A cura está nos livros: entenda o conceito de biblioterapia
A ideia de que ler livros pode ser terapêutico é antiga e remete — como quase tudo neste mundo — aos gregos. Uma explicação básica de como funciona a biblioterapia é dada por César Ferreira, que trabalha como terapeuta em Lisboa, dentro do projeto The Therapist: tem a ver com “ler o livro certo, no momento certo, para o resultado certo”.
Pense em alguém que lê O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion, e, ao ver como a escritora lidou com a morte do marido, consegue encontrar meios de enfrentar o próprio luto. Isso tem a ver com uma das qualidades da literatura: ela dá acesso à vida de outras pessoas, oferecendo percepções e conhecimentos que o leitor talvez ignorasse até então e que pode aplicar à própria experiência.
A School of Life — com cursos que ensinam, por exemplo, como escolher o trabalho da sua vida ou como viver bem na era digital —, do filósofo suíço Alain de Botton, também defende que a leitura pode funcionar como terapia e possui até um site em que você seleciona o problema (“eu não me sinto confiante o suficiente em relação a sexo” é um deles) e recebe uma indicação de livro para lidar com a dificuldade.
“A utilização de livros como forma terapêutica ocorre há algumas décadas em Portugal. No entanto, a definição de biblioterapia ainda não era conhecida. O que nós, com o projeto do The Therapist, fizemos, foi dar um nome a esse tipo de terapia”, explica Joana Teixeira, proprietária da clínica portuguesa. O termo, ao menos segundo fontes internéticas, surgiu pela primeira vez em um texto da revista americana Atlantic Monthly, em 1916.
Perguntada sobre a própria experiência com leituras que a ajudaram, Teixeira cita Os Quatro Compromissos, de Don Miguel Ruiz. “Teve um papel fundamental numa altura da minha vida, em que fiz uma grande alteração de atitudes e comportamentos, da vida profissional e pessoal”, diz.
O biblioterapeuta e filósofo César Ferreira, que trabalha na clínica The Therapist, realiza consultas em que ouve os problemas, as expectativas e hábitos de leitura dos pacientes. Depois, indica obras (vale de autoajuda à “alta literatura”) que podem ajudar a resolver (ou a enfrentar) a situação. Ferreira cita o caso de uma mulher com cerca de 40 anos que o procurou “numa situação limite”. “Era divorciada, mãe de um filho e tinha a sua mãe a morar consigo. Encontrava-se numa situação em que não tinha tempo para si própria, dado que dedicava a maior parte do seu tempo aos outros”, explica. O diagnóstico foi “síndrome do salvador”, mal de alguém que se sacrifica sempre para ajudar os outros. O plano de leitura teve quatro etapas e cinco livros indicados, concentrados em questões como comportamento, confiança e autoestima.
Ao fim, a mulher pediu para mudar de cargo (e assim ter mais tempo para si) e se inscreveu em um curso de arte, um desejo antigo. “Ela teve um aumento impressionante na autoestima”, diz Ferreira. “Atualmente, vive uma vida feliz e preenchida.”
*Matéria publicada originalmente por Irinêo Netto na edição 205 da revista TOPVIEW.