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Os novos valores do luxo

Movimentos sociais e mudanças de comportamento têm questionado qual é o real valor de produtos de luxo – o que especialistas consideram uma “crise de identidade” no setor

Grifes europeias com anos de tradição, designers de moda lendários e produtos que, apenas por levarem a etiqueta de determinada marca, representam qualidade e bom gosto. Aposto que veio à sua mente as francesas Louis Vuitton, de 1854, Chanel, de 1909, a italiana Gucci, de 1921, ou a suíça Rolex, de 1905. Todas sinônimo de sofisticação e luxo – com um valor intrínseco no imaginário dos consumidores.

Foi assim por décadas. Hoje, entretanto, esse valor está em xeque, impulsionado por várias transformações de comportamento e movimentos sociais. A tradição que conquistou facilmente milhares de clientes, já não encanta tanto assim as novas gerações, que consideram outras questões na hora de fazer uma compra. A Z e a millennial, em especial, buscam autenticidade, novos valores – como sustentabilidade – e uma sensação de pertencimento.

“Revitalizar marcas de luxo significa redefinir a própria essência do luxo para atender às necessidades e expectativas que temos hoje. Precisamos redefinir o que o luxo representa e o que ele significa para as pessoas que vivem no século XXI ajudarem as marcas de luxo a recuperar seu senso de relevância, restaurar valor e impulsionar um crescimento significativo para impulsionar a valorização e o patrimônio da marca”, aponta Martina Olbertova, fundadora da consultoria Meaning.Global, em seu estudo The Luxury Report 2019: Redefining the Future Meaning of Luxury (O Relatório de Luxo 2019: Redefinindo o Futuro Significado do Luxo, em português).

A Balenciaga é referência mundial quando o assunto é streetstyle. (Foto:Unsplash)

A grande discussão gira em torno das mudanças no que representa valor em produtos e serviços. Com um novo público hiperconectado, consciente e engajado social e digitalmente, não é mais apenas sobre o legado de uma marca, mas sobre a relevância pessoal para cada indivíduo ou grupo social. “Antigamente, ninguém questionava nenhum segmento – as coisas eram como eram. O novo perfil de consumidor ganhou voz por meio das redes sociais. Agora, ele tem uma plataforma na qual pode questionar, ser ouvido e, desde o surgimento
dos millennials, esses questionamentos ficaram mais em evidência”, observa Manu Berger, CEO do Terapia do Luxo, portal de conteúdo sobre o universo do alto padrão.

“Antigamente, ninguém questionava nenhum segmento – as coisas eram como eram. O novo perfil de consumidor ganhou voz por meio das redes sociais.” – Manu Berger

A principal transformação – e demanda – hoje é por um posicionamento claro. “O engajamento social, por exemplo, sempre esteve presente nas ações das grandes marcas de luxo e, agora, mais do que nunca. Realmente, mostrar-se aliado a algo extremamente importante para as novas gerações, que cobram um posicionamento muito mais firme e transparente. Demonstrar preocupação com temas como sustentabilidade ambiental e social é uma das grandes mudanças atuais”, pondera Berger, que é, também, diretora da TdL Agency, especializada em mercado de luxo.

É o que percebe Mariah Salomão, diretora criativa da marca curitibana NovoLouvre, em suas consumidoras. “Vemos uma cliente muito atenta, contemporânea e intelectualizada. Uma consumidora que está engajada e não se engana fácil. Ela sabe como a roupa foi feita e vai comprar porque o produto entrega o discurso que a marca tem”, aponta.

Ainda assim, as grandes grifes não precisam, necessariamente, ficar para trás. Para Salomão, que também é supervisora da Escola de Moda do Centro Europeu, a Gucci é o maior exemplo de maison que conseguiu se adaptar aos novos tempos. Com uma pegada vintage, entrou para o mercado de segunda mão ao se unir à The RealReal, uma plataforma de compra e venda de produtos de luxo, como forma de prolongar suas coleções por meio da revenda. Outras gigantes, como a Dior, têm feito movimentos interessantes, com uma onda de empoderamento feminino.

Caroline Daur e Marc Goehring durante a Paris Fashion Week de 2019. (Foto: Shutterstock)

Streetstyle

Tênis, moletom e até ugly fashion. O streetstyle nasceu fora do círculo da moda, com sua própria estética e comunidade, mudou as regras do jogo no luxo e se fortaleceu como uma cultura antes de ser um mercado. Uma ótima representação da maneira como as novas gerações encaram a moda. Não demorou para que chegasse às passarelas – e às direções criativas das maisons.

Se o estilo das ruas já vinha com força nos últimos anos, impulsionado por marcas como Off-White e Balenciaga, Salomão acredita que o tempo de isolamento vai potencializar ainda mais a tendência. “Tem tudo a ver com essa mulher saindo para a rua, que é o que vemos hoje. O pessoal está dando preferência a lugares abertos, a passear na rua, está valorizando mais isso”, diz ele, traçando um paralelo com os dias atuais. “Não sei se a gente vai voltar a usar roupa que nos apertem, pelo menos por um bom tempo. Vamos ter uma mudança de paradigma. Essa roupa que a gente sai na rua tem que ser confortável.”

Não é mais o que acredita Virgil Abloh, um dos designers que esteve à frente do movimento. No ano passado, ele sentenciou o fim do estilo que o levou ao estrelato. O estadunidense fundou a Off-White e chegou à direção da Louis Vuitton justamente por conta de seu olhar e de sua conexão com os clientes mais jovens. Em entrevista à revista Dazed, disse que o streetstyle vai “definitivamente morrer” na década de 2020 – e ainda afirmou que o protagonismo ficará por conta das peças vintage, aquelas que já existem.

Second hand

A venda de produtos de segunda mão já é considerada a maior tendência de consumo deste ano.O mercado de resale deve atingir a marca dos US$ 64 milhões nos próximos cinco anos, indica a projeção da ThredUp. Isso representa um crescimento de 500%, estimulado, em especial, pela Geração Z. É impulsionado, também, pela preocupação crescente com a sustentabilidade e a necessidade de se criar uma economia circular. Não foi apenas a Gucci que ingressou nesse mercado: recentemente, a Levi’s fez o mesmo movimento, mas criou uma  própria plataforma, a Levi’s Secondhand.

“Ultrapassamos a barreira do know-how, de como fazer as coisas, para um momento do know-why, do por que estamos fazendo desse jeito.” – Mariah Salomão

“A vantagem é que muitos produtos voltam a ficar em alta, promovendo uma moda cíclica, sem temporadas, coleções ou estações. Acredito que, para o setor da moda, vai ser impactante no sentido de ser necessário o desenvolvimento de novas estratégias com produtos de entrada e transparência em suas atividades de criação”, analisa Berger. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva sobre os efeitos da pandemia indica que 42% dos entrevistados vão valorizar mais as marcas que consumirem – o que pode representar um consumo mais consciente.

“Ultrapassamos a barreira do know-how, de como fazer as coisas, para um momento do know-why, do por que estamos fazendo desse jeito”, defende Salomão. Toda essa mudança de mentalidade, segundo a especialista, representa o “novo luxo”. Esse é, inclusive, o lema da sua marca. “Não é luxo porque alguém colocou uma etiqueta, é por posicionamento, uma realidade que você vê nas práticas da empresa e no resultado final do produto”, defende. “O novo luxo é um produto que é resultado de um processo sustentável não só em relação ao meio ambiente, mas também no que se refere às relações sociais e econômicas da sua cadeia.”

*Matéria originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.

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