SELF

O bicho-papão agora é outro

Em um mundo 100% conectado, medos infantis dão lugar a uma série de fobias contemporâneas – reflexo do excesso de tecnologia na vida dos pequenos

Se até alguns anos atrás as doenças mais comuns entre crianças e adolescentes eram viroses, resfriados e dores de garganta, o panorama hoje é bem diferente e está diretamente relacionado às novas tecnologias. Um estudo realizado pela Common Sense – principal organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos, que investiga o uso de mídia e tecnologia pelas crianças e seu impacto no desenvolvimento físico, emocional, social e intelectual – revelou um dado estarrecedor: o celular é praticamente universal na vida das crianças pesquisadas.

O estudo avaliou o uso da mídia por pequenos de 0 a 8 anos de idade em 2017 e constatou que, em 2011, apenas 41% das famílias tinham um dispositivo móvel; agora, 95% possuem. Naquele mesmo ano, menos de 10% das famílias declarou ter um tablet; em 2017, esse número saltou para 80%. Outro dado que chama a atenção diz respeito à quantidade de horas dedicadas aos dispositivos móveis – o número triplicou, de 15 minutos por dia, em 2013, para 48 minutos por dia, em 2017.

Para entender quais as principais consequências da tecnologia na vida de crianças e adolescentes de hoje, conversamos com três profissionais. A seguir, elas compartilham o que mais têm visto em seus ambientes de trabalho.

Redução de habilidades sociais

“Quando falamos de adolescentes, jogos virtuais e redes sociais, o principal ponto é uma redução das habilidades sociais”, afirma Talita Souza Perboni, neuropsicóloga do Hospital INC e terapeuta cognitiva comportamental. “Eles perdem a capacidade de fazer leituras de informações não verbais.” Para Talita, o fato de tudo ser escrito na era digital faz com que a criança ou o adolescente não desenvolva a habilidade de interpretar gestos corporais. “Isso, na vida profissional, vai fazer bastante diferença”, avalia.

Relacionamentos descartáveis

No Colégio Amplação, em Curitiba, apenas 25% do material didático é tecnológico. A maior parte do ensino ainda vem dos livros, das lousas e da comunicação verbal. A prática vem justamente para contrapor as pesquisas mais recentes, que apontam as consequências ruins do uso integral da tecnologia na vida dos jovens. Para a pedagoga do Amplação, Gisele Mantovani Pinheiro, é mais fácil para os pequenos se submeterem a essa “alienação tecnológica”. E o que mais lhe chama a atenção são os relacionamentos descartáveis a que eles estão se acostumando. “Se tem um desconforto com alguém, [a criança] deleta-o da rede social e não busca lidar. Os alunos estão perdendo a essência do ser, passando a viver a essência do ter”, critica.

Baixa autoestima crônica

Em sua clínica, a analista de comportamento e psicóloga da Paraná Clínicas, Rafaela Alessandra Teixeira, vê transtornos mentais serem acentuados pelo uso da tecnologia, como ansiedade e depressão. Um fator chama a sua atenção: a crescente baixa autoestima que os usuários apresentam. “A tecnologia faz com que as crianças percam o jogo de cintura com a vida. Eu jamais vou saber levantar se não cair”, afirma. Esse “desistir fácil” faz com que os pequenos não desenvolvam habilidades básicas, como argumentar e vivenciar conflitos – e o déficit de habilidades dá lugar à desmotivação e a uma baixa autoestima. Por outro lado, a psicóloga lembra que cabe aos pais mostrar como era e pode ser um dia sem celular, sem tecnologia.

Deixe um comentário