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O country e o western na moda

"O country tem ligações com várias épocas e vários acontecimentos históricos (...)"

Quando Ellen Enz começou a competir na prova dos Três Tambores, sentia-se desconfortável com as roupas que as competidoras usavam. Achava tudo muito masculino, sério e antigo — características que não a representavam. Começou, então, sem muitas pretensões, a fazer camisetas com estampas equestres para ela e suas amigas usarem. “Eu buscava esse estilo de vida country, mesmo no meio da cidade. Queria algo que pudesse usar nas competições e no dia a dia”, conta.

A brincadeira com as roupas ficou mais séria quando ela passou a encarar as competições também com seriedade: decidiu que queria aquela vida para valer. E, para isso, precisava comprar um cavalo de prova. “Minha família não era do meio e pagar R$ 50 mil em um cavalo não era normal. Aí fiz uma proposta para o meu pai: se ele fizesse a confecção das camisetas, eu venderia elas e pagaria o cavalo para ele”, relembra. Passou a levar uma mala de camisetas para as provas e a vender nas arquibancadas.

O sucesso foi tão grande que depois ela passou para as camisas, as jaquetas, os moletons e, por fim, as calças jeans — que, hoje, são o carro-chefe da marca Zenz Western. Adicionou seu toque pessoal às peças, com bordados e pedrarias, novidade no ramo. “A gente fala que a Zenz revolucionou esse meio. Eu trouxe o toque feminino e o mundo fashion e inovador para uma área em que isso não existia; era tudo muito apagado e simples. Trouxemos o fashion para o público western”, ressalta Ellen. As gigantes do mundo agro também já perceberam essa fatia de mercado. A New Holland, famosa fabricante de maquinário agrícola, também possui uma marca de moda masculina e feminina.

As transformações do western

Coleção Resort 2020 da Balmain.

Mas o country – ou western – na moda não nasceu com o agronegócio, por mais que faça parte desse universo. O estilo tem ligações com várias épocas e vários acontecimentos históricos, que o moldaram e transformaram até o que vemos hoje. Dani Nogueira, professora de história da moda no curso de Design de Moda do Senai, explica que o western nos Estados Unidos tem uma relação com os apaches; já na Europa, tem uma ligação neoclássica e angloamericana ligada à aristocracia.

A imagem do western também mudou ao longo dos séculos. Suas raízes estão fincadas na Idade Média e no Feudalismo, em que era relacionado a algo ruim, de vassalagem. “Precisamos lembrar que a moda gosta de enaltecer o que te coloca pra cima e tem ar de glamour”, aponta Dani. Esse cenário foi gradualmente mudando nos anos seguintes.

“Quando você vê que o outro tudo pode, você quer ter aquela liberdade também. Você acha mais interessante do que brega.”

No início do século 19, depois da Revolução Francesa, os aristocratas vão para as periferias das cidades e vivem em casas com grandes campos ao redor. Com a cultura da caça e do campo da época, eles precisavam estar com a roupa de todo dia. Naquele momento, o homem deixa de estar adornado e bordado, pós-rococó, e passa a usar roupas simples sem ornamentação, porque isso permite que ele passe o dia todo nas atividades do campo. “Isso era uma célula do nascimento do que seria a moda western ou country, que vai se estabelecer em várias regiões — e cada uma terá o seu código”, analisa. Caminhando na linha do tempo, a Era Vitoriana, por volta de 1850, na Inglaterra, traz aos homens a liberdade para sair do campo com a mesma calça, que, depois, vai ser a calça do minerador, dos trabalhadores. Ela substitui a calça de alfaiataria e passa a ser uma peça que pode transitar entre o campo e a cidade.

Coleção Resort 2020 da Paco Rabanne.

O western começa a deixar de ser exclusivamente do campo. Com o crescimento das cidades e o processo de urbanização da época, muitos trabalhavam com madeira nas construções e usavam roupas western, que eram as mais propícias para o ofício. O filme clássico …E o Vento Levou (1939) faz um retrato dessa fase. Ainda nessa época, a moda western ganha forte ligação com a Corrida do Ouro Americana, com o Velho Oeste. “É o homem da fazenda fazendo o país crescer, com a calça de brinco, a camisa de flanela, os acessórios em couro para guardar o revólver, é o grande herói. Com isso, enaltecem muito o country”, resume a especialista.

