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O filme Meu Pai e a sensação de ver alguém desaparecer diante dos nossos olhos

Como colunista da TOPVIEW, tive a oportunidade de ver o longa metragem antes da estreia

“No ar, mais um campeão de audiência!”. Essa frase, que remete a um clássico da TV brasileira, passou a me perseguir assim que comecei a ler sobre Meu Pai (The Father, Sony Pictures Classics, 2020), que concorre em 6 categorias do Oscar, e estreia no Brasil no dia 9 de abril. Primeiro, porque o filme já é um sucesso de público e de crítica no Reino Unido, nos Estados Unidos e em outros países onde está sendo visto. Mas também porque, para mim, a frase remete à uma memória afetiva, tema abordado na obra. Meu Pai trata da perda gradativa da habilidade de memorização de novos assuntos, com um retorno recorrente às lembranças antigas e avança para a anulação da capacidade do ser humano de estabelecer relações. O filme fala sobre a difícil evolução da demência: para quem a tem e para quem convive com o doente.

Como colunista da TOPVIEW, tive a oportunidade de ver o longa metragem antes da estreia e meus sentimentos vão ao encontro dos críticos americanos e ingleses, que salientam como ponto forte a beleza da tradução humana, dolorosa e muito real da demência, pela perspectiva dos pacientes e de seus familiares. Os personagens interpretados por Anthony Hopkins (vencedor do Oscar em 1992 por seu papel em Silêncio dos Inocentes) e Olívia Colman (vencedora do Oscar em 2019 por seu papel em A Favorita, e brilhante como a Rainha Elizabeth em The Crown) são gente como a gente e traduzem bem o que acontece no cotidiano dos nossos consultórios de Neurologia.

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Hopkins interpreta um homem de 80 anos que vive sozinho e não aceita os cuidadores que sua filha (Colman), preocupada, lhe apresenta. Ela tem seus afazeres e não consegue visitá-lo diariamente tendo que levá-lo para morar na sua casa. Outros desafios vão se apresentando com a evolução da doença. Seguindo esse roteiro, o filme faz uma profunda reflexão da condição humana: das nossas capacidades, dos nossos desejos e das nossas limitações. Como na vida real, dilemas éticos, legais e humanos se aproximam dos parentes com uma velocidade avassaladora, e os derrubam emocionalmente. Pesquisas demonstram que até 94% dos familiares de pessoas com demências, como a doença de Alzheimer, que tentam ser cuidadores, acabam precisando de auxílio médico e/ou psicológico para tratamento da saúde mental.

Antes de Meu Pai, o cinema já nos brindou com outras grandes atuações em filmes com a mesma temática. Em 2015, Julianne Moore venceu o Oscar de melhor atriz com uma personagem com doença de Alzheimer de início precoce, em Para Sempre Alice (Still Alice, 2014, Sony Pictures Classic), e em 2012, Meryl Streep venceu o Oscar interpretando Margareth Thatcher com demência em A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011, The 20th Century Fox). Essas atuações não são de quadros clássicos de doença de Alzheimer. Moore é uma professora jovem que tem um quadro mais raro de demência, em decorrência de uma transmissão genética bem identificada. Outras questões importantes foram abordadas nesse filme: descoberta precoce dos sintomas, a questão ética de se fazer exames genéticos em pacientes sem sintomas, e principalmente, o drama de doenças neurodegenerativas sem tratamento em pacientes jovens. 

Já nas primeiras cenas de A Dama de Ferro, Streep aparece interagindo com suas alucinações. Isso não é comum na fase inicial da doença de Alzheimer. É importante sabermos que existem muitos tipos de demência, como a doença de Lewy, demência por alterações vasculares, demências fronto-temporais, etc… Cada uma tem suas particularidades e formas diferentes de abordagem médica. Por isso, vale a insistência para que os familiares levem os pacientes o quanto antes para médicos especialistas nessa área.

Nesse sentido, Meu Pai é um filme muito realista e denso. Ele é rodado a partir da perspectiva do doente, portanto, com idas e vindas muito de acordo com as dificuldades de uma capacidade cognitiva lógica, própria da enfermidade. É emocionante. Chorei pela atuação de Hopkins, tão real quanto os pacientes que atendo todos os dias. Quanto ao Oscar, nem vou criar expectativas. Carrego a decepção de Robert de Niro não ter sido premiado pelo estupendo papel de um paciente com parkinsonismo pós-encefalítico em Tempo de Despertar (Awakenings, 1990, Columbia Pictures). Mesmo assim, vou ficar na torcida por Hopkins.

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