a necessidade de tratamentos mais agressivos e com maior chance de sequelas.

Rembrandt foi brilhante na pintura, sendo um expoente da técnica chiaroscuro. Um mestre das luzes e sombras. Um outro quadro seu, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, retrata a atenção dos alunos dispendida ao médico anatomista. Meu recado para as mulheres é: preste atenção também ao seu corpo, entenda que nem sempre a satisfação dos nossos desejos imediatos é o caminho mais seguro, lembre que prevenção e autocuidado vão impactar significativamente sua qualidade de vida futura e siga no caminho das luzes – não no das sombras. Quem se ama, se cuida!

Dra. Alexandra Ongaratto. (Foto: acervo pessoal)

*Matéria originalmente publicada na edição #254 da revista TOPVIEW. 

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