Entramos, então, no século 20. Esse foi o período em que a sociedade passou por um forte êxodo rural. “Minha avó, que nasceu em 1920, ainda trabalhou até os 10 anos no campo. Mas, depois, as pessoas — e até os imigrantes — estão saindo do campo e procurando trabalho na cidade. A terra já não estava rendendo”, explica Dani. Elas passam a ter que se vestir como as pessoas urbanas e abandonar os códigos do campo. Durante a década de 1950, nos Estados Unidos, com o auge do petróleo e a remanescência do ouro, os olhares se voltam para o Texas, que até hoje carrega o símbolo dos cowboys.

“O próprio caipira, essa palavra, foi pejorativa. A vida do campo no Brasil estava ligada à falta de dinheiro, as peças xadrez eram usadas como remendo(…).”

Os homens da cidade vão para o estado sulista e começam a se adaptar. Usam a bandana por conta do pó e outras peças vão se juntando ao armário da época, que serão adotadas pelos jovens da cidade, que veem elas no guarda-roupa do pai e do avô. Como eles só tinham terno e não possuíam uma moda prêt-à-porter, adotam o western para ficar diferente, já que eram todos iguais nas vestimentas. “É um momento de transição importante, quando o jovem começa a usar as roupas dos antepassados. É uma nova forma de olhar para o western com uma aura de poder, uma vibe meio Dallas, de buscar um lugar no mundo, conquistar o emprego a qualquer preço e ser o poderoso do pedaço”, ressalta Dani.

Coleção Resort 2020 da Versace.

O cinema também teve papel essencial nesse novo consumo jovem, que deixa de ser igual a todos, com o terno tradicional, para criar sua própria personalidade – e a moda reflete esse comportamento. “Os filmes de Velho Oeste entram aí e os brasileiros compram essa ideia norte-americana.” Antes disso, no Brasil, esses códigos foram transferidos para o caipira e o western perde a força. “O próprio caipira, essa palavra, foi pejorativa. A vida do campo no Brasil estava ligada à falta de dinheiro, as peças xadrez eram usadas como remendo [como é retratado nas festas juninas]”, complementa.

Hoje, a tendência voltou com força. Grandes grifes de luxo, como Balmain, Versace e Paco Rabanne, trouxeram códigos do western repaginados para suas coleções resort 2020. No Brasil, jovens que não têm nenhuma ligação com o campo adotaram as famosas botas country, flanela, lenços e outros símbolos ligados ao estilo. “As composições não deixaram de ter características bregas [no sentido de resgatar algo do passado], mas o que mudou foi que a nossa personalidade e individualidade foi tomando corpo e foi se tornando uma potência. Quando projetamos isso para o outro, ou ele vai ter que aceitar, ou vai ter que admirar”, explica.

Colção da Zenz Western.

“Quando nossa personalidade passa a bancar nosso lifestyle e aquilo que ela veste, não consigo mais usar uma palavra — “brega” — para explicar aquela combinação.”

Os elementos

Bandana: ela é uma antiguidade oriental e vem principalmente da Ásia e da África, em que, na época, as pessoas precisavam cobrir o rosto por causa da poeira e areia do deserto. Ela ganha alguns códigos dentro do western.

western
Colção da Zenz Western.

Cinto de couro: com grandes fivelas douradas, o couro e o metal têm ligação com a Idade Média. Na Corrida do Ouro no Velho Oeste, a fivela de ouro significava que o homem estava sendo bem-sucedido no ramo. Depois, elas ganham brasões para representar as famílias.

“O country tem ligações com várias épocas e vários acontecimentos históricos (…)”

Os bolsos: é a criação clássica da cena de um cowboy, com todos os adereços e as mãos nos bolsos com dois dedos para fora. “A Levi’s fez isso muito bem. Ela manteve os bolsos, por mais que não sejam mais necessários, como um apoio simbólico de força para esse homem”, aponta Dani.

Coleção Resort 2020 da Balmain,

Franjas: o corte do couro é muito presente nas tribos indígenas. As franjas surgem como uma necessidade ergonômica, já que, ao montar os cavalos, era necessário um couro menos rígido na parte superior para conseguir fazer os movimentos.

western
Coleção da Etro.

Camisa e flanela: “não existe camisa sem flanela, nem flanela sem camisa. Esse é o casamento eterno”, reforça Dani.

*Matéria originalmente publicada na edição #233 da revista TOPVIEW.

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