O valor das RPPNs
O pré-conceito de que a sustentabilidade e o luxo não combinam é algo do passado. Não faltam dados e pesquisas demonstrando a forte conexão entre as duas áreas. Kering, um grupo de luxo de classe mundial, estabeleceu uma estratégia de sustentabilidade baseada em três pilares: cuidar, colaborar e criar. Sem dúvidas, o novo luxo significa criar valor por meio de uma abordagem responsável.
Comecei minha trajetória na área de meio ambiente pesquisando um tema que considero muito único e luxuoso: as reservas particulares. No Brasil, uma pessoa (física ou jurídica) pode criar e possuir uma reserva em área de sua propriedade. São as RPPNs. A sigla é uma abreviação de “Reservas Particulares do Patrimônio Natural”, uma tipologia de Unidade de Conservação prevista pela legislação brasileira desde 1990. De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) atualizados em janeiro de 2020, existem 993 RPPNs no Brasil, totalizando mais de 5.900 km² de área protegida.
A criação de áreas especialmente protegidas é fruto de uma história interessante. A prática de delimitar e proteger paisagens cênicas é ancestral, mas o grande marco deu-se com a criação do Yellowstone National Park, nos Estados Unidos, em 1872 – considerado o primeiro parque nacional do mundo. No Brasil, o primeiro Código Florestal (de 1934) já trouxe o instrumento das florestas protetoras, mas foi no início da década de 1990 que o conceito de RPPN surgiu na legislação. Na virada do século, no dia 18 de julho de 2000, foi criado o SNUC, Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
O Sistema divide as unidades em Proteção Integral – mais rígida – e de Uso Sustentável – mais permissiva. As RPPNs são enquadradas na segunda categoria, ou seja, é possível uma exploração responsável e economicamente viável da área pelo proprietário. E mais: é o único tipo de unidade de conservação exclusivamente privada.
“A RPPN (…) permite que pessoas e empresas coloquem o seu nome no mapa e sejam responsáveis por áreas de belezas naturais preciosas.”
Outra característica marcante é a sua perpetuidade, isto é, depois de criada, ainda que a área seja posteriormente herdada ou vendida, ela permanecerá uma RPPN. Não existe tamanho mínimo e sua criação precisa ser relevante para a preservação. Também não é necessário que a RPPN ocupe toda a área da propriedade: pode ser uma parcela, inclusive se sobrepor a uma reserva legal já existente, obrigatória por lei.
A criação de uma RPPN depende da iniciativa do proprietário da terra. O pedido é feito perante os órgãos municipais, estaduais ou do federal (ICMBio) e não há cobrança de taxa. No entanto, o proprietário deve arcar com as custas para elaboração de mapas e demais documentos. Um dos documentos mais importantes é o Plano
de Manejo, uma forma de manual descritivo que reúne as informações do local, como biodiversidade, atividades e características.
Quando localizada em região rural, a área da reserva fica isenta do Imposto Territorial Rural (ITR). Já quando localizada em área urbana, depende das normativas do município para obter ou não a isenção do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Uma pesquisa realizada com proprietários de RPPNs no estado de Santa Catarina elencou as principais motivações deles para a criação de suas reservas. A mais mencionada, com razão, foi a conservação do ambiente natural, afinal, esse deve ser o objetivo principal de qualquer área protegida. Mas os proprietários também apresentaram como motivos a satisfação pessoal, a promoção do turismo, a atribuição de valor a outro
negócio, evitar invasões, entre outros.
A RPPN oportuniza a preservação pela iniciativa privada. Permite que pessoas e empresas coloquem o seu nome no mapa e sejam responsáveis por áreas de belezas naturais preciosas. É um artigo de luxo necessário na era moderna.
*Coluna originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